Ita’y Ka’aguyrusu – a vida que nasce da luta

Egon Dionísio Heck * Adital

O belo amarelo, da sibipiruna,
Se rende à beleza do ipê em flor,
Nas ruas douradas de calor,
Ou solitárias nos campos descampados!
O milagre da natureza é singelo,
Sem igual, sem preço, extraordinário,
Deixa-nos os olhos molhados,
Do passado, seguindo nosso itinerário!

Estamos a caminho da aldeia de Lagoa Rica. Ou melhor da retomada do
tekohá Ita’y Ka’aguyrusu. Como só ai de acontecer com tantas
comunidades indígenas Kaiowá Guarani, “cansados de esperar”, partem de
volta para as suas terras tradicionais, para a sobrevivência, para o
enfrentamento, para o futuro. Quando lá chegamos para lhes levar nossa
solidariedade fomos recebidos com ritual e abençoados. Grande parte
deles estava no afã da construção de seus barracos, se é que assim se
podem chamar os minúsculos espaços, cobertos com pedaços de sacos e
lona preta. Ao chamado do Nhanderu e das lideranças, aos poucos se
formou um grande aglomerado de lutadores e lutadoras, de crianças, que
se divertiam com flechas e outros entretenimentos, todos, literalmente
todos e todas envoltos num grande manto de esperança em luta pela
vida, pelo espaço, pela terra perdida.

Dois aspectos chamam atenção por ser, certamente, o esteio, a força
maior do acampamento – a expressiva presença e participação das
mulheres e dos líderes religiosos. Enquanto Os rituais são diários e
frequentes. São a garantia de que estarão com a força dos espíritos da
vida, de seus antepassados e dos deuses que protegem a eles e a mãe
terra. Daí lhes vem força para enfrentar todo tipo de privações e
violências. O nhanderu Kaiowá Nélson Cabrera, do tekohá Carumbé, e
atualmente residente na Terra Indígena Dourados, como membro do
Conselho da Aty Guasu, foi levar solidariedade ao grupo e assim
expressou sua opinião sobre a queima dos barracos pelos seguranças dos
produtores rurais “Não importa que queimaram os barracos, que
queimaram as roupas e os documentos. A terra eles não podem queimar. E
é isso que nos interessa”.

Anastácio Peralta, em nome da Comissão Nacional de Política
Indigenista, também foi levar seu apoio em nome dos povos indígenas do
Brasil, e conclamou o grupo a consolidar sempre mais a união, pois
assim poderão ter desde já a certeza da vitória da terra. Também a
equipe do Cimi, foi até o acampamento indígena, e alem do relato dos
direitos históricos sobre a terra, citou vários documentos desde o
tempo do Serviço de Proteção aos Índios – SPI até a FUNAI, na década
de 70, que mostram inequivocamente que se trata de terra Kaiowá.
Lembraram que o Conselho do Cimi e sua presidência têm visitado vários
acampamentos nesse início de ano levando seu total apoio aos Kaiowá
Guarani na luta por seus direitos, especialmente suas terras.

Um pouco da memória – história da Terra Indígena Panambi

“Essa é parte de terra indígena que mais farta documentação tem, e
sobre a qual não restam dúvidas”, informou um representante do
Ministério Público Federal. Depois de mostrar o mapa oficial da terra
demarcada em 1971 e da colônia Agrícola de Dourados, que se estendia
até a margem direita do rio Panambi, sobrepondo-se à terra indígena,
falou da dinâmica do apossamento dessa terra pelos então trazidos
colonos do sul do país.

Exibindo um volumoso dossiê o antropólogo do órgão, passa a ler uma
série de documentos firmados por pessoas de prestígio na sociedade
local, que atestavam, já no inicio do século e depois por ocasião da
instalação da Colônia Agrícola de Dourados, que os Kaiowá habitavam
essa região contígua ao rio Panambi, até a sua foz no Rio Brilhante. E
essa terra, medindo 2.037 hectares foi destinada aos índios desta
aldeia.

Em relatório da 9ª Delegacia da FUNAI, de 24/03/1971 o então
responsável, fala da prioridade da demarcação da área indígena de
Panambi para que os advogados possam “proceder as ações judiciais
necessárias à afirmação legal atribuído ao índio.” No mesmo relatório
cita que ” na área do Panambi as providencias preliminares que estamos
promovendo não trata de desapropriação. Visa definir judicialmente um
processo administrativo que se arrasta desde a criação da Colônia de
Dourados, em 1943″. E concluiu o relatório dizendo que “Os Kaiowá são
os primitivos donos das terras no Panambi e disto temos farta
documentação”.

Em outro relatório do SPI Dr. Brucker fala sobre a Aldeia Panambi “Os
índios Kaiowá ocupam as terras ali localizadas desde o início deste
século… essas terras, talvez pela privilegiada localização e
fertilidade, constantemente sofrem ameaças de ocupação e esbulho por
parte de paraguaios e também por civilizados brasileiros, os quais,
valendo-se de todos os meios tentaram apossar-se das áreas…e
ressalta Sr. Diretor, que existe na aldeia de Panambi, cerca de 156
índios para ocupar apenas 240 ha. dos 2.000 hectares que lhe
pertencem.Em 1947 a população do Panambi estava avaliada em 300
índios, e hoje, conta com 156, é certo que em 10 anos, mais nenhum
silvícola restará, caso não lhe restituam as terras a que tem direito.
Será o extermínio total”

Exigências

Uma das perguntas que fica na cabeça dos Kaiowá da retomada, acampados
à beira da estrada é porque a FUNAI, depois de um ano e quatro meses
após ter recebido o relatório de identificação, feito pela antropóloga
Kátia, até hoje não publicou o relatório. Mesmo que necessitasse de
alguns ajustes ou complementação de informações, caso houvesse vontade
política em resolver a questão da terra, isso teria sido feito em
pouco tempo. A pergunta que não encontro resposta, não deixou outra
alternativa ao grupo do que retornar a parte da terra já demarcada
desde 1971.

O grupo espera que nos próximos dias a FUNAI cumpra com sua obrigação
e publique o relatório de identificação.

Movimento Povo Guarani, Grande Povo
Dourados, 11 de setembro de 2010

* Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul

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14.09.10 – BRASIL
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