Reflexões pastorais sobre “A figueira sem frutos” (Mc 11.12 – 20)
Jesus teve fome. Viu uma figueira. Aproximou-se. Não havia frutos porque não era época de frutos. Mas havia mui tas folhas. Jesus amaldiçoou a árvore e esta secou-se desde a raiz.
Confesso que, a princípio, fiquei desapontado com a atitude de Jesus: impulsiva, leviana, extremada? Li e reli muitas vezes esse texto, inconformado, indignado. Tem que haver uma boa razão para essa atitude antiecológica de Jesus.
A resposta, tal vez, esteja no contexto no qual está inserida essa narrativa. Primeiro, no dia anterior acontecera a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém; segundo, após a maldição da figueira se dá o episódio dramático (e violento) da expulsão dos cambistas do Templo; e, terceiro, o relato teria como alvo criticar a postura farisaica daqueles que teriam corrompido os propósitos de Deus para o Templo e para a religião de Israel.
A imagem da figueira é radi cal. Aque les que conhe cem o ciclo de pro du ção dessa árvore sabem que, quando não é época de figos, ela fica com ple ta mente des fo lhada. Isso mos tra que, se não era época de figos, a tal figueira não deve ria apre sen tar sequer folhas. Seria essa uma figueira men ti rosa? Hipócrita? Fari saica? Que apa renta algo que na rea li dade não é?
Nesta breve refle xão, pro po nho uma auto-avaliação ecle si o ló gica, a par tir dos ensi na men tos da figueira amal di ço ada por Jesus. O texto men ci ona expli ci ta mente que ela tinha folhas, mas não tinhafru tos e que secou desde a raiz. Raiz, folhas e fru tos serão, pois, o iti ne rá rio por onde cir cu lará a seiva da nossa meditação.
As igre jas e as mandiocas
Come ce mos por con si de rar as raí zes. As raí zes das tra di ções judai cas eram as mais nobres pos sí veis. A herança legada pelos patri ar cas (para não men ci o nar as matri ar cas) era de uma pro fun di dade e de uma qua li dade excep ci o nais. A Lei e os Pro fe tas, os Sal mos e os Poe tas esta vam reple tos de indi ca tivos da von tade de Deus para o povo.
Mas a elite reli gi osa judaica havia trans for mado a Casa de Ora ção (i.e. o cen tro do exer cí cio da fé) em covil de sal te a do res (i.e. em cen tro comer cial). Sua boca reci tava a Torá, mas o seu cora ção se dis tanci ava mais e mais de Deus. O povo tornou-se uma árvore seca desde a raiz. Raí zes pro fun das, é verdade, mas sem vida.
Uma igreja que só tem tra di ção (raí zes) é uma igreja infru tí fera. Não são sequer como as man di o cas, pois essas são raí zes que se ofe re cem como ali mento. Igre jas enter ra das em suas tra di ções esté reis são como tron cos infru tí fe ros que só ser vem para ser der ru ba dos, lavra dos e trans for ma dos em cru cifi xos mor tais. Igre jas secas desde a raiz são árvo res que viram cruz. De Jesus só mere cem o azor ra gue e a repreensão.
As igre jas e as samambaias
A nar ra tiva diz, ainda, que a figueira estava coberta de folhas quando “não era tempo de figos” (cf. v. 13). Por tanto, uma aber ra ção das regras natu rais que regem a pro du ção de figos. Pois, as folhas, neste caso, só são admis sí veis quando anun ciam os fru tos. Jesus encontrou-se com uma figueira cujo exterior dizia: “vejam, estou repleta de fru tos!”, mas que, de fato, só tinha folhas.
Jesus viu aí alguma seme lhança com os fari seus: tinham bons dis cur sos (ser mões), belos ritu ais (liturgias) e boni tos sal mos (cân ti cos) e nada mais… Em outras pala vras, a igreja dos fari seus se trans formara numa árvore que só tinha folhas: uma samambaia.
Ora, as samam baias são, essen ci al mente, folhas. Igre jas que só têm apa rên cia são igrejas-samambaias, puro orna mento. O “lou vor” é “mara vi lhoso”, nada mais… Tais igre jas são alvo da indigna ção de Jesus: “Nunca jamais… Seca-te!” Amaldiçoadas.
As igre jas e as fruteiras
Sabe mos pela nar ra tiva que tudo acon te ceu por que Jesus teve fome, e sentiu-se enga nado pela figueira men ti rosa que só tinha folhas, quando por sua apa rên cia deve ria ter frutos.
Fru tos ser vem para saciar a fome e tam bém para ale grar e dar pra zer. A figueira, em Israel é sím bolo da doçura — da ale gria ver da deira pro du zida pela far tura da colheita, que é o sím bolo máximo da coope ra ção divino-humana: “Eu plan tei, Apolo regou; mas o cres ci mento veio de Deus” (1Co 3.6). Mas os fari seus não saci a vam a fome de nin guém. Pelo con trá rio, engor da vam enquanto sobre ta xa vam o povo cré dulo e devo ra vam o fruto que estes tra ziam ao altar.
Tal qual fru tei ras que estão sem pre reple tas de fru tas, mas elas mes mas não pro du zem fruto algum. Seus fru tos vêm de outro lugar. Há, tam bém, igrejas-fruteiras. Quando as olha mos, as vemos transbor dando de fru tos: fru tos que arre ba nha ram de outras árvo res. São igre jas que “cres cem” sobre raí zes que não plan ta ram, com folhas que não rega ram e apre sen tam fru tos que não pro du zi ram. Por essa razão não ali men tam. Quando Jesus (ou qual quer “des tes pe-queninos” — cf. Mt 26.45) se apro xima delas con ti nua faminto. Não sus ten tam nem satisfa-zem. São o ópio do povo.
Con clu são
Con si de re mos: Jesus entra em Jeru sa lém e é acla mado; o Tem plo está cheio de fiéis; dou-tores da Lei, escri bas e levi tas é que não fal tam. Que mais o Filho de Davi pode ria dese jar? Ali havia lou vo res, templo cheio, culto ani mado, gazo fi lá cios reple tos, pre ga do res caris má ti cos… Tudo per feito, exceto por um pequeno deta lhe: não havia frutos.
Ora, é o pró prio Jesus quem diz: “Pelos fru tos os conhe ce reis” (Mt 7.16). E ele os conhe cia a ponto de saber que aquela não era uma árvore fru tí fera. Era uma aber ra ção da natu reza. Na ver dade, ela já estava morta, pois já não produzia.
Quem dera fôs se mos melho res do que as figuei ras esté reis. Quem dera tivés se mos raí zes pro fun das, mas vivas; folhas verdes/alegres, mas sin ce ras; e, prin ci pal mente, pro du zís se mos fru tos abun dan tes e sabo ro sos para que jamais hou vesse alguém com fome entre nós.
Sabem de uma coisa? Acho que Jesus secou aquela árvore para não pre ci sar amal di çoar a gente… Se apren der mos a lição da figueira, quem sabe sere mos, antes, aben ço a dos desde a raiz. Jesus, então, será atraído por nos sas folhas e se satis fará com nos sos frutos.
Assim Deus nos ajude.
Luiz Carlos Ramos
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