Mulheres Camponesas – Olhar Histórico – Nancy Cardoso Pereira

Capítulo 1 – Todas as vidas… todas as vias camponesas!

A delimitação conceitual de campesinato é um exercício político. Duas referências importantes para precisar o conceito de camponês são a história e a teoria.1

Nosso objetivo na organização de um olhar histórico sobre a luta das mulheres camponesas faz parte do exercício político comum que homens e mulheres dos movimentos camponeses vêm fazendo na afirmação da militância contra o latifúndio e suas raízes antigas, o capitalismo e suas violências de sempre. As mulheres camponesas sabem também que a teoria e a história têm sido espaços de exclusão das mulheres trabalhadoras, negras e índias. Por este motivo esta reflexão quer ser exercício político, teórico e histórico de afirmação do protagonismo do campesinato mas também, e de modo especial, do protagonismo das camponesas em seus modos de vida plural.

As escolhas teóricas e históricas foram feitas a partir da compreensão da necessidade da relação dinâmica e dialética entre classe – gênero – etnia sabendo que este olhar histórico exigirá de modo radical a crítica das formas organizativas políticas de hoje e seus limites sexistas e racistas.

De modo especial se pode destacar a inexistência de uma história do campesinato que integre estas dinâmicas, reproduzindo formas de silenciamento e ocultamento em especial da mulher camponesa. Mulheres Camponesas. Aqui, o exercício político de história e teoria se faz necessário e urgente. Este exercício precisa considerar as relações de poder e gênero como estrutura vital de organização e resistência do campesinato.

 

A história da família camponesa brasileira é a história do fracionamento da terra, dos recortes de territórios que dividiam e dividem parcelas de grupos familiares de forma violenta. É a história do abuso sexual de mulheres negras e nativas, das famílias desordenadas entre a casa grande e a senzala, dos muitos filhos e filhas num matriarcado-sem-poder sempre lidando nos limites da sobrevivência.

Quando se enuncia os referenciais teóricos sobre campesinato sempre se destaca a organização familiar como estrutura e especificidade. Por exemplo, nas releituras econômicas contemporâneas das teorias de Chayanov, que parte de uma perspectiva microeconômica, este destaque é evidente:

Para Chayanov a família é o fundamento da empresa camponesa — na sua condição de economia sem assalariamento, uma vez que é tanto o ponto de partida quanto o objetivo da sua atividade econômica. Como única fonte de força de trabalho a família é o suposto da produção, cujo objetivo nada mais é [que] o de garantir a própria existência. A unidade camponesa é, pois, a um só tempo unidade de produção e unidade de consumo e encerra, concomitantemente, as funções das esferas de produção e reprodução…Em outras palavras: não pertence à realidade da produção camponesa um rendimento por unidade de trabalho que seja determinante, como o é, para a empresa capitalista, o rendimento correspondente ao salário enquanto grandeza socialmente determinada, mas, sim, um rendimento por unidade de trabalho determinado pelas necessidades anuais da família camponesa — pelo caráter, pois, da empresa camponesa enquanto unidade de consumo.2

Evidencia-se aqui as dinâmicas de produção – reprodução – consumo na compreensão da família camponesa; estruturante e estruturada, a família que é ao mesmo tempo suposto e unidade de produção e consumo e reunindo também as funções de produção e reprodução.

Aprendemos também que:

A delimitação conceitual de campesinato é um exercício político. Duas referências importantes para precisar o conceito de camponês são a história e a teoria. Da primeira, demarcamos sua natureza e da segunda as diversas interpretações a respeito de sua existência e perspectivas.

A importância da família – conceito e estrutura – na delimitação conceitual de campesinato precisa ser referenciada na história e na teoria. Significa dizer que não se pode compreender família fora da história, que não existe uma família à priori, com uma natureza evidente por si. Significa também considerar as diversas interpretações sobre família.

Também aqui se trata de um exercício político, infelizmente sub-desenvolvido, expressão da fragilidade teórica e política no campo das relações sociais de poder e gênero.

A discussão sobre a história da interpretação do campesinato numa perspectiva histórica e atual, afirma esta especificidade camponesa :

Essa racionalidade camponesa, enquanto conjunto de valores que move o sujeito social camponês, apóia-se em dois elementos centrais: a garantia continuada de reprodução social da família, seja ela a família singular seja a ampliada, e a posse sobre os recursos da natureza. A reprodução social da unidade de produção camponesa não é movida pelo lucro, mas pela possibilidade crescente de melhoria das condições de vida e de trabalho da família…A autonomia é demográfica, social e econômica. Neste último caso, ela se expressa pela capacidade de prover a subsistência do grupo familiar, em dois níveis complementares: a subsistência imediata, isto é, o atendimento às necessidades do grupo doméstico, e a reprodução da família pelas gerações subsequentes. Da conjugação destes dois objetivos resultam suas características fundamentais: a especificidade de seu sistema de produção e a centralidade da constituição do patrimônio familiar3.

A centralidade da família nesta discussão deveria colocar o tema das relações de poder e gênero no campesinato como prioridade teórica e política. O enfrentamento teórico dos modelos de agricultura familiar não respondem às questões vitais dessas relações porque também tomam família familiar como conceitos unívocos e já normatizados.

A família – no marco de discussão de enfrentamento do capitalismo – desempenha um papel opressor e naturalizador de relações de igualdade e violência que precisaria ser compreendido, criticado e superado teórica e politicamente. A relação classe-gênero é de fundamental importância para o desmanche desse papel.

Os relatos históricos como coleção de fatos ou de experiência isoladas são abstrações, momentos artificialmente separados do todo. A busca pela dialética do concreto toma cada fenômeno em sua relação com o todo (social, textual…), percebendo a realidade como metabolismo de simultaneidades. A pergunta pela reprodução material e simbólica precisa ser situada na complexidade do metabolismo social, isto é, a realidade entendida como concreticidade:

“Se a realidade é entendida como concreticidade, como um todo que possui sua própria estrutura (portanto, não é caótico), que se desenvovle (e, portanto, não é imutável nem dado uma vez por todas), que se vai criando (e que, portanto, não é um todo perfeito e acabado no seu conjunto e não é mutável somente em suas partes isoladas)… decorrem certas conclusões metodológicas.”4

As condições nas quais um grupo social se reproduz dependem diretamente da estrutura das diversas formas de organização social e, por isto devem ser estudadas, tendo-se em conta a concretude de uma dada formação social e não de uma “forma abstrata”, que não considera as formas historicamente diferentes da estrutura social.

A pergunta pela história do campesinato precisa então perguntar pelas formas históricas da família camponesa, de modo especial nos processos de resistência e luta e na relação complexa com expressões religiosas e míticas que se evidenciam nos processos.

Uma das funções da religião nos diversos modos de produção pré-capitalista seria a de garantir coesão social. Evitando a visão mecanicista que ordena e cria uma relação de determinação do âmbito da infra-estrutura (PRODUÇÃO) sobre a super-estrutura (REPRODUÇÃO), a análise histórico-dialética exige a compreensão da influência recíproca das estruturas “umas sobre as outras, através das práticas sociais e simbólicas dos protagonistas sociais”. Neste sentido, entender uma sociedade a partir do modo de organização da produção da vida material implica perguntar também pelas dinâmicas reprodutivas, suas práticas sociais e simbólicas.

Questões demográficas e populacionais; trabalho reprodutivo entendido em suas simultaneidades de geração de filhos e filhas e trabalho doméstico cotidiano de reposição das condições materiais e simbólicas de vida; sexo e erotismo; casamento e mito romântico; divisão internacional/social/sexual do trabalho; trabalho formal e informal; espaço público e privado; flexibilização e perda de direitos; memória e esquecimento na história e na cultura; organização de consumo e legitimação de metabolismos de distribuição; reestruturação produtiva no agronegócio e o impacto sobre o trabalho das mulheres… são- entre outros – temas freqüentes e urgentes das discussões feministas que ainda não são devidamente considerados e articulados na tarefa de dizer o campesinato e de traçar uma via campesina.

O silêncio obsequioso do debate sobre campesinato sobre as relações de poder na família esconde, na verdade, uma versão de um socialismo machista-leninista que continua atribuindo à família um status de unidade moral, com recalques… mas necessária. Este silêncio é estendido não só ao campo teórico mas também nos esforços de reconstrução histórica.

Talvez aqui ainda se encontre marcas e fragmentos da influência do familismo do criastianismo latino-americano, como sombra permanente no imaginário onipotente de pesquisadores e militantes. A redução do feminismo ao campo do pensamento burguês, o tratamento minoritário dado às mulheres e a resistência à auto-crítica do milenarismo de uma elite de machos, associa militantes e igrejeiros, fazendo dos movimentos sociais e pastorais verdadeiros redutos de misoginia e sexismo.

Pela contramão, a incapacidade ou a má vontade de se discutir e trabalhar – no nível teórico e político – com as relações sociais de gênero, reproduz os mecanismos e metabolismos do capitalismo na agricultura, porque reforça as entranhas da exploração das mulheres e da natureza ainda escondidas nas generalidades da teoria e da prática política.

Talvez o que nos falta é a coragem de abrir o debate para o campo das teorias e militâncias feministas: gênero sem feminismo, vira anexo burocrático das organizações e reflexões; socialismo sem feminismo, é recauchutagem do patriarcalismo do capital.

Mais do que a anexação de temas ou criação de programas, é no nível teórico e político, das análises da história e das interpretações, nas análises de conjuntura e nas estratégias, na criação de espaços reais de debate e interlocução que será possível dizer – como exercício coletivo de iguais – quem é o campesinato no século XXI.

Reconhecendo o amplo debate existente sobre a questão camponesa no Brasil escolhemos uma moldura básica como forma de organização da memória histórica e estabelecimento de diálogo com as alternativas propostas pelo debate. Neste sentido:

Acreditamos que tenham sido sobretudo cinco as vias que levaram à formação do campesinato brasileiro propriamente dito, categoria que se encontra, atualmente, em acelerado processo de superação devido a sua crescente submissão à produção e ao mercado capitalistas. Ou sejam: as vias nativa, cabocla, escravista, quilombola e colonial.5

A primeira parte desta memória histórica trabalhará com estas cinco vias camponesas apresentando uma visão geral sobre o tempo e espaço das lutas e revoltas e destacando os fragmentos e possibilidades de leituras a partir das mulheres índias e negras. Esta leitura não confirmará a perspectiva do acelerado processo de superação do campesinato brasileiro mas tratará de manter o caráter conflitual e de luta de classes do cenário brasileiro. Por ser um esforço inicial estas memórias assumem o formato de inventário precário aguardando por estudos e debates mais significativos e sistêmicos que cumpram de modo adequado o desafio de escrever uma história do campesinato no Brasil.

A segunda parte desta memória apresentará introduções sobre as principais revoltas camponesas do Brasil, destacando elementos vitais dos conflitos e destacando o protagonismo das mulheres de diversas regiões do país por dentro dos movimentos e organizações do campesinato.

Boa leitura! Bom exercício político!

1a. parte – NOSSAS MÃES NOS CONTARAM

 

 

1- Aquelas que não sabemos o nome: a luta das mulheres indígenas

 

 

Desde o início da invasão em 1500 as populações nativas de diversos pontos do litoral do que hoje é o Brasil foram submetidas a diversas formas de submissão e exploração. A total dependências para subsistências dos invasores, seu projeto de dominação e sua capacidade militar transformaram quase que imediatamente as relações com as populações locais em relações de roubo, tortura e escravidão. A visão de índios preguiçosos e indolentes não explica o intenso processo de disputa e de controle que os invasores tiveram que estabelecer nas terras tomadas para consolidar seus projetos de exploração.

A História verdadeira mostra que a reação do nativo foi tão marcante, que tornou-se uma ameaça perigosa para certas capitanias como Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e Maranhão. Além da luta armada, os nativos reagiram de outras maneiras, ocorrendo fugas, insurreições e homicídios como forma de reação à violência estabelecida pelo escravismo colonial. Mesmo os grupos sob controle exerciam um forte processo de resistência ou desorganização cultural (alcoolismo, violências, recusas de tarefas, etc).

A Colonização deixou de ser vista como um movimento único, linear, de puro e simplesmente extermínio dos povos considerados passivos, submissos, impotentes, mas sim como um complexo jogo de relações, embates, negociações e conflitos, desde a chegada dos primeiros europeus no século XVI até os dias atuais, onde povos foram exterminados brutalmente, e outros elaboraram diferentes estratégias para sobreviverem até os dias de hoje.

Na região mais antiga da invasão portuguesa, o Nordeste, a Colonização teve início no litoral com a exploração do pau-brasil e, depois, com a lavoura da cana-de-açúcar, em territórios de povos Tupi que foram exterminados, dispersos ou forçados a fugirem para o interior. Os povos indígenas não só reagiram – através das guerras – às invasões de suas terras, como permaneceram nelas, como é o caso dos Potiguara que habitam o litoral do atual Estado da Paraíba.6

Já no final do século XVI com as fazendas de gado e de algodão, os povos Jê resistiram à invasão do agreste e do sertão a partir de sua diversidade cultural. Diferente dos povos do litoral, os Jês habitavam em furnas, isto é, abrigos naturais próximos das fontes de água. Organizados em grupo, conviviam com as condições geo-ecológicas da região deslocando-se para onde podiam encontrar caça e áreas de fertilidade para o plantio. Estas áreas e de fertilidade e fontes de água foram desejadas e disputadas com os Colonizadores que procuram – até os dias de hoje – expulsar os antigos e tradicionais moradores e tomar suas terras.

Todas essas formas de reação dificultavam a organização da economia colonial, podendo assim, comprometer os interesses mercantilistas da metrópole, voltados para acumulação de capital a partir da exploração dos recursos naturais das terras ocupadas e a produção de bens como o açúcar e a exploração de mão-de-obra escrava. Apesar de todos esses obstáculos, as comunidades indígenas são amplamente escravizadas e seus modos de vida são sistematicamente destruídos e desvalorizados.

As políticas de colonização – como por exemplo o Diretório de Pombal de 1757- proibiam os indígenas aculturados de usarem seus próprios nomes e sua língua , adotando nomes de Portugal; os índios eram obrigados a construir suas casas como a dos brancos com divisórios e para evitar os supostos vícios da “promiscuidade”, segundo a moral cristã da época. Os índios deveriam usar “vestidos decorosos e decentes”, não sendo permitido de modo algum andarem nus, especialmente as mulheres.

A resistência dos índios ao poder colonial que lhes era imposto foi constante: falando sua língua nativa, realizando seus rituais religiosos (proibidos pela igreja), e também, de forma mais ostensiva, andando armados e ameaçando as autoridades da Vila. 7

É preciso compreender as populações nativas como os diversos povos em diferentes contextos e modos de vida, que, ao longo do processo histórico brasileiro elaboraram diferentes estratégias de sobrevivência. O próprio conceito de resistência precisa ser criticado e ampliado entendendo não só confrontos, enfrentamentos armados e vitória definitiva de um lado ou outro do conflito mas também a resistência cultural do cotidiano que cria condições reais de permanência e reprodução do modo de vida ameaçado contrariando os objetivos da política de dominação que pretende ter controle da totalidade e a hegemonia territorial.

Contrariando todas as previsões trágicas, os povos indígenas no Brasil ao longo dos 500 anos de colonização, não somente elaboraram diferentes estratégias de resistência/sobrevivência, como também alcançaram nas últimas décadas, como recentemente noticiou a imprensa, um considerável crescimento populacional, 3,5% ao ano, maior que a média da população brasileira em 1,6%, segundo estimativa do IBGE (Folha de São Paulo, 24/03/01,p.A9), questionando assim as tradicionais visões eurocêntricas e colonialistas, o que exigiu reformulações das teorias explicativas sobre o destino desses povos.8

Os povos nativos resistiram, lutaram e permaneceram. A luta continua até hoje e se consolida como elemento fundamental da luta de classes hoje no Brasil na sua complexidade com as relações étnicas e de gênero. Neste sentido é de vital importância perguntar pela memória e a atualidade da luta das mulheres indígenas.

Para os livros e documentos… a mulher indígena não existe. É a matéria prima básica da reprodução humana da primeira colonização… mas não existem nomes, nem relatos, nem estatísticas que comprovem sua existência de modo formal. Mas elas estavam lá9.

A invisibilidade das mulheres indígenas é parte da invisibilidade das mulheres em geral, enquanto sujeitos históricos de processos sociais e políticos e é também parte da invisibilidade dos próprios povos indígenas, representados através de estereótipos e sob a categoria genérica ‘índio’, suas sociedades sendo vistas como se estivessem congeladas no tempo.

1.1 – O que os homens brancos contaram

O que conhecemos das mulheres dos muitos povos nativos que habitavam estas terras antes dos portugueses nos foi contado por viajantes, missionários, comerciantes. Olhares masculinos e estranhos.

   “Os cronistas, viajantes e primeiros pesquisadores, através dos quais podemos ter algum acesso à realidade brasileira dos primeiros tempos da colonização, foram bastante econômicos em suas referências às mulheres indígenas. E os poucos registros existentes sobre as índias revelam mais sobre os preconceitos que povoavam as mentes desses observadores do que sobre a vida e a atitude das mulheres que habitavam a costa brasileira (…) Para tentar resgatar o valor desse grande contingente de mulheres que permaneceu invisível para a sociedade brasileira por tanto tempo, o melhor é começar com uma pergunta: “por que as vozes das mulheres indígenas não foram ouvidas”10

Os relatos masculinos sobre as mulheres nativas vão explorar 5 possibilidades, todas elas sem a escuta das mulheres: as eróticas, as sujas, as fazedoras-de-filho, trabalhadeiras e pegas-no-laço.

  • as mulheres nativas como selvagens eróticas

O encontro desigual e violento entre as culturas nativas e de invasão colocou as mulheres dos povos nativos num lugar complicado de desejo e repúdio por parte da grande maioria dos homens invasores. Mesmo quando as mulheres indígenas eram violentadas por homens brancos a interpretação corrente era de que elas provocavam com sua atitude supostamente descontrolada e erótica.

A existência de modos de vida diferenciados com comportamentos e atribuições do erótico e do sexual diversos dos padrões da cultura cristã de invasão portuguesa, levou os historiadores a registrar a imoralidade das culturas nativas, em especial das mulheres.

Alguns relatos do Padre Anchieta falam sobre “certas mulheres que provocavam os homens a atos libidinosos”11, além de outros atos considerados “imorais”, expressa a forma como o “homem branco”, imbuído de categorias como “sagrado e profano”, “bem e mal” e da visão eurocêntrica de mundo, interpretava e lidava com o desconhecido, a partir do choque de hábitos culturais; a nudez, por exemplo, hábito comum entre os grupos indígenas, era para os europeus uma expressão do “pecado original”, da erotização e da representação do sexo.

Gilberto Freyre, por exemplo, um dos maiores historiadores brasileiros do século XX, aponta que “as mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho”. Já Abílio Leite de Barros, autor de renome regional, cita que “a maioria de nossas primitivas etnias desapareceu na moita e na cama em alegre troca de prazeres, e não se pense estupro, pois as nossas mulheres índias, para desespero dos religiosos catequistas, sempre mostraram a preferência pelo erotizado homem civilizado”12

  • as mulheres nativas como sujas e selvagens

Muitos relatos vão insistir e reforçar a dúvida sobre sua humanidade das populações nativas, em especial as mulheres por conta de costumes observados considerados brutos e sujos. A escravidão era legitimada pelo baixo grau de cultura que deixava uma dúvida: o índio era gente mesmo ou era bicho?

A apatia e a preguiça exigiam a constante aplicação de castigos corporais e de ameaças. A mulher guarani vai ser associada em algumas descrições a um animal justificando poder ser possuída pelo “padre” ou pelo colonizador 13. Até mesmo no vestiário imposto sobre as culturas nativas estará entendida uma visão tradicional de falta de moral e de higiene o que exigiu dos missionários um esforço de substituição de comportamentos e usos de modo especial das mulheres14.

Povos nativos, em especial os Tupinambás, apreciavam o cauim, um tipo de bebida fermentada à base de mandioca, milho e frutas. Os europeus ficaram enojados ao conhecer o modo de elaboração do cauim – a massa, de milho ou mandioca – era mastigada pelas mulheres e depois, cuspida nos jarros para posterior fermentação.

Um dos opositores das cauinagens, José de Anchieta, deixou claro sua aversão à iguaria nativa, descrevendo assim em 1584, sua fabricação, “este vinho fazem as mulheres, e depois de cozidos as raízes ou o milho, os mastigam porque com isso dizem que lhe dão mais gosto e o fazem ferver mais”.15

  1. as mulheres nativas como “meio” de reprodução objetivo e subjetivo

As mulheres dos muitos povos nativos foram vistas como meio de reprodução para os senhores colonizadores:

O homem indígena foi utilizado pelos colonizadores para as tarefas do mato, a guerra, a caça. Já a mulher, tornou-se amásia, dona da casa, mãe, cabendo a ela o valor de nos ter legado a maior parte da cultura indígena que trazemos conosco até os dias de hoje. Por sua vez o invasor pouco numeroso foi desde logo contemporizando com o elemento nativo; servindo-se do homem para as necessidades de trabalho e principalmente de guerra, de conquista dos sertões e desbravamento do mato virgem; e da mulher para as de geração e de formação de família. 16

As mulheres indígenas vão ser entendidas pelos historiadores de modo restrito na cultura brasileira limitada a uma função de “apoio” ou de “base” ocupando o lugar que sempre se atribuiu às mulheres: a cozinha, o cuidado com as crianças e os doentes, o doméstico. As mulheres indígenas recebem um papel por serem índias, e também por serem mulheres. Gênero e etnia articulam-se delimitando e limitando as esferas de ação e as influências criando uma minoridade dupla.

    • adaptação para o trabalho e comunicação entre as culturas


“Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena”

As mulheres nativas são vistas como amásia, mãe, dona-de-casa, serviçal e trabalhadora da lavoura, foram elas – as cunhãs – que tornaram a vida possível apesar do processo de violência articulando formas de comunicação entre o português e aos seus filhos e filhas mestiços, adaptando e mantendo a maior parte do arcabouço cultural e tecnológico das sociedades indígenas da floresta tropical que foi sendo incorporado às resoluções de vida e trabalho.

A partir da vida doméstica e dos conhecimentos da produção de subsistência, a mulher pode passar adiante os seus conhecimentos adquiridos em dez mil anos de convivência com a floresta tropical. O homem indígena não se adaptou ao regime de trabalhos forçados mas as mulheres teriam se adaptado melhor.

    • as índias pegas no laço – nossas avós

Alguns escritos indicam e confirmam o “costume” continuado no Brasil colônia de famílias que “adotavam” pequenas índias para “criar” ou homens que tomavam jovens índias à força e as mantinham como “esposas”17. Numa sociedade recém saída da escravidão, era considerado legítimo “criar” uma criança índia, educando-a como “criada”, encarregada dos múltiplos serviços da casa e seus arredores.

De algumas dessas mulheres temos o relato:

A primeira delas é Maria Gensch, ou Korikrã, sobre quem escreveram seu pai adotivo, Hugo Gensch, e os antropólogos Sílvio Coelho dos Santos e Darcy Ribeiro, adotada pela família de um médico de Blumenau. A história do dramático encontro com seus pais verdadeiros é contada com detalhes e demonstra que ela se identificava, sobretudo, com a família branca, que a tratou como filha e educou. “Wat”, de nome não divulgado, também adotada por um casal de imigrantes de Blumenau, com destino trágico, que apesar de “ter sido educada com todo o carinho”, teria escolhido o caminho da prostituição e morrido em decorrência das moléstias adquiridas naquele meio. E finalmente Benedita Inglat, outro caso de adoção, tendo a moça vivido longo tempo, reconhecida como alguém da família e da comunidade.18

Os documentos revelam que os “bugreiros” – caçadores de índios -recebiam encomendas para capturar “filhotes de bugres”, de modo especial a procura era grande por meninas-bugres para o serviço das casas e para a disposição das senhoras.

Martim Bugreiro…dizia que o ‘bichinho de sobre-ano’ era dificílimo de conduzir. Só pegava mamota do peito.19

Na região de Lages, na região do Vale do Itajaí e em vários pontos do sul do Brasil, as mulheres e meninas índias eram capturadas por bugreiros e “adotadas” por famílias ou instituições religiosas, ou criadas em fazendas. Na verdade a grande maioria servia como continuidade da mão-de-obra escrava – na produção e na reprodução.

As relações entre índios e brancos por todo o Brasil foram assim marcadas pelas relações sociais de poder e gênero de violência, extermínio e medo. Muitas dessas mulheres e crianças foram incorporadas de forma subordinada à sociedade dos brancos

Seus descendentes não estão hoje somente nas poucas áreas indígenas demarcadas, onde grupos Xokleng, de Kaingang e de Guarani tentam manter seu patrimônio cultural e material, com muita luta e resistência. Eles estão aqui, nas cidades e no campo, em cada família com sua bisavó índia “pega a laço”. Falta ainda fazer a história das táticas de sobrevivência destas pessoas.20

Estas formas de ver e registrar a presença das mulheres indígenas ainda está muito presente no modo de fazer história no Brasil. Se não existe uma história da mulher… muito maior é o desafio de criticar e superar os olhares antigos e novos dos homens colonizadores e perguntar pela presença, resistência e luta permanente nas mulheres dos muitos povos indígenas. Na construção de uma memória de luta das mulheres este esforço é fundamental e deve aproximar as mulheres camponesas e indígenas.

1.2 – As RESISTÊNCIAs das Mulheres Indígenas

 

Fazer uma contra-leitura da história exige falar em ‘mulheres indígenas’, no plural. Só assim elas poderão tornar-se visíveis enquanto sujeitos sociais e históricos, escapando de um olhar que destrói as realidades históricas, as singularidades culturais e a permanência da resistência até aos dias de hoje. As mulheres dos muitos povos indígenas resistem até hoje e por isso é possível contar suas histórias.

Algumas dessas mulheres são lembradas como parteiras hábeis, pessoas dedicadas à cura das doenças. ( Como Mãe Inácia, de Carmem Verdi e D. Leopoldina, do Sr. Argeu). Ou como avós sábias, ou ainda como agregadas das famílias poderosas, submissas e fiéis (como Cotoria).21

 

Poucas foram as mulheres indígenas cuja memória foi registrada nas fontes históricas, mas é possível perceber que as que o foram, foram-no por terem se associado a um homem importante ou ‘se masculinizaram’ de alguma forma, aos olhos do observador da época. Para recuperar a história dessas mulheres é preciso recuperar sua história como sujeitos autônomos, história de um genocídio não-totalizado, resistência e luta coletiva, motivo pelo qual escolhemos as mulheres que se seguem, sem nos esquecermos das nossa avós “pegas-no-laço” e, recentemente, das associações de mulheres indígenas.


Ingaí palavra indígena INGA-YBA, dado a árvore do INGÁ, encontrada na época da colonização em abundância; Índia caeté, resistiu bravamente com seu povo à invasão, em 1535, dos colonos portugueses que vieram com Duarte Coelho, donatário da capitania de Pernambuco. Era prometida ao índio Camure quando este foi preso e morto durante a luta contra os portugueses. Enquanto era levada prisioneira, os colonos tentaram violentá-la, mas Ingaí resistiu e acabou conseguindo fugir, suicidando-se no mato
22. Hoje Ingaí é nome de várias cidades, rio, fazendas e


Isabel
Índia escravizada, foi vítima da crueldade de seu senhor, Fernão Cabral de Taide, proprietário do engenho Jaguaribe, no Recôncavo Baiano. Sob a acusação de ter contado casos amorosos de Fernão a sua mulher, Margarida da Costa, este ordenou ao feitor, Domingos Camacho, que queimasse Isabel viva, o que ele fez ajudado pelo escravo guiné João. O episódio teve enorme repercussão na Bahia, tendo sido denunciado ao Tribunal do Santo Ofício anos depois, por ocasião da visitação do Santo Ofício à Bahia entre 1591 e 1593
23.

Maria Coragem

Durante a Guerra do Paraguai, 30 “voluntários” Xukuru foram convocados e obrigados para lutar, entre eles, uma mulher. Sabe-se que diversas mulheres, prostitutas, esposas e seus filhos menores acompanhavam seus maridos-soldados na Guerra do Paraguai. Mulheres que seguiam as tropas e “não tinham medo de coisa alguma”, e nas frentes de batalhas ora socorriam os feridosimprovisando ataduras com suas próprias vestes, ora combatiam ao lado dos homens.

O povo Xukuru do Ororubá dentre os vários relatos acerca da Guerra, falam sobre “Maria

Coragem”, uma índia que se destacou nos campos de batalha, “…foi Coragem, uma mulher

chamada Coragem, porque o nome dela não era coragem, chamaram depois que ela foi

para a Guerra, pela coragem dela.” ( testemunho de Pedro Rodrigues Bispo, 72 anos. Pajé Xukuru , conhecido por “Seu Zequinha”, em 29/03/2002)24

 

Juçara – a companheira de Sepé Tiaraju

Em 1729, a chamada República Guarani somava um total de 131.658 indígenas escravizados. Os exércitos português e espanhol, na batalha de 7 de fevereiro de 1756, próximo a Bagé (sudoeste do Rio Grande do Sul), assassinaram Sepé Tiaraju e mais 10 mil guaranis. Sua esposa Juçara, levaria às costas a menina recém-nascida que Sepé jamais veria. Era o início da solidão e do sofrimento das mulheres, motivados pela violência, pelo racismo e por todas as formas de intolerância, inclusive referentes à espiritualidade e à cultura indígenas.25 Hoje, no esforço de resgate da luta de Sepé, pouco se fala de Juçara e todas as mulheres guaranis como diz o poema:

Índia Missioneira

Quem é aquela mulher,

com a cria nas costas andando,

por esses pagos vagando,

anônima, mas não vencida

pelas armas e feridas

dos dominadores de então

que, como os de todo o tempo,

vêm impondo a escravidão?

Aquela mulher é Juçara

  • amada do Índio Sepé –

cujo brado ainda se ouve

pras bandas de Caiboaté.

E, assim como suas iguais,

irmãs de todas as tribos,

conhecedora das dores

trazidas por inimigos.

Irmãs amantes das matas,

da terra e suas flores,

transbordantes de amores

por seus homens guerrilheiros

  • bravos e heróicos companheiros –

na busca da liberdade,

a quem quiseram impor

uma injusta sociedade.

Irmãs rebeldes, guerreiras,

em defesa de seu povo,

se quedam em nossa memória,

construindo a trajetória,

na busca de um mundo novo,

liberto de todo o abandono,

onde retumbe o grito

de que ‘esta terra tem dono’.

Fazendo o nosso sonho

realidade se tornar,

pelo legado de lutas

da experiência missioneira,

no raiar de um novo tempo,

nesta Pátria Brasileira!

Juçara Coni

1.3 – As outras formas das mesmas resistências

Um outro modo da resistência acontecer se dá no mundo dos símbolos, dos mitos e do imaginário. A reconstrução da história das mulheres indígenas deve passar também pela força da memória que não foi capturada pelos livros e documentos mas que se mantém viva na vida das comunidades indígenas suas mulheres e meninas. Para isto é preciso recolher os relatos de memória e dos fatos da vida em que as Comunidades manifestam sua força. Deve-se dar preferência a algumas situações características do mundo atual: lutas, vitórias, resistência, mitos e rituais, sonhos e utopias, símbolos e gestos, utilizando a língua e as formas de comunicação de cada povo26.

AMAZONAS – poder e floresta

Dizem das Amazonas que são mulheres guerreiras, exímias cavaleiras, sem marido, que amputavam um dos seios para melhor empunharem seus arcos e flechas. Foram avistadas, pela primeira vez, em 24 de junho de 1541, por Frei Gaspar de Carvajal, na foz do Rio Jamundá, na Amazônia. Em torno de 400 a 600 anos atrás, teria existido na Região Amazônica, próximo às cabeceiras do rio Jamundá (fronteira do Amazonas com o Pará), uma região sob o poder de mulheres guerreiras27.

Os primeiros europeus, ao chegarem às terras da futura Amazônia, contaram ter encontrado tribos de mulheres cujos costumes assemelhavam-se aos das famosas Amazonas da Capadócia, na Ásia Menor. Este mito vai dar nome à região e ao rio Amazonas.

Diziam os índios que as Ykamiabas (ou Amazonas, para os europeus) presenteavam os homens, após relação sexual, com pequenos artefatos semelhantes a sapos, confeccionados com o mesmo material retirado do fundo do lago, uma espécie de pedra de jade (jadeíta) ou a nefrita. O presente era chamado de Muiraquitã. Este objetos identificavam os homens protegidos pelas amazonas e aceitos na comunidade.

A filha de Taxua, mãe de Mani – agricultura e mito

Em tempos antigos, a filha de um poderoso tuxaua foi expulsa de sua tribo e foi viver em uma velha cabana distante por ter engravidado misteriosamente. Alguns parentes levavam iam comida para seu sustento e assim a índia viveu até dar a luz a um lindo menino, muita branco o qual chamou de Mani.

A notícia do nascimento se espalhou por todas as aldeias e fez o grande chefe tuxaua esquecer que estava zangado e atravessar os rios para ver sua filha. O avô acolheu a criança e mãe e filho foram re-integrados na aldeia.

Ao completar três anos, Mani morreu de forma misteriosa, sem nunca ter adoecido. A mãe ficou arrasada e enterrou o filho perto da cabana onde vivia e chorou sobre ele dias seguidos. Mesmo com os olhos cansados e cheios de lágrimas ela viu brotar de lá uma planta que cresceu rápida e fresca. Todos vieram ver a planta miraculosa que mostrava raízes grossas e brancas. Desde então a mandioca passou a ser um excelente alimento para os índios e nunca mais o povo passou fome.

Este alimento é a mandioca (mandi = Mani, nome da criança + oca = casa, corpo28) que é considerada o “pão dos trópicos”; este mito vincula as mulheres diretamente com o mundo da produção e da reprodução, elementos fundamentais da resistência.

 

A mulher nova – os rituais que resistem

A festa da “Moça Nova” entre os Tikuna do Alto Solimões29, é a festa que conclui o ritual de iniciação feminina, a comunidade local tem um cuidado todo especial e gratuito com cada mulher nova. Após a primeira menstruação, a moça é recolhida num canto da casa. Durante o período de reclusão, a moça tikuna recebe de sua mãe e dos avós ensinamentos específicos para a sua vida de esposa e de adulta na aldeia. Após vários rituais, anciãs arrancam demoradamente os cabelos da moça para simbolicamente mostrar “a morte da personalidade imatura e o nascimento de uma pessoa nova, com plena maturidade social”. A sociedade indígena sabe “perder” tempo com o crescimento de seus jovens. O banho ritual da iniciação xavante, com as cerimônias conexas, se estende por um mês ou mais. Cada menina-mulher recebe esta atenção, este cuidado de corpo, este ritual comunitário de invenção do corpo feminino.

Tatati e as mulheres na Terra sem Males

Os Guarani Mbya do Espírito Santo vieram em migração do Rio Grande do Sul a partir da década de 40 do século passado e chegaram por volta dos anos 6030. A migração foi liderada por uma mulher, a líder xamânica dos guarani, Tatati (no Brasil, era chamada de Maria e no Paraguai de Candelária).

A busca da Terra sem Mal realizada pelos Guarani remonta épocas anteriores à chegada dos europeus na América31. Na época da colonização a crença dos índios nesse mito alimentou a resistência indígena à colonização e à conversão religiosa ao cristianismo32.

A liderança de Tatati ainda se mantém nas funções e comportamentos das mulheres Mbya, como o riso, o silêncio, que têm o papel de revelar as regras da vida em sociedade, reforçando seu cumprimento ou criticando.

O mito da Terra sem Males é vivenciado no cotidiano dos Guarani Mbya. Em agosto, há o ritual do batismo do milho: alimento sagrado para os Guarani33. Há também uma época específica para que as crianças recebam seus nomes. Cada nome representa uma função social a ser desempenhada na aldeia. O nome dos homens varia de acordo com a posição do sol (Kwaray) ao poente (Tupã). O nome das mulheres relaciona-se a fertilidade e a harmonia da aldeia.

2- Vive dentro de mim as mulheres do povo: negras e camponesas

De 1530 a 1888, a sociedade brasileira se organizava a partir do modo de produção escravista colonial, apoiado na exploração da mão-de-obra escravizada nativa, num primeiro momento, mas principalmente africana na maior parte deste período. A necessidade da plantação escravista voltada para o comércio internacional34 levou à apropriação latifundiária da terra exercendo uma pressão destrutiva nas formas de vida camponesa-nativas e condicionando a relação com a terra dos/as milhões de trabalhadores/as africanos/as.

Os africanos escravizados eram mais comumente camponeses aldeões que perdiam a liberdade devido à violência pura ou a motivos políticos e econômicos. Em geral, as mulheres eram retidas como esposas na África e os homens vendidos nos entrepostos europeus da costa. Na África banto, grande celeiro de cativos americanos, o trabalho agrícola era tarefa feminina, como nas sociedades tupi-guaranis. 35

Durante o período da escravidão, chegaram ao Brasil mais de 3,6 milhões de africanos e africanas de diferentes nações. Desembarcaram na Bahia por volta de 1550 os primeiros grupos de mulheres africanas; eram de origem banto e procediam, em sua maioria dos reinos do Congo, Dongo e Benguela. Com seu importante patrimônio civilizatório, trouxeram tradições ancestrais que influenciaram a língua, os costumes, a alimentação, a medicina e a arte no Brasil; introduziram métodos agrícolas aperfeiçoados e vários produtos; e com seus valores coletivos marcaram a formação social brasileira. No final do século XVIII e início do século XIX chegaram muitos negros e negras daomeanos, nagôs e haúças, povos que foram os principais responsáveis pelos cultos africanos que predominaram no Brasil, em especial os valores da cultura iorubá, em que as mulheres ocupam liderança36.

Em uma sociedade em que o poder e a vontade dos homens eram mais do que imperativos e os desejos sexuais no casamento cerceados por regras morais e valores religiosos, era forte a prescrição de que a mulher branca devia ser e manter-se virtuosa e, ao mesmo tempo, a libido dos homens era estimulada. Para tanto, as mulheres negras, escravizadas, eram obrigadas a satisfazer as vontades dos senhores e seus filhos, havendo mesmo a crença de que poderiam se curar da sífilis tendo relações com negras jovens, fogosas e virgens.

Muitas mulheres negras, escravas de ganho, eram prostituídas para garantirem maior renda a seus senhores, fatos estes que deram origem ao mito (que persiste até hoje) da negra ultra-sexualizada, sedutora de todos. As escravas alimentaram ainda muitas gerações de crianças brancas, sendo, por diversas vezes, forçadas a abandonar seus próprios filhos em favor daqueles das sinhás, origem da imagem das mães pretas.

A partir da década de 70 em que uma nova onda do movimento feminista surgiu no Brasil com bastante força, surgiu também o movimento de mulheres negras, mulheres que buscaram recuperar a história de suas ancestrais, denunciar e superar as opressões vivenciadas. As mulheres negras passaram a se organizar como entidades próprias por sentirem necessidade de uma maior articulação entre as relações raciais e de gênero em suas análises e ações, buscando intensificar essas reflexões tanto no movimento negro quanto no movimento feminista.

Para um resgate da luta das mulheres negras nas lutas pela terra e na terra do Brasil será preciso também – como no caso das mulheres indígenas! – desconfiar do silêncio de livros e documentos, perceber os processos coletivos e suas dinâmicas de gênero social para tornar visível a luta e a memória das muitas negras.

2.1- A luta quilombola-

Durante o período colonial, de modo especial no século XVII, muitos escravos e escravas fugiam para regiões afastadas e de difícil acesso onde formaram comunidades camponesas (com centenas ou milhares de habitantes) que podiam ser chamadas quilombos ou mocambos.

 

Pelo conteúdo, o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos. Escravizados, revoltados, organizaram-se para fugir das senzalas e das plantações e ocuparam partes de territórios brasileiros não-povoados, geralmente de acesso difícil. Imitando o modelo africano, eles transformaram esses territórios em espécie de campos de iniciação à resistência, campos esses abertos a todos os oprimidos da sociedade (negros, índios e brancos), prefigurando um modelo de democracia plurirracial que o Brasil ainda está a buscar. 37

Uma das grandes dificuldades na resistência das comunidades de quilombo era o número pequeno de mulheres:

Era elevada a taxa de masculinidade dos quilombos. Os mocambeiros procuravam suprir a carência de mulheres com o seqüestro de mulheres cativas, libertas e livres 38.

As comunidades camponesas organizadas a partir de trabalhadores/as escravos/as fugidos/as eram ameaçadas pelas patrulhas de recuperação de fugitivos enviadas pelos senhores e pelo Estado. Estas patrulhas perseguiam, atacavam e destruíam os processos desenvolvidos inviabilizando uma reprodução pacífica das comunidades que eram igualmente ameaçadas pela expansão da fronteira agrícola. 

A economia quilombola assemelhava-se essencialmente à produção cabocla – coivara; rusticidade das ferramentas; inexistência da tração animal; subsistência; plantas de ciclo rápido; deslocamento das aldeias, etc. Ela não construía laços profundos com a terra ocupada. Os quilombolas protegiam suas liberdades, e não a terra que exploravam39

Houve muitos quilombos no Brasil. O mais importante foi o “Quilombo de Palmares”, instalado na Serra da Barriga, onde hoje é o estado de Alagoas. Durou mais de sessenta anos e chegou a contar com uma população de vinte mil habitantes, o que era bastante para a época.

Após várias investidas, relativamente infrutíferas contra a nação de Zumbi, o governador-geral40 contratou o experiente bandeirante Domingos Jorge Velho para conter e exterminar de vez a ameaça dos escravos fugitivos na região.

Neste sentido as mulheres mantiveram a importância que tinham nas culturas africanas nas experiências quilombolas, mesmo depois dos processos de exploração, violentação e submissão impostas pelo trabalho escravo.

Cada família – formada pela mulher e vários homens – recebia uma data de terra que deveria cultivar em proveito de todos. ”Entre eles tudo é de todos, e nada é de ninguém, pois os frutos do que plantam e colhem, ou fabricam nas suas tendas, são obrigados a depositar às mãos do conselho, que reparte a cada um quanto requer seu sustento.41

 

2.2 – As mulheres de Quilombo e a Árvore do Esquecimento

…antes de embarcarem para a América, eram obrigados pelos chefes tribais que os capturavam, a dar nove voltas na “Árvore do Esquecimento”, num ritual que buscava livrá-los da memória, e assim transformá-los em máquinas de trabalho resignadas com sua sorte e esquecidas de sua história.42

Dizem que a Árvore do Esquecimento ficava no porto de Goré, na África. Antes de embarcar no navio negreiro, homens e mulheres escravizados eram obrigados a dar voltas em redor desse símbolo muitas e muitas vezes. Dizia a tradição que as voltas ao redor da Àrvore daquele momento em diante apagavam da memória a verdadeira identidade e assim os/as homnes e mulheres escravizados se submeteriam com mais facilidade à escravidão

Nem precisa dizer que a intenção dos traficantes de escravos malogrou desde o início. Além dos levantes promovidos nos navios, das rebeliões nos engenhos e da resistência organizada nos quilombos, não foram poucas as africanas que abortaram para não parir um escravizado. 43

 

Aqualtune – Filha do Rei do Congo na África, comandou um exército no Congo, 10 mil guerreiros para defender o reino. Vendida como escrava para o Brasil fugiu e fundou com outros companheiros Palmares (1630 – 1694). Dizem que Zumbi era seu neto.

Obrigada a manter relações sexuais com um escravo, para fins de reprodução. Engravidada, foi vendida para um engenho de Porto Calvo, onde pela primeira vez teve notícias de Palmares. Já nos últimos meses de gravidez organizou sua fuga e a de alguns escravos para Palmares. Começa, então, ao lado de Ganga Zumba, seu filho a organização de um Estado negro, que abrangia povoados distintos confederados sob a direção suprema de um chefe. Dois de seus filhos, Ganga Zumba e Gana Zona tornaram-se chefes dos mocambos mais importantes do quilombo. Aqualtune também teve filhas, a mais velha, que se chamava Sabina.
A população negra agrupada no Quilombo dos Palmares resistiu por quase 1 século aos ataques brancos e as mulheres tinham aí um papel fundamental, que envolvia coragem, espírito de luta e de resistência aos colonizadores

Dandara outra das guerreiras de Palmares. Dandara viveu no séc XVII, mulher negra, guerreira do quilombo de Palmares, que no seu auge abrigou contando-se todos os mocambos pertencentes a Palmares 50 mil pessoas; foi mulher de Zumbi e mãe de seus três filhos. Auxiliou Zumbi com táticas e estratégias de guerra. Ela lutou em Palmares, onde, dizem, já haviam várias mulheres que jogavam Capoeira. Dandara além de participar de todas as lutas de Palmares, também chegou a questionar os termos de acordo de paz44 entre Ganga-Zumba e o governo português, ficando, juntamente com outros líderes, ao lado de Zumbi dos Palmares enquanto Ganga-Zumba partiu do Quilombo para terras no vale de Cucaú. Em seis de fevereiro de 1694, ela foi morta defendendo a Cerca Real dos Macacos da República dos Palmares.

Teresa de Quariterê ou Teresa de Benguela – era mulher de José Piolho, que chefiava o Quilombo do Piolho ou Quariterê, em Guaporé, Mato Grosso. Quando seu marido, José Piolho, morreu Teresa de Benguela assumiu o comando. Revela-se uma líder ainda mais implacável e obstinada. Valente e guerreira ela comandou uma comunidade de três mil pessoas, o quilombo cresceu tanto ao seu comando que agregou índios bolivianos e brasileiros, isto incomodou muito a Coroa, pois isto influenciaria a luta dos bolivianos e americanos(ingleses e espanhóis) para a passagem de mercadorias e internacionalização da Amazônia.

 

O quilombo do Piolho, conhecido também como quilombo do Quariterê (ou Quariteté, tendo por referência um outro nome do mesmo rio) foi, segundo os pesquisadores matogrossenses, o maior e mais significativo da região de Vila Bela (na Chapada e no vale do Guaporé), não só pela sua população mas também pela organização social e fartura das suas roças, tendo sido encontradas ali até mesmo duas tendas de ferreiro… A forma de governo adotada foi a realeza. Havia rei, mas à época da primeira destruição era governado por uma preta viúva, a Rainha Teresa [de Benguela], assistida por uma espécie de parlamentar, com capitãomor e conselheiro.

 

A Coroa age rápido contra o Quariterê e envia uma bandeira de alto poder de fogo para acabar com os quilombolas em 1770. Presa Teresa suicidou-se.45

Os quilombolas sofreram castigos cruéis em praça pública, expostos à curiosidade do povo, e foram marcados a ferro com a letra F, conforme determinação de alvará régio. Traumatizada pela ruína e aniquilamento de seu quilombo, num dos acessos de furor, expressão de revolta, a Rainha matou-se. O suicídio foi o gesto supremo de rebelião da Rainha à dominação dos brancos.46

 

Filipa Maria Aranha47 e muitas quilombolas liderou um Quilombo do Mola no Pará na margem do baixo Tocantins fundado na segunda metade do século XVIII, com uma comunidade de mais de 300 negras/os que viveram so ali por vários anos sem serem ‘ameaçados’ pelas forças legais. Maria Luiza Piriá48 foi sucessora dos saberes místicos e da liderança de Maria Felipa, organizando e chefiando rituais religiosos e administrando a própria vida dos quilombolas no uso comum da terra e da região. Maria Juvita foi mais uma dessas mulheres do Quilombo do Mola, no Tocantins. Ao migrar do Mola, organizou e liderou por muitos anos o povoado de Tomásia, e, após sua morte, suas descendentes a substituíram na liderança e chefia do povoado. As negras Leonor, Virgilina, Francisca, Maximiana e tantas outras, ao se embrenharem na mata, ajudaram a constituir o quilombo do Paxibal, no município de Baião.


Zeferina comandou o levante (em 1826) dos escravos que se organizaram no Quilombo do Urubu na Bahia, perto de Salvador. Os quilombolas trabalhavam na agricultura e costumavam negociar sua produção nas cidades na forma de comércio clandestino. Foram perseguidos pela estrutura dominante que provocaram sua destruição seguida de grande numero de prisioneiros quilombolas, dentre estes a escrava Zeferina49 que valentemente manejou o arco e a flecha, lutou com denodo antes de ser capturada. Amarrada e exibida pelas ruas da cidade, Zeferina não abaixou a cabeça.

Luísa Mahim – Escrava liberta em 1812, pertencia à nação nagô-jejê, da Tribo de Mahi, religião Muçulmana, africanos conhecidos como Malês. Todas as revoltas e levantes escravos que abalaram a Bahia nas primeiras décadas do século XIX foram articulados por ela, em sua casa, que tornou-se quartel – general destes levantes.

Luísa50 era quituteira e passava mensagens escritas em árabe para outros rebeldes, através de meninos que fingiam comprar produtos em seu tabuleiro de vendas e levarem os bilhetes aos outros articuladores. Foi uma das articuladoras da Revolta dos Malês em 1835. Ficou conhecida pela valentia e insubmissão. Foi articuladora também da Sabinada em 1837/38. Descoberta é perseguida e consegue fugir para o Rio de Janeiro onde foi encontrada, presa e degredada para a África, Angola. No entanto, nenhum documento foi encontrado lá em Angola, comprovando seu degredo.

No entanto, nenhum documento foi encontrado lá em Angola, comprovando seu degredo. Acredita-se que ela tenha fugido e instalado-se no Maranhão, onde depois o tambor de crioula foi desenvolvido e parece que houve sua ajuda para tal.

 

Mariana Crioula

Vivia na região da Vila de Vassouras, no Vale do Paraíba – Rio de janeiro. Era Mucama e costureira de uma senhora das fazendas de café da região.Casada com um escravo que trabalhava na lavoura, Mariana vivia na casa-grande. Em 5 de novembro de 1838 aconteceu a maior fuga de escravos da história fluminense, e principalmente organizada por escravos/as da fazenda Maravilha. Mariana juntou-se aos fugitivos assumindo logo a direção do grupo, no qual ficou conhecida como a rainha do quilombo, fazendo par com Manuel Congo, o rei.

O quilombo foi organizado na região do entorno da serra da Mantiqueira até serem atacados por tropas comandadas da Guarda Nacional. Nos autos da época foi destacado que a negra Mariana, de 30 anos estava a frente dos revoltosos, resistindo ao cerco da polícia sob os gritos de “Morrer Sim, entregar não!

No dia 12 de novembro de 1839, Mariana Crioula e Manuel Congo foram feitos prisioneiros, juntamente com outros líderes da revolta e o grupo se dispersou. No julgamento do grupo Mariana Crioula mesmo sendo indicada como rainha do Quilombo dissimulou sua liderança política e conseguiu escapar da sentença de morte – ao contrário de Manuel do Congo que foi enforcado. 51 Ela e os demais prisioneiros foram condenados

“a 650 açoites a cada um, dados a 50 por dia, na forma da lei” e, além disso, foram condenados a andar “três anos com gonzo de ferro ao pescoço”.52

Ana do Ceará

Liderou uma revolta de escravos ocorrida em uma fazenda no interior do Ceará, no ano de 1835 contra os violentos castigos impostos a uma velha escrava que cuidava dos enfermos. Ana, fingindo submissão aos capangas da fazenda onde era escrava, facilitou a entrada dos escravos rebelados à casa grande, tomando-a de assalto, mataram todos os que estavam na casa, e atearam fogo a propriedade, situada na serra do Ibiapaba, no Ceará. Liderados por Ana, libertaram da cadeia do lugar o senhor Jerônimo Cabaceira, proprietário de um sítio na região, preso por ter se recusado a vender suas terras ao proprietário dos escravos revoltados. 53

Maria, da nação nagô54 luterana

Maria nasceu na África por volta de 1825 e fora trazida ao Brasil em 1846, ocasião em que o pastor Voges a adquirira na comunidade luterana de Três Forquilhas, RS conforme era o costume também de vários outros colonos da época que possuíam escravos (apesar de ser contra o regulamento das colônias!).

Grande parte dos/as escravos/as da comunidade foram comprados para o trabalho de construção do novo templo luterano, feito de pedra talhada. Junto com os trabalhadores para a construção o pastor adquiriu com o propósito de aliviar a pesada carga de tarefas que repousava sobre a sua esposa, Elisabetha. Outros escravos eram utilizados no trabalho do plantio e do engenho de cana-de-açúcar do local.

A partir de 1860 a nagra Maria pede permissão para reunir os/as negros do lugar no “Pátio do Engenho” do pastor Voges que passará a ser o local de reuniões para orientação os afro-descendentes da Colônia. Ela estava interessada na sua própria história, língua e costumes. Ela desejava ensinar essas raízes e esses costumes dos ancestrais aos seus filhos e a outras negras.

Os afro-descendentes passariam a chamá-la de “Mãe Maria”, em sinal de submissão e respeito Nas reuniões, ela não contava apenas histórias. Ela fazia questão de cantar e de ensinar passos de dança, do costume nagô. Os afro-descendentes reuniram-se com certa regularidade no “Pátio do Engenho”, sob a liderança de Mãe Maria, até que sobreveio a Revolução Federalista (1893), que afetaria a vida de toda a população com a morte de mais de dez mil vidas no Rio Grande do Sul e o mito da unidade de toda população “sulina” desencorajando pertenças étnicas.

 

 

 

2a. parte – Mulheres Presentes… na Luta Permanente!

a participação das mulheres nas lutas camponesas brasileiras

 

A terra sempre foi disputada palmo a palmo no processo de dominação do Brasil. Por volta de 1800 a violência sistemática contra as comunidades indígenas e negras a partir da escravidão e da exploração arrancava das mulheres e homens os meios de produção e destruía os modos de vida e trabalho; esta violência foi se institucionalizando, se estruturando na forma jurídica da propriedade da terra baseada na grilagem, falsificação de documentos, corrupção e suborno e diversos processos de expulsão e violência contra comunidades residentes. Estas “leis” transformavam todas as trabalhadoras e trabalhadores em sem-terras forçadas/os ao assalariamento ou ao abandono do campo.

Este processo vai marcar este período até hoje por grandes processos de lutas camponesas de resistência contra o avanço do modelo explorador do capitalismo brasileiro. São histórias que ainda não foram bem contadas, nem bem estudadas: são histórias da resistência das mulheres e homens mais pobres na defesa da terra, da água e da floresta. São histórias de fé e de andanças, de profecias e guerrilhas, de vitórias e derrotas… muitas derrotas. Mas são também histórias masculinas, extremamente masculinas… mesmo quando não deveriam ser!

O pouco que se sabe sobre estas lutas camponesas são datas de massacres e nomes de líderes, datas de enfrentamentos com o exército e nomes dos coronéis que ordenavam o massacre. Sabemos os belos nomes dos acampamentos, dos assentamentos, dos novos lugares para onde acorriam as camponesas e os camponeses para viver e para lutar. Mas sobre as mulheres o que se sabe é que elas estavam lá! Definitivamente! Eram lutas comunitárias, eram lutas de re-invenção da sociedade e lutas que deslocavam comunidades, famílias inteiras para novos territórios “libertados”, organizados a partir da nova esperança. Haviam mulheresm homens e crianças, jovens e velhos, velhas. Animais.

As mulheres estavam lá. Os poucos olhares historiográficos sobre estes movimentos não retrataram de modo digno os homens (chamados de “loucos”, “selvagens”, “ignorantes”, “brutos”, “incivilizados”) e as mulheres não foram vistas! Quando era impossível não vê-las elas também foram tratadas como “loucas” e “histéricas”. Outros relatos contam dos casos de estupro e abuso da soldadesca contra as mulheres e crianças no final dos episódios de derrota dos movimentos.

Seria preciso então re-construir o dia-a-dia de vida desses movimentos camponeses de luta e resistência, perguntar por suas formas de organização e de circulação de poderes, os modos de produção e reprodução da vida material e simbólica que mantiveram estas comunidades camponesas coesas e com capacidade de enfrentamento. A re-construção das relações sociais de gênero no âmbito dessas experiências ainda não é uma tarefa possível pela dificuldade das fontes e pelo reduzido interesse desse campo da história.

Seria possível situar estas relações por dentro das tradicionais relações sociais de gênero do campesinato resguardando características regionais e mantendo as tarefas e os papéis culturalmente atribuídos; mas também seria possível supor que o deslocamento geográfico e políticos, a matriz messiânica-carismática de muitos desses movimentos pudesse ter deslocado também os atributos de gênero redefinindo culturalmente alguns significados e modelos.

Não são idéias que alteram e mudam as relações de poder mas na vivência do conflito, da luta de classes as mulheres se apropriam também dos instrumentos políticos e econômicos de enfrentamento da subordinação patriarcal. As situações de conflito e de revolta flexibilizam os modelos e papéis familiares exigindo de mulheres e homens novas atribuições; a situação de conflito prolongado exige que também as mulheres assumam tarefas econômicas na comunidade até então atribuídas aos homens, exige que elas participem das formas de organização da defesa “militar” da comunidade, que “substituam” os homens em situação de risco ou clandestinidade.

Esta visão da participação das mulheres como “sombra” da liderança masculina não considera concretamente as relações sociais de poder e gênero focalizando as ações da resistência camponesa a partir dos eixos clássicos da “guerra” , do enfrentamento direto e suas lideranças, deixando escapar a análise e a compreensão do metabolismo social e cotidiano das formas de resistência do campesinato, da reprodução do modo de vida camponês e sua capacidade de revolta ao longo da história do Brasil.

Entender as revoltas e resistências camponesas não como episódios isolados mas como capacidade continuada e orgânica de reprodução de um modo de vida exige perceber o protagonismo de mulheres e homens, da família/comunidade camponesa como expressão da classe trabalhadora.

Na falta de informações mais conclusivas podemos recolher alguns indícios a partir de alguns relatos de protagonismos de mulheres nestas revoltas camponesas acreditando que o caráter exemplar e mítico dessas “heroínas” pode indicar a participação ativa de mulheres não só na reprodução da vida cotidiana dos processos de luta com os homens, mas também na condução política e da luta.

 

1) CABANAGEM – e as mulheres das cabanas?

A Independência do Brasil não significou mudanças significativas nem modificou as condições de escravidão em que vivia e trabalhava a maior parte da população da região de Belém, no Pará. Eram comunidades indígenas sem suas tribos – os tapuios – comunidades negras escravas e mestiças e as aldeias indígenas ao longo do rio Amazonas.

Apesar de não ficar alheia aos movimentos políticos nacionais, a política na região se caracterizou como conservadora, a despeito dos vários conflitos locais ocorridos, entre forças nativas e forças ligadas à Metrópole, incluindo o Movimento da Cabanagem que teve grande participação popular, até absorvendo as forças de mulheres e crianças.55

Viviam nas periferias de Belém aos milhares, morando em cabanas à beira dos rios – por isso eram chamados de “cabanos”. Eram usados no trabalho da extração de madeira e espécies da floresta em regime de semi-escravidão. Com a Independência do Brasil em 1822 a população extrativista em situação miserável se entusiasmou com os ideais libertárias. Mas nada aconteceu.

O que queriam com a revolta das “cabanas”? queriam reorganizar seus modos de vida tradicionais, queriam se livrar da integração compulsória aos interesses econômicos do Poder Central na região, queriam manter sua relação de trabalho e vida com a floresta e rio sem a imposição da miséria.

Em 1833 a grande revolta popular dos Cabanos reúne todo o descontentamento com a política colonial, mas principalmente expressa a revolta das comunidades extrativistas “cabanas” que vão ser a principal força nesta luta que durou até 1840 quando o Governo Central esmagou violentamente cerca de 30% da província do Grão-Pará. Não havia como identificar os “cabanos”. Eram todas as comunidades de índios, negros e mestiços. Por isso todas foram dizimadas.

Fugindo da perseguição e das torturas muitas comunidades indígenas e negras se aventuraram pelo interior da região sendo perseguidos e tendo que criar estratégias de sobrevivência e resistência que têm reflexo até o dia de hoje:

Convém destacar que o povo Karipuna que vive na região do Oiapoque, ao norte do Amapá, é remanescente cabano, vindo do baixo Amazonas, de Bragança e Abaetuba. Provavelmente eram tapuios que para lá fugiram, pois falavam o nheengatu, a língua geral tupi. Hoje são cerca de setecentas pessoas que falam o creol, língua que agrega elementos do francês, de línguas indígenas e africanas56.

As mulheres Karipuna são remanescentes da luta das cabanas! Elas também estavam lá!

Os Mura, que viviam no médio Amazonas, sempre foram discriminados e perseguidos pelo poder colonial, que os acusava de viver de pirataria nos rios. Eles participaram ativamente ao lado dos cabanos e foram responsáveis pela morte de Ambrósio Ayres, o Bararoá, um dos líderes mais violentos das forças oficiais. Pagaram um preço alto por esta ousadia. De 50 mil que eram em 1826, quinze anos depois estavam reduzidos a 6 mil. Hoje são em torno de 1.400 pessoas.

As mulheres Mura são remanescentes da luta das cabanas! Elas também estavam lá!

Vinheram prá cá corridos no tempo da cabanagem. Tudo isso por aqui era índio que vivia e a prova é que em todas essa terra preta por aí você encontrava figura de índio; daí eles pegaram de veras e vieram entrando, aí os índios também foram se afastando, foram carregando aí prá cima e eles vieram entrando e ficando. Além de Margarida, tinha a velha Emília, velha Brígida, velha Liôncia, velha Tomázia, isso tudo era dos tempos antigos, a velha Cirila também era desse tempo da Cabanagem57.

As mulheres do Mocambo do Trombetas são remanescentes da luta das cabanas! Elas estiveram lá! Margarida, Emília, Liôncia, Tomázia, Cirila eram da Cabangem…

 

2) Jacobina O Massacre dos Muckers,

Entre 1872 e 1876 no Rio Grande do Sul um grupo de colonos descendentes de alemães, insatisfeitos com o crescente processo de concentração da propriedade da terra e a espoliação dos comerciantes da região, liderados por Jacobina Mentez Maurer58 (que se dizia o Cristo Feminino) e inspirados na Bíblia, forma uma comunidade fechada em Sapiranga (RS).

…a rebeldia e até seu revolucionarismo deveram-se às modificações estruturais, econômicas e sociais, porque passavam as colônias alemãs depois do término da Guerra do Paraguai, quando transitaram de uma comunidade igualitária para outra assentada na diferenciação de classes.59

Os muckers aboliram a propriedade privada e implantando a autogestão econômica. Não circulava dinheiro entre eles e o trabalho era realizado de forma associativa com refeições em comum. Redefiniram as regras do convívio social.  Os casamentos foram desfeitos e re-feitos sob a benção de Jacobina, tendo ela mesma trocado de marido sendo acusada na época de defensora do amor-livre e contra a família.

Esta experiência provoca uma reação positiva em outras famílias camponesas descontentes que se organizam ao redor de Jacobina (chamada mucker , “beata”) e uma violenta reação da oligarquia gaúcha, que mobiliza tropas do Exército, da Guarda Nacional e grupos civis, num total de 800 homens armados, que praticam um verdadeiro massacre, destruindo a comunidade dos Muckers e matando cerca de 100 pessoas.

Diferente das outras formas de resistência religiosa do catolicismo popular camponês, o movimento dos muckers precisa ser entendido por dentro das trajetórias do campesinato de imigração no sul do Brasil e sua movimentação por dentro da luta de classes e das relações sociais de gênero que se estabelecem a partir do conflito.

3) CANUDOS – mulheres do Belo Monte

As mulheres de Canudos

Guerreiam com água quente.

Os meninos com pedradas

Fazem voltar muita gente.”

(www.e-net.com.br/historia)

 

Este canto popular repetido pelo nordeste faz a memória da participação ativa e guerreira das mulheres na revolta de Canudos, a luta das comunidades camponesas da Bahia contra os coronéis e os latifundiários. O descontentamento e a revolta foi sendo organizada pelas tradições religiosas e camponesas dos pobres do sertão e lideradas por Antônio Conselheiro. Em 1893 ocuparam a fazenda Canudos – que passou a se chamar Belo Monte – e organizaram a partir dali a sua resistência camponesa.

A organização econômica se realizava por meio do trabalho cooperado, o que foi essencial para a reprodução da comunidade. Todos tinham direito à terra e desenvolviam a produção familiar, garantindo um fundo comum para uma parcela da população, especialmente os velhos e desvalidos, que não tinham como subsistir dignamente.60

 

 

O povo do Belo Monte – ao redor de 12 mil pessoas – foi ferozmente combatido pelo exército brasileiro até 1897 conseguindo impor derrotas importantes aos militares até o cerco final e definitivo.

 

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo… caiu no dia 5 de outubro de 1896, ao entardecer, quando caíram os seus

últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.61

 

As mulheres do Belo Monte foram participantes ativas de todo o processo de luta e de resistência. Mesmo considerando que os papéis tradicionais da família e da cultura camponesa do sertão baiano continuaram garantindo a liderança masculina, o processo de luta colocou as companheira numa situação de igualdade de compromisso e responsabilidade.

Ato de bravura comum para a época, se pensarmos que 40 anos antes, as mulheres, em Canudos, adentravam com filhos no colo em casas ardendo em chamas da guerra e da destruição, conforme depoimento de Euclides da Cunha.62

 

Ainda hoje a memória do Belo Monte está presente na capacidade de luta das mulheres camponesas nordestinas. A experiência revolucionária de Canudos contribuiu para a formação de mulheres com capacidade de lideranças política, organização e enfrentamento que marcam até hoje as lutas camponesas no Brasil.

“Eu tenho orgulho de ser filha de Canudos! Tenho orgulho, mesmo! Me sinto feliz com essa palavra: Canudos não se rendeu ! Morreram todos, mas não se renderam!…
D. Zefinha.

Algumas mulheres lá em Canudos eram terríveis! Brigavam na trincheira, mulheres brigando a bem do Conselheiro!”
Ioiô da Professora.63

Ao igual que outros exércitos populares, a grande aptidão bélica dos conselheiristas não se devia às fantasmagóricas armas moderníssimas que se pretendeu possuírem, ou seja, à capacidade dos sertanejos de matar, mas sim as suas disposições de morrerem em defesa do mundo que haviam criado.64

4) O Cangaço – Maria Bonita é camponesa?

A origem do Cangaço é o latifúndio.

A necessidade de manter a posse da terra, de ter a terra, fez com que esses donos de terra mantivessem exércitos para lutar contra os índios, lutar contra os pobres, os posseiros, e depois também houve a necessidade de manter esses exércitos, grupos de capangas, de bandidos, etc… para manter a própria mão-de-obra, ou seja, para manter o escravo, prisioneiro, para evitar ou lutar contra a rebeldia do negro escravo.65

Esta expressão histórica da luta camponesa do nordeste (1900- 1938) que se mostra de modo mais evidente na conhecida trajetória de Lampião e Maria Bonita mas é cercada por muitos mitos e contradições.

O cangaço foi uma forma de organização de camponeses rebeldes que atacavam fazendas e vilas. Os grupos eram formados, principalmente, por camponeses em luta pela terra., expulsos de suas terras pelos coronéis. Os cangaceiros replicavam, vingando-se em uma ou mais pessoas da família do fazendeiro. Os diferentes grupos

cangaceiros desenvolviam suas ações por meio de saques nas fazendas e nas casa comerciais. Essa forma de banditismo colocava em questão o próprio poder do coronelismo.66

A presença e participação das mulheres se dá nas lutas de classes, também naquelas que não conseguem um potencial de organização e consciência capaz de conduzir as classes trabalhadoras para seus objetivos de emancipação.

O cangaço nordestino é plenamente marcado por essa ambigüidade, por essas contradições: expressavam a revolta camponesa contra o latifúndio, mas podiam ser também manipulados pelos interesses do latifúndio (Lampião foi “contratado” para combater a coluna Prestes!).

A fixação na pessoa de Maria Bonita – mulher de Lampião – e Dada – mulher de Corisco – entre os cangaceiros não reflete a dinâmica complexa das relações de gênero que marcaram este período da história nordestina:

As mulheres entravam nos bandos de cangaço por vontade própria; os casos de rapto eram poucos e não representativos. A partir de 1928 as mulheres são plenamente integradas aos bandos sem nenhuma função específica (cozinhar, costurar, limpar…). Existiam os grupos designados para as tarefas e as mulheres se encaixavam nesta divisão.

A costura era assumida por alguns artesão que tinham sob sua responsabilidade as obras de artesanato que vestia o grupo. As mulheres não carregavam punhal ou fuzil, somente pistolas automáticas. Elas eram jovens e tiveram filhos e filhas durante o período de Cangaço muitas vezes em processo de perseguição. As mulheres entre si faziam os partos.

Os relatos atestam que a infidelidade sexual-afetiva era considerada como erro fatal e a vingança ocorria dentro dos valore do machismo mais grosseiro.

Marcado por estas contradições o Cangaço mesmo não sendo considerado um movimento popular camponês da história brasileira apresenta elementos importantes para a consideração da luta de classes e a participação plena das mulheres. A situação de marginalidade total em que o bando se colocava suspendia as normas de funcionamento da família em nome do funcionamento eficiente da vida do bando redefinindo o papel das mulheres ficando a sexualidade como um reduto mais sedimentado e difícil de ser deslocado.

Os equívocos políticos e estratégicos que acompanharam a história de homens e mulheres no Cangaço deve ser motivo de reflexão e aprendizado para que o pleno desenvolvimento do potencial revolucionário e organizativo de camponesas e camponeses e para que a violência das classes dominantes não manipulem lideranças e ações de luta para seus interesses.

Se o Cangaço servia tanto às classes dominantes, por que ele foi liquidado, por que se tratou de liquidar o Cangaço? Porque, a partir de determinado momento, quando as condições sociais, econômicas, de incipiente industrialização, de progresso, enfim, de novas estradas, de novas relações econômicas, sociais surgem no Nordeste, o Cangaço já não é mais conveniente para as classes dominantes.67

Qual a herança que a história do cangaço deixa para a luta das camponesas e dos camponeses?

Onde andas Lampião ? Onde estás Maria Bonita?Ainda sois cangaceiros ?Deixastes rastros de história, tu que eras mestre nos rastros da enganação. Deixastes restos de memória, tu que vivestes tempos de solidão.Talvez numa fazenda, talvez numa paz longíqua, talvez manter-se guerreiro. Talvez vingativos, em dívidas de sangue, em raivas históricasde injustiças infindas. Talvez numa mulher daquelas brejeiras com a coragem de Maria. Com a vontade de Dadá, com a presteza de Nenê, com a garra de Moça E o ímpeto de Inacinha…Não acordastes Lampião para acordar Maria Bonita. Hoje dormes inquieto E teu povo medroso enfrenta Outros bandos centrais. Tu e teus cangaceiros eram apenas marginais. O rio São Francisco te viu passar.68

 

5) A Guerra do Contestado – virgens e guerreiras

Entre 1912 e 1916 aconteceu um conflito armado entre a população cabocla e os poderes do estado e da federação numa região pretendida (“contestada”) pelos estados do Paraná e Santa Catarina e também pela Argentina.

As terras contestadas pelo Paraná e por Santa Catarina povoam-se com o mameluco, mescla do tropeiro luso-castelhano com o índio. O novo homem típico do Planalto, também conhecido como caboclo, trabalha na condução das tropas, o tropeiro, ou na fazenda, o peão. Vivendo em liberdade no isolado sertão de pinhais e de pastagens, esse novo tipo de morador, o caboclo, ali fixa o seu habitat e tira da mata os meios de subsistência para a família.

O conflito de fundo é o processo de expulsão da terra da população cabocla por parte de empresas contratadas pelos governos para a construção da estrada de ferro e para a exploração dos ricos recursos de floresta da região (erva-mate e madeira). A empresa norte-americana responsável pela estrada de ferro também ganhou o direito de explorar 15 quilômetros de cada lado da ferrovia, desapropriando estas terras e concedendo o direito de explorar e comercializar a madeira da região e até mesmo revender as terras para outras empresas estrangeiras.

Muitas das famílias camponesas que perderam suas terras foram empregadas na construção da estrada de ferro mas, com o término das obras ficaram totalmente sem perspectivas e sem condições de retomar seu modo de vida camponês. Muitos outros trabalhadores eram migrantes de outras regiões e foram abandonados na região sem condições de voltarem para suas localidades gerando um grande descontentamento. Também pequenos proprietários se juntaram ao grupo por se sentirem ameaçados pelas políticas das empresas na região.

Os caboclos não estavam preocupados com os limites do PR e SC, devido a uma região contestada, mas queriam viver com justiça. No bilhete de um caboclo estava escrito: “Nós tratava de nossas devoções e nem matava e nem roubava, mas veio o governo da República e tocou os filho brasilêro dos terrenos que pertencia à Nação e vendeu tudo para os estrangeiro. Nóis agora estamos disposto a fazer prevalecer nossos dereitos…”69

A situação de pobreza generalizada e perda absoluta do modo de vida camponês criou as condições para o surgimento de um movimento de revolta marcadamente com conteúdos religiosos. A religião popular sob a liderança do monge José Maria ofereceu às comunidades camponesas e desempregadas os elementos de resistência e de luta contra os governos, as empresas dando forma política e religiosa para a insatisfação popular na forma de organização de comunidades. Era uma religião messiânica que pregava o fim dos tempos e a vitória final dos justos contra os opressores e por isso ninguém deveria temer a morte.

A vida comunitária acontecia marcada por romarias e procissões70; a vida econômica do grupo estabelecia que tudo pertencia a todos e o comércio foi abolido; as funções para o funcionamento do grupo eram assumidas por grupos de famílias ou pessoas que respondiam diretamente à assembléia.

O primeiro ato praticado pelos revoltosos era a queima dos cartórios, em protesto contra as escrituras que davam a outros as terras deles roubadas. Simbolizava também a negação da necessidade de qualquer documento na nova comunidade.

A presença e a participação das mulheres era total nesse processo. Famílias e comunidades inteiras se comprometiam com a organização das comunidades e a retomada das terras; quando vieram as tropas governamentais para a contenção dos revoltosos as mulheres estavam presentes em todas as formas de luta, também no enfrentamento militar. Marcadas pelos conteúdos religiosos contraditórios as mulheres virgens tinham um papel importante na simbólica de liderança e sacrifício diante do grupo.

De um contingente de 20 mil pessoas com disposição para o enfrentamento militar, 8 mil eram mulheres preparadas militar e religiosamente para o combate.

  As necessárias posições de liderança para a ordem dentro do reduto ou para o êxito no momento do entrevero com as forças militares eram conquistadas no dia-a-dia da vida em comum. Líder, para o caboclo, é quem apresenta determinadas destrezas como rezar, benzer, atirar, organizar estratégias militares para a defesa e para o ataque.“Nos jagunços, não havia pai por filho, nem mulher por marido”, segundo as palavras de Maria Alves Moreira, acampada no Caraguatá.71

Com a morte do líder monge uma mulher assumiu a liderança da condução do processo de organização e da guerra: Maria Rosa. Com 15 anos Maria Rosa assumiu tarefas de liderança no Movimento do Contestado passando a exercer também a liderança mística da revolta. Ela conduziu batalhas liderando 6000 revoltosos – homens e mulheres e conseguindo impor derrotas aos exércitos governamentais. O cerco da repressão governamental aumentou: o primeiro uso militar do avião no Brasil aconteceu na Guerra do Contestado.

“os matutos só aceitam o combate em certas condições, em vai-e-vens, avanços e recuos, esgueirando-se nas dobras das selvas, contornando rincões, (…) mas fugindo sempre – e na fuga levando de vencida os soldados que se esfalfavam em terreno adverso… são exímios transformadores em defesa natural dos acidentes do solo… (…) preferem combater a tiro durante a noite, do alto dos pinheiros.”72

Ela morreu em combate no dia 28 de março de 1915 às margens do Rio Caçador.

Em 5 de Abril, depois do grande assalto a Santa Maria, o general Estillac registra que “tudo foi destruído, subindo o número de habitações destruídas a 5000 (…) as mulheres que se bateram como homens foram mortas em combate (…) o número de jagunços mortos eleva-se a 600. Os redutos de Caçador e de Santa Maria estão extintos. Não posso garantir que todos os bandidos que infestam o Contestado tenham desaparecido, mas a missão confiada ao exercito está cumprida”. 73

O aspecto religioso e messiânico das revoltas camponesas na história do Brasil tem servido como motivo para uma leitura de caráter mágico, extravagante e irrelevante desses movimentos. De modo especial as ambigüidades que cercam a participação das mulheres nesses movimentos como do Contestado tem deixado de visualizar as potencialidades organizativas e emancipatórias das formas tradicionais da cultura camponesa fazendo uma avaliação crítica a partir de elementos organizativos não pertencentes ao modo de vida camponês e seu repertório de revolta e resistência.

De modo especial no caso das mulheres esta ambigüidade deve ser estudada e avaliada como elemento vital para o empoderamento das lutas camponesas e o real protagonismo das mulheres e homens da terra.

6) O Caldeirão e Pau-de-Colher: lugar de mulher!

Organizados ao redor do beato José Lourenço, seguidor do Padre Cícero, diversas famílias se organizaram na região do Crato e com o trabalho comum, fizeram a terra prosperar de modo comunitário atraindo cada vez maior número de fiéis para a vida comunitária e o ódio dos fazendeiros da região. As comunidades de Caldeirão e Pau de Colher, nos anos de 1930, envolviam sertanejos principalmente do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia.

As elites do local não toleravam mais nenhum tipo de movimento messiânico o que levou à perseguição e prisão do beato e a dispersão das famílias. Ao sair da prisão, o beato Lourenço teve que deixar a região mas, em 1926, o padre Cícero consentiu que seus seguidores se fixassem em outro sítio conhecido como Caldeirão, também próximo à cidade do Crato. Apesar da região difícil, com o trabalho organizado das famílias camponesas, a região se tornou produtiva na agricultura e pequenos animais e se desenvolveu com mais de 500 núcleos familiares. Isto começou a atrair romeiros e outro beato que percorria os sertões, Severino Tavares, exortava o povo para que seguisse ao Caldeirão – terra da fartura e da promissão. Durante a terrível seca de 1932, o beato José Lourenço chegou a alimentar, além de seu povo, um grande número de flagelados.74

Maria de Maio nasceu no Caldeirão, conta:

Eu vivia lá. Ia gente que o Padrim Cícero sempre mandava. Gente pra trabalhar lá. Quando chegava em Juazeiro umas pessoas, que não tinha trabalho, ia trabalhar lá”. 75

Com a morte do Padre Cícero setores da igreja católica quiseram retomar o terreno ocupado pela comunidade do Caldeirão sem nenhuma forma de negociação ou indenização considerando as benfeitorias e todo o trabalho feito pelas famílias camponesas na região. Nenhuma negociação foi possível nem compra. A igreja e as elites retomaram o processo de difamação do Caldeirão de modo especial acusando o beato pela vida comum com as muitas mulheres que viviam na comunidade, mulheres sem marido que haviam encontrado seu lugar na comunidade. Outra acusação era de que o Caldeirão recebia armas do exterior.

A comunidade do Caldeirão não aceitou sair e organizou sua resistência. A intervenção armada aconteceu em 11 de setembro de 1936 e o beato Lourenço e seus seguidores refugiaram-se na serra do Araripe. O sítio foi destruído, saqueado e vendido em leilão público – sob as vistas das mulheres, crianças e velhos que não fugiram das tropas.

As famílias camponesas se reorganizaram então a partir da serra do Araripe e do sítio do Pau-de-Colher. Atraídos pela água e pelos ensinamentos dos beatos o Pau de Colher passou a ser um lugar onde se reuniam necessitados, flagelados e famílias de pequenos posseiros.

 

Estas três experiências camponesas (Caldeirão, Serra do Araripe e Pau de Colher) são formas de lutas contra o latifúndio, onde alguns poucos controlam os meios de produção, são donas dos recursos naturais. “O fanatismo que os animava (os camponeses) era revolucionário e alimentava a esperança de mudanças para um mundo melhor. O ódio contra as classes dominantes, o entusiasmo na vida comunitária, levaram todos eles a deflagrarem um fluxo de atividade econômica, usando meios de produção revolucionários para a época.

 

O crescimento significativo dos assentamentos camponeses e a capacidade de organização da produção e da reprodução da vida comunitária vai desafiar a política de controle dos governos estaduais e central fazendo com que o governo da Bahia peça ajuda aos estados do Ceará e Pernambuco para destruir as comunidades articulando os donos das terras, igreja, polícia e governo. O Presidente da República, Getúlio Vargas exigiu que se exterminasse o movimento radicalmente!

Na batalha final o Ministério da Guerra utilizou três aviões para o bombardeio aéreo, incendiou as casas e os locais comunitários, promoveu saques dos produtos e equipamentos existentes no local. As mulheres e homens enfrentaram os homens do Exército armados de fuzis com luta corporal usando facões, ferrões e cacetes. Crianças e velhos foram espancados, os prisioneiros/as foram executados/as (300 fuzilamentos). No final foram setecentos camponeses mortos. Não há notícia de baixa entre as forças militares.

Hoje em dia existem somente três peças que fazem a memória do povo do Caldeirão e Colher-de-Pau: a bandeira da comunidade, três fotografias publicadas em jornal da época e uma espingarda não muito usada. O depoimento de uma das únicas sobreviventes desapareceu do Museu Histórico do Ceará. Dizia assim:

 

Eu num sei o que foi de fizeram esta perseguição, porque agente num tava matando, num tava roubando, num tava fazendo mal. Tava trabalhando e rezando. Ai, por isso fomos perseguido e sentenciado à morte, ninguém sabe, quem é Deus, né! O que tenho a dizer é isto… tava no Caldeirão cantando e rezando e tão feliz, trabalhando e comendo. Sem ninguém precisar pedir nada pra ninguém, porque tudo tinha, nada faltava, tudo era comum. O que era de um era de todos e ai quando dava fé uma perseguição”.76

7) as camponesas estavam nas Ligas Camponesas?

A partir de 1945 comunidades camponesas em Pernambuco se organizam na forma de ligas e associações rurais sob influência do Partido Comunista Brasileiro77. As motivações assistencialistas iniciais logo foram abandonadas por conta dos conflitos surgidos com os senhores de engenhos e latifundiários da região preocupados com o caráter associativo das ligas. Em 1948 com a ilegalidade do Partido Comunista as ligas foram fragilizadas na sua liderança e poucas resistiram até o período de 1954 – uma exceção é a Liga Camponesa da Iputinga dirigida por José dos Prazeres em Pernambuco.

Em 1955 ressurge o movimento das Ligas Camponesas no Nordeste a partir da organização dos trabalhadores no Engenho Galiléia com uma caracterísitca muito mais definida de movimento agrário já pautando a questão da reforma agrária e conseguindo agregar apoios de segmentos organizados das cidades. O movimento tinha como objetivos básicos lutar pela reforma agrária e a posse da terra.

A partir do Primeiro Congresso de Camponeses de Pernambuco em 1961 o movimento das Ligas se espalhou para outros estados: Paraíba – o núcleo Sapé era um dos mais importantes; Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro/Guanabara, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás e Acre.

As Ligas Camponesas funcionavam com duas seções, a Organização de Massas 78(0.M.), que reunia moradores da cidade (Ligas Urbanas), mulheres (Ligas Femininas), pescadores (Ligas dos Pescadores), Ligas dos Desempregados, Ligas dos Sargentos e todas as pessoas que admitiam a necessidade da reforma agrária e a Organização Política (O. P.)que aceitava apenas determinados membros da Organização de Massas, aqueles que se destacavam em seu trabalho, reunindo qualidades políticas, ideológicas e morais que justificassem sua condição de militante da organização.

No âmbito da Organização de Massas e das Ligas Urbanas e Femininas muitas mulheres se envolveram com o conjunto de propostas das Ligas Camponesas algumas delas chegando a fazer parte da Organização Política como é o caso de Elizabete Teixeira.

Elizabete Teixeira, que ficou mais conhecida como a viúva de João Pedro Teixeira, líder da Liga de Sapé, assassinado em 1962 por dois policiais disfarçados, a mando de usineiros paraibanos. Elizabete já exercia liderança antes da morte do marido e antes de se envolver com as Ligas. Elizabete tomou atitudes bastante avançadas para a época. Maria Elizabete fugiu com João Pedro para Pernambuco teve 11 filhos e o ensinou a ler, quando ambos começaram a se envolver na luta política. Durante sua liderança na Liga Camponesa de Sapé chegou a liderar 30 mil homens e mulheres na organização.

Ela era vista como uma mulher que não se enquadrava, ela tinha uma imagem negativa. Ela deixava os filhos em casa e ia fazer política na rua. Foi reduzida a ‘mulher de comunista que quer mandar nos homens’, pois comandava centenas de camponeses nas tentativas de negociações com latifundiários em conflitos de terra. Enfim, são várias leituras que explicitam de uma forma acentuada essa dificuldade que os homens têm de reconhecer a liderança feminina. Daí talvez a idéia desse lugar social que insistem em lhe dar, a de viúva de João Pedro Teixeira e não a Elizabete presidente das Ligas”. 79

Com o Golpe Militar de 1964, o movimento camponês foi desarticulado e perseguido. Elizabete foi presa, interrogada e quando liberada pelo exército fugiu para o Rio Grande do Norte levando só um dos filhos. Permaneceu exilada por 17 anos, até a abertura política, em 1979. Já havia sido dada como morta pela repressão política quando, em 1981, apareceu no filme Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho.

8) Santa Dica de Goiás

Benedita Cipriano Gomes80 nasceu em 17 de janeiro de 1903 na Fazenda Mozondó à 40 km de Pirenópolis. Por volta de 7 anos de idade, Benedita, ou melhor Dica como era chamada, caiu enferma culminando com a perda total de seus sinais vitais. Após três dias, Dica ressurgiu viva da morte consolidando pela região sua figura milagrosa e poderosa. Romarias de roceiros migravam para pedir-lhe a benção e conseguir graças. Em poucos tempo, aos 16 anos, Dica comandava legiões de adoradores que seguiam suas ordens com fiel devoção e em torno de sua casa formou-se um povoado.

Dica instituiu sistema de uso comum de solo e aboliu o uso genérico de dinheiro, fazia curas milagrosas, rezava missas e dava conselhos. Pregava a igualdade, abolição de impostos, a distribuição de terras. Para Dica a terra era de propriedade do Criador e foi feita para todos. Em sua fazenda não havia cercas e todos os recursos, oferendas e colheitas eram revertidas para a comunidade.

Com tal política e crença chegou a reunir em torno de si 15.000 almas, 1.500 homens capacitados para o uso das armas81 e cerca de 4.000 eleitores. Seu poder incomodava os coronéis da região, que viam na Dica uma certa reprodução do episódio de Canudos com perdas de trabalhadores e poder sobre a população. Porém, a fama de Dica espalhou-se pelos sertões atraindo mais e mais fiéis. Se posicionou contra a Coluna Prestes e participou da Revolução Constitucionalista de 1932 indo guerrear, com 150 homens numa demonstração confusa de seu “programa político”.

Ao redor de Santa Dica se reuniu um povo organizado que representava ameaça para muitos poderes instituídos:

ameaça à propriedade, pois os seguidores de Santa Dica ocupavam uma fazenda particular, sendo que a própria Dica teria dito que “terra é de Deus”; ameaça ao uso da força de trabalho, pois não se trabalhava aos sábados, nem aos domingos na Lagoa, contrariando a legislação e os costumes trabalhistas; ameaça ao catolicismo institucionalizado, pois uma leiga estava usurpando as funções do clero católico.82

Dica morreu de velhice em 1970 exercendo até o final grande influência política na região e grande confusão nas interpretações sobre sua vida.

9) DIRCE MACHADO e a Revolta de FORMOSO E TROMBAS

A revolta camponesa de Formoso e Trombas não foi diferente de outras tantas lutas pela posse da terra no Brasil. Ela aconteceu no estado de Goiás entre os anos 1950 e 1964, quando se iniciou a ditadura militar no país.

De 1951 a 54 os posseiros lutaram para conseguir os títulos Jurídicos da Terra, sob a liderança de José Porfírio estritamente dentro da legalidade, fazendo com que as autoridades cumprissem a lei e

Toda a luta dos posseiros estava sendo em vão, pois, mesmo conseguindo autorização governamental para permanecerem na área, não eram respeitados pelos grileiros. A partir do esgotamento dos meios legais os posseiros passaram à luta de resistência armada. Esses fatos ocorreram em 1954, quando chegaram à região alguns militantes do Partido Comunista Brasileiro que colaboraram com a organização dos camponeses.

Neste período o Partido Comunista decidiu enviar à região alguns quadros do partido, sendo eles: Geraldo Marques, João Soares e, pouco depois, José Ribeiro e Dirce Machado. Este grupo se constituiria no Núcleo Hegemônico, que procuraria organizar a resistência dos posseiros e criar condições para que esta luta tivesse um caráter de potencialização de uma mobilização mais ampla

O Povo estava ameaçado, eles sabiam se não tomasse posição não tinha outra saída (…) e principalmente nós trabalhávamos no cabo da enxada, da foice do machado, fazendo cerca, carpindo roça, colhendo arroz, junto com o povo aqui, ombro a ombro, cada um tirou sua posse, seu pedacinho de terra. Eles viram nós também como camponês igual a eles. Não viemos aqui como corpo estranho aqui. Vocês fazem isso, fazem aquilo. Não, aqui nós viemos prá cá viver a vida aqui, ombro a ombro, comer o feijão com arroz, ás vezes sem sal, as vezes sem manteiga, passar fome junto com eles, viver a vida junto com eles, viver a vida juntocom eles aqui e por isso nos ganhamos a confiança deles (…).”83

Dirce Machado era uma dessas companheiras da revolta de Trombas e Formoso. Ela nasceu em 4 de setembro de 1934, na zona rural do município de Rio Verde, localizado no sudoeste goiano. Os pais, Antônio Machado da Silveira e Irene Cândida Testa da Silveira, eram camponeses .Desde criança ela ajudava a mãe na lida da lavoura e nos afazeres da casa. Aos 13 anos, teve o primeiro contato com o comunismo. Dirce, deparou-se com um livro que lhe chamou a atenção: O Cavaleiro da Esperança, de Jorge Amado, um relato romanceado da vida Luiz Carlos Prestes. A menina leu o livro escondido, pois a mãe a proibiu a leitura. Dirce não acreditava na existência de um ser humano capaz de tantas façanhas e de suportar tantos conflitos. Depois ela teve contato com o grupo do jornal Terra Livre e começou a desenvolver atividades com o grupo dos comunistas

Dirce, aos 16 anos, começou a ser perseguida; segundo ela:

numa região de latifundiários, a mulher podia ser de tudo, prostituta, fofoqueira, mas não comunista. 84

Ela faz o processo de formação do Partido e é enviada para Formoso onde vai dar uma importante contribuição na resistência camponesa de Trombas e Formoso. A luta era de resistência e de guerrilha continuada e durou de 1954 até 1972. Com a ditadura militar o exército tentou tomar as terras dos camponeses, mesmo depois que as famílias já tinhas recebido o título de suas glebas. A liderança da associação foi presa. Dirce, o marido e o irmão ficaram foragidos por dois anos nas matas, Depois ela foi presa por dois meses e 10 dias; depois de solta, passou mais seis anos sendo perseguida.

Dona Dirce é mãe de quatro filhos legítimos e sete adotivos85, sendo três excepcionais. Os dois primeiros nasceram no auge da luta armada. Durante o tempo em que ela precisou fugir, seus filhos ficaram sob o cuidado de parentes. O marido faleceu em 2001. Hoje ela mora com a mãe, Irene Cândida Testa da Silveira, 90, no setor Parque Amazonas, em Goiânia.

10) MARGARIDA ALVES – e a marcha de todas as margaridas

No dia 12 de agosto de 1983 a líder sindical camponesa Margarida Alves foi assassinada com um tiro no rosto disparado de uma espingarda calibre 12. Margarida – presidente por 12 anos do Sindicato dos Trabalha­dores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba – estava na porta de sua casa.

Mulher, trabalhadora rural e sindicalista, Margarida Maria Alves foi e continua sendo referência e fonte de inspiração para quem luta nos movimentos sociais. Defensora da reforma agrária e dos direitos da mulher, como presidente do sindicato de Alagoa Grande na Paraíba, ela enfrentou poderosos “coronéis”, ganhando muitas batalhas por direitos dos Trabalhadores Rurais. Ela representou a retomada combativa do novo sindicalismo rural no início dos anos 80 com uma forte ligação com a luta pela Reforma Agrária.

Ela foi uma das fundadores do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural que investiu na alfabetização e na educação integral de camponesas e camponeses. Destacou-se pela defesa dos direitos da/do trabalhador/ra sem terra, pelo registro em carteira, pela jornada de 8 horas, pelo 13° salário, férias, entre outros direitos86.

No cordel de Raimundo Lima, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Pedro, Rio Grande do Norte:

O Rio Grande do Norte e Pernambuco também o povo da Paraíba de Itambé e Belém sentiram este drama triste por tanto lhe querer bem. Chora toda a Paraíba que conhecia a mulher por ser muito combativa e mantinha a classe em pé a morte de Margarida para o povo é raça de fé. Com ela são trinta e dois já vítimas de violência queremos que a justiça use de mais consciência tomando de imediato as devidas providências.87

Entre as décadas de 70/80 e 90 surge o novo sindicalismo também rural e a criação da Central Única dos Trabalhadores que representou uma efetiva aproximação entre movimento de mulheres feminismo e sindicalismo. Estas transformações incluíam questões sobre a representação sindical e a participação das bases incluindo as demandas das camponesas.

As camponesas no começo da década de 1980, começaram a participar em número crescente de sindicatos rurais e do Movimento dos Trabalhadores Rurais nascente, bem como começaram a formar suas próprias organizações autônomas.5

A origem de uma participação mais orgânica de um movimento de mulheres rurais está localizada no contexto da abertura democrática da década de 1980 e na consolidação do movimento feminista e de mulheres no Brasil. Nas áreas rurais, as Comunidades Eclesiais de Base e grupos de mulheres organizados pela CPT ofereceram uma experiência de formação que desafiava as mulheres a questionar as injustiças sociais, ligadas a questões de saúde e de educação.

Mas os sindicatos na década de 1980 ainda eram predominantemente um espaço de homens, o movimento de mulheres rurais procurou desenvolver algumas reivindicações básicas: a incorporação de mulheres nos sindicatos e a extensão dos benefícios de seguridade social, incluindo licença- maternidade paga e aposentadoria para as mulheres trabalhadoras rurais. Mesmo sendo força de trabalho explorada na roça e no trabalho doméstico familiar as mulheres continuavam excluídas tanto aos olhos do patrão como da maioria dos dirigentes sindicais. Durante a metade da década de 1980 o costume era que somente uma pessoa por família poderia ser membro de sindicato, geralmente o homem chefe de família.

Suas reivindicações pelo direito à terra foram, formalmente, obtidas na Constituição Federal de 1988, a qual estabelecia que, nas terras a serem distribuídas através de reforma agrária, “o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil” (Artigo 189).

11) Rose – o novo movimento camponês e a mulher camponesa

Roseli Nunes, nos últimos dias de gravidez, participou da ocupação da fazenda Anoni, em 1985, a maior ocupação realizada no Rio Grande do Sul, início do MST. Foi mãe da primeiro criança a nascer no acampamento, Sepé Tiaraju, nome dado em homenagem ao líder guarani. Liderou uma caminhada de 300 quilômetros até Porto Alegre, onde ocuparam a Assembléia Legislativa, permanecendo acampados por seis meses, até ser dada uma solução para as 3 mil famílias que estavam na fazenda Anoni.

Rose foi assassinada no trevo da estrada em Sarandi – RS, com mais dois companheiros, no dia 31 de março de 1987, ocasião em que participava de uma manifestação com mais de 5.000 pessoas na luta pela reforma agrária e por uma política agrícola justa. Sua história foi contada nos filmes Terra para Rose e O Sonho de Rose, de Tetê Moraes. Roseli Celeste Nunes da Silva, a Rose, participou da ocupação da Fazenda Annoni, Rio Grande do Sul, em 1985, junto com o marido e os filhos.

Na época, ela estava grávida de seu terceiro filho, Marcos, que acabou sendo o primeiro bebê a nascer no acampamento da fazenda, em 28 de outubro de 1985. Em 31 de março de 1987 Rose foi morta, atropelada por um caminhão de uma empresa agrícola que jogou-se contra uma manifestação de agricultores sem terra na beira de uma estrada, perto do acampamento da Fazenda Annoni.  Atualmente seu filho Marcos Tiarajú (nascido na Fazenda Annoni, e que aparece no documentário sempre nos braços de Rose) e seu pai José Corrêa da Silva estão no Assentamento Filhos de Sepé, no município gaúcho de Viamão.

… e tantas outras! todas as vidas dentro da via camponesa, minhas irmãzinhas, companheiras! cheias de mística, benzedeiras! plenas de lutas: panelas, enxadas e as bandeiras!

 

 

 

Todas as vidas

 

Vive dentro de mim 
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

Cora Coralina88

 

 

1 B. MANÇANO, Delimitação conceitual de campesinato, www.mst.org.br/informativos/vozes/textobernardo2.htm

2http://sala.clacso.org.ar/gsdl/cgi-bin/library?e=d-000-00—0tesis–00-0-0–0prompt-10—4——0-1l–1-es-Zz-1—20-about—00031-001-0-0utfZz-8-00&a=d&cl=CL1&d=HASH01ae39027d01a0205fc24dfc.3.3#ircita

3WANDERLEY, Maria de Nazareth B., Raízes históricas do Campesinato Brasileiro, ANPOCS, 1996

4KOSIK, Karel, A dialética do Concreto, São Paulo, Paz e Terra, 1987

5 Márcio MAESTRI, A formação do campesinato no Brasil – a aldeia ausente I, http://www.lainsignia.org/2001/noviembre/dial_008.htm

 

6 Edson SILVA, Povos Indígenas, violência e educação > www.proext.ufpe.br/cadernos/educacao/indios.htm

7 Estêvão PALITOT, Fotografia e medo: as visões da imprensa no caso da morte do cacique Xicão Xukuru, in: CAOS, UFPb > http://www.cchla.ufpb.br/caos/04-xic.html

8 Edson SILVA, Povos Indígenas no Nordeste: contribuição a reflexão histórica sobre o processo de emergência étnica, Mneme/UFRN > http://www.seol.com.br/mneme/ed7/035-p.htm

9 . LASMAR, Cristiane. In Dicionário Mulheres no Brasil: de 1500 até atualidade. BRAZIL, Érico Vital e Schumaher, Schuma.. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000

10 Marta GUARANI, REALIDADE E DESAFIOS DAS MULHERES INDÍGENAS DE MATO GROSSO DO SUL, http://www.escolagov.ms.gov.br/admin/templates/artigos/arquivo.php?id=88

11 http://www.escolagov.ms.gov.br/admin/templates/artigos/arquivo.php?id=88

12 Margareth RAGO, Sexualidade e Identidade na Historiografia Brasileira dos anos vinte e trinta > in: Estúdios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe > http://www.tau.ac.il/eial/XII_1/rago.html

14 http://paginas.terra.com.br/arte/cancaodoser/ano_um_2002_010_outubro_nova_janela.htm

16 Estevão Martim PALITOT, Entre reis, padres e senhores: visões do índio em Gilberto Freyre, CAOS, Revista Eletrônica de Ciências Sociais > http://www.cchla.ufpb.br/caos/02-palitot.html

17 Cristina Scheibe WOLFF, Mulheres indígenas na construção etnohistórica de Santa Catarina: memórias de um esquecimento > http://www.rizoma.ufsc.br/html/403-of2b-st1.htm

18 Darcy RIBEIRO, Os índios e a civilização, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1970, p. 186

19 citado por Euclides FELIPPE, in: www.rizoma.ufsc.br/pdfs/403-of2b-st1.pdf

20 Cristina Scheibe WOLFF, Mulheres indígenas na construção etnohistórica de Santa Catarina: memórias de um esquecimento > http://www.rizoma.ufsc.br/html/403-of2b-st1.htm

21 Cristina Scheibe WOLFF, Mulheres indígenas na construção etnohistórica…

22 A mulherada > www.amulherada.org.br

23 http://www.amulherada.org.br/conciencianegra.htm

24 Edson SILVA, Índios no Nordeste: história e memória da Guerra do Paraguai > www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/textos/EDSON%20SILVA.pdf#search=%22xukuru%20mulher%20%22guerra%20do%20paraguai%22%22

25 Eliane POTIGUARA, Participação dos povos indígenas na Conferência em DurbanRevista de Estudos Feministas, Jan. 2002, vol.10, no.1, p.219-228.

26 CIMI, A força dos pequenos: vida para o mundo (guia metodológico), www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=1693&eid=371

27 Regina MELO, Ykamiabas Filhas da Lua, Mulheres da Terra, Valer Editora, Manaus, 2005

28 recontada por Esperança ALVES > http://www.manamani.org.br/principios_lendas_mani.html

29 Paulo SUESS, Como hóspedes na tenda de Abraão, www.sedos.org/spanish/Suess_2.html

30 Kalna Mareto TEAO, O mito como fonte e modo de ser dos Guarani Mbyatematicaindigena.blogspot.com/2006/04/o-mito-como-fonte-e-modo-de-ser-dos.html

31 Pierre CLASTERS, A sociedade contra o estado, Ed. Francisco Alves, São Paulo, 1990

32 UNKEL, Curt Nimuendaju. As lendas de criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos apapocúva- guarani, Hucitec/Edusp,1987, São Paulo, pp. 37-49

33 Adriana Perez FELIPIM, O sistema agrícola Garani Mbyá e seus cultivares de milho: um estudo de caso na aldeia Guarani da Ilha do Cardoso, município de Cananéia, SP, Centro de Trabalho Indigenista, USP/2001 http://www.trabalhoindigenista.org.br/Docs/guarani_milho.pdf

34 Mário MAESTRI, A aldeia ausente, www.lainsignia.org/2001/noviembre/dial_008.htm

35 MAESTRI, Mário, Servidão negra: trabalho e resistência no Brasil escravista, Mercado Aberto, Porto Alegre, 1988, p. 29

36 Theodoro, Helena. In Dicionário Mulheres no Brasil: de 1500 até atualidade. BRAZIL, Érico Vital e Schumaher, Schuma.. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000

37 K abengele M U N A N G A, Origem e histórico do quilombo na África,> www.usp.br/revistausp/n28/4kabe.pdf

38 Mário MAESTRI, A aldeia ausente I, www.lainsignia.org/2001/noviembre/dial_008.htm

39 Mário MAESTRI, A aldeia ausente II, www.comunidadeskalungas.pop.com.br/aldeia.htm

40 http://pt.wikipedia.org/wiki/Quilombo_dos_Palmares#O_fim_do_Quilombo

41 Manuel de Inojosa, Biblioteca Nacional de Lisboa, in: www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/zumbi_12.htm

42 Jorge Luiz VIVIAN, Manual de Campo para Extensionistas > www.rebraf.org.br/consafs/textos/ferramentas/Manual%20Campo%20D&D%20SAF.pdf

 

 

 

45 Maria Fátima Roberto MACHADO, Quilombos, Cabixis e Caburés: índios e negros em Mato Grosso no século XVIII > www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/GT48Fatima.pdf

46 BANDEIRA, M. de L. Território negro em espaço branco, Brasiliense, São Paulo, 1988.

48 Benedita Celeste de Moraes PINTO, Vivências cotidianas de parteiras e ‘experientes’ do Tocantins, Revista Estudos Feministas > www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2002000200013

49 www.arquidiocesesalvador.org.br/paroquias/par_sao_braz_plataforma.htm; www.smec.salvador.ba.gov.br/documentos/quilombos-no-brasil.pdf

50 http://www.amulherada.org.br

51 Dicionário Mulheres do Brasil – De 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Jorge Zahar Editor, 2000.

53 www.mulher500.org.br/artigos_detalhe.asp?cod=9

54 Elio MULLER, Afro-descendentes da Colônia Alemã Protestante de Três Forquilhas, in: Estudos Teológicos 2001, v. 41, n. 2, p. 75-85 > www.est.com.br/publicacoes/estudos_teologicos/vol41_2001/muellerET412.htm

55 No limite do possível: as mulheres e o poder na Amazônia, 1840-1930 Heloísa Lara Campos da Costa, citando: Quintiliano, A., op. cit. e Cruz, Ernesto “História do Pará”, Belém: ed. Univ. do Pará, 1963

 

56 Brasil Indígena: 500 anos de resistência / Benedito Prezia, Eduardo Hoomaert. – São Paulo: FTD, 2000

http://br.geocities.com/terrabrasileira/contatos/cabanagem.html

57 Eurípedes A. Funes, Mocambos do Trombetas – História, Memória e Identidade, Universidade Federal do Ceará, http://www.ub.es/afroamerica/EAV2/funes_d.pdf

58 http://pt.wikipedia.org/wiki/Muckers

59 Janaína Amado, Conflito social no Brasil; a revolta dos “Mucker”, Rio Grande do Sul 1868 – 1898, São Paulo, Símbolo, 1992

60 Bernardo Mançano, Brasil: 500 anos de luta pela terra, http://www.culturavozes.com.br/revistas/0293.html

61 Mançano,

62 Marco Bonetti, Cangaço para todos os gostos: à antiga e à moderna, http://www.tci.art.br/artigos/bonetti/cangaco-01.htm, maio de 2000

 

63 Na paisagem inóspita, um grande personagem: O SERTANEJO

http://www.tvcultura.com.br/aloescola/estudosbrasileiros/sertoes/sertoes2.htm

64 Mário Maestri , Elogio à Dominação: Robert M. Levine e a república sertaneja de Belo Monte, www.portfolium.com.br/resenha-maestri.htm

65 Júlio José Chiavenatto, Lutas Populares no Brasil, Cangaço, http://www.cedap.org.br/publicacoes_cangaco.htm,

 

66Bernardo Mançano, http://www.culturavozes.com.br/revistas/0293.html

 

67 http://www.cedap.org.br/publicacoes_cangaco.htm

69 Pe José Artulino BesenJornal Missão Jovem, www.pime.org.br/missaojovem/mjhistbrasilmovimentos.htm,

72 relatório do general Demerval Peixoto, citado por Paulo Ramos Derengoski in: Leo Laps, Os Camponeses do Contestado, www.anovademocracia.com.br/09/15.htm

73 http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Contestado

74 Aramis Millarch, publicado no jornal, Estado do Paraná, Caderno Almanaque, 8/11/86,

www.millarch.org/lernum.asp?id=1857&pesquisa=Festival+de+Bras%EDlia

75 Rogério Morais, Caldeirão e Pau de Colher – A história das lutas populares é indestrutível, http://www.anovademocracia.com.br/02/17.htm

76 depoimento de Marina Gurgel in: Aristides Braga, Cultura Brasileira, 2001, citado in: Rogèrio Morais, www.anovademocracia.com.br/02/17.htm

77 Antônio Câmara, A atualidade da reforma agrária – de Canudos aos Sem-Terra: a utopia pela terra; www.oolhodahistoria.ufba.br/03camara.html

78 Ligas Camponesas, Fundação Joaquim Nabuco, http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=308&textCode=4193&date=currentDate

79 Maria do Socorro Rangel , Pesquisa focaliza papel das mulheres nas lutas camponesas, www.sindicatomercosul.com.br/noticia02.asp?noticia=22275

81 E.C. OLIVEIRA, Cachorros do governo”: a polícia no imaginário sertanejo goiano. Revista da UFG, Vol. 7, No. 01, junho 2004 http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/ agro/M22_policia.html

82 VASCONCELOS, Lauro, Santa Dica: Encantamento do Mundo ou Coisa do Povo, CEGRAF/UFG, Goiânia, 1991

83Paulo Ribeiro da Cunha, Redescobrindo a história: a república de Formoso e Trombas http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_publicacoes/website-ael_publicacoes-cadernos.htm

84 entrevista, www.vermelho.org.br/diario/2005/0311/0311_donadirce.asp

85 www.vermelho.org.br/diario/2005/0311/0311_donadirce.asp

86 http://www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhe.asp?CodMortosDesaparecidos=186

87 http://www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhe.asp?CodMortosDesaparecidos=186

88 Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Global Editora, 1983 – S.Paulo, Brasil

 http://www.mmcbrasil.com.br/


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