Herta Muller e Jorge Luis Borges

Tem também no El País do mesmo sábado, 05 de Junho de 2010, uma entrevista tão boa com Herta Muller, escritora Romena e Prêmio Nobel de Literatura de 2009. Teve seus livros censurados em seu país e agora vive na Alemanha.  Na entrevista ela diz o seguinte: “As frases verdadeiras estão sempre relacionadas com uma ferida profunda.” Será? Desde a situação que ela viveu e as histórias que ela descreve, tudo parece fazer sentido. Hávezes que a vida é mesmo vivida nos seus extremos, no estiramento de suas possiblidades e ai, a linguagem fica fina também e parece trazer alguma coisa que liga o que se vive e o que se viveu. Também ali, nesse lugar, a linguagem compõe o que se precisa para se recriar um mundo possível.

O título de seu ultimo livro é Tudo o que Tenho Carrego Comigo, e está sendo publicado agora na Espanha, onde ela recria as experiências dos romanos de origem alemã deportados a Ucrania em 1945. Como diz o jornal: “Muller criou em Tudo o que Tenho Carrego Comigo uma obra lírica, dramatica e comprometida que convida a fraternidade. Um testemunho sobre os 100.000 Romenos enviados a reconstrução da Antigua URSS (Rússia) na Segunda Guerra mundial.” Não li o livro e não posso comentar mas fiquei interessado. Entretando fiquei pensando no título do livro…

Queria eu ter escrito um livro com um título tão encantador como este. Tudo o que tenho carrego comigo faz a gente pensar sobre as pessoas que sofrem por perseguição, tragédia ou dificuldades extremas e que tem que fugir com o que tem nas mãos sem muito espaço para nada mais do que o que é extremamente necessário, ou simplesmente possível. De outro lado, esse título também me faz pensar na sabedoria de poder mas não precisar levar nada além de nós mesmos. Anos atrás servi de interprete para estudantes dos Estados Unidos no Brazil. Cada um deles levava uma mochila cheia de coisas para o dia, com medo do inesperado e com a necessidade de se saber preparado para os embates do dia. Quando olho para minha mala, ainda me vejo dependendo de tanta coisa… quando fiz primeira viagem para fora do país levei tanta coisa que ao chegar ao meu destino, minhas mãos estavam todas raladas e pequenos vasos de veias em meus ombros rompidos de tanto que carregava coisas para me sentir bem, em casa, protegido, cuidado, guardado. Sempre me lembro desde poema que dizem ser de Jorge Luís Borges:

INSTANTES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,

na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser perfeito; relaxaria mais.

Seria mais tolo do que tenho sido; na verdade,

bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,

subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a lugares onde nunca fui,

tomaria mais sorvetes e menos lentilhas,

teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente

cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria.

Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabes, disso é feita a vida, só de momentos,

não percas o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro,

uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas;

se eu voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço

no começo da primavera, e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres

e brincaria com mais crianças,

se tivesse outra vida pela frente.

Mas vejam, tenho 85 anos

e sei que estou morrendo…

JORGE LUIZ BORGES , 1986, SUÍÇA.

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