
“bata palmas,minha gente,bota fogo na fogueira
É bonito o arraial de são João nas aroeiras”
A festa junina do Sertão Vivo, no Sítio Aroeiras, município de Orós-Ce, já é uma tradição na agenda do Projeto, que neste 2011 comemora seus 15 anos de existência, com várias ações de arte, cuidados humanos e ambientais. Temos como alimento principal a multimistura de memórias sagradas, sonhos e teimosia.
Neste ano, a festa teve um significado bem familiar porque reunimos oito dos nove filhos da Casa Mãe, para celebrarmos os 60 anos do casamento de Pai Zezim com Mãe Suzana, celebrado em maio de 1951.
Os dias 21 a 26 de junho foram de boa convivência, visitas aos locais de nossa infância, como o velho Riacho do Saco da Onça, onde realizamos sempre nossa trilha ecológica, no qual está sendo construída uma passagem molhada, um tipo de barragem,por onde a água pode passar em tempos de cheia,sem barrar a circulação de veículos para as áreas do açude de Orós,onde estão sendo implementados projetos de criação de peixes, na Comunidade de Jurema e outras da região ribeirinha da represa.
A visita mais simbólica se deu na tarde do dia 25, no Recanto São José, que está pleno de flores, pela passagem das boas chuvas no inverno deste ano. Em torno da cova de Mãe Suzana, lembramos momentos inesquecíveis de nossa convivência com ela e pai Zezim; firmamos o compromisso de nos encontrarmos a cada dois anos, e de mãos dadas, recitamos de cor, algumas orações que eles nos ensinaram.
Durante todos os dias, foi veiculado o DVD da 6ª Jornada de Artes, realizada em março.
O DVD foi produzido por Ivo Sousa, nosso artista companheiro. O principal divulgador do filme é o Filipe, filho de Thiago e Nena, que com menos de dois anos,entre o pequeno vocabulário, sabe dizer e exigir a toda hora: “DVD, jornada!…”
No almoço do dia 23, contamos com a visita de Dom João José, bispo diocesano de Iguatu, que veio com um grupo de amigas do Recife, para festejar conosco, o seu aniversário natalício.
O Arraial, na noite de S. João, segue normalmente um pequeno e simples ritual. O espaço enfeitado com bandeirinhas feitas ali mesmo pelos jovens, reutilizando revistas usadas. A fogueira ecológica, montada com madeira da poda de algumas árvores, alimentos e bebidas típicas trazidas ou preparadas pelas mulheres, para a partilha na noite.
Já era escuro quando convidamos os presentes para o acendimento da fogueira, lembrando o significado do fogo na nossa história humana. Tia Helena, com seus 84 anos lembrou algumas estrofes do bendito antigo de S. João, que seu pai e nosso avô Manuel Vicente cantava. Eliane Brasileiro fez um solo na flauta. Francisco do grupo de Capoeira Água de Beber, tocou o tambor. A mana Eunice que veio de Maringá-PR; com o esposo José fez uma prece. Gregório, o sanfoneiro, puxou uma música de Luiz Gonzaga. A prima Laureci, que veio de Guarulhos-SP, fez uma oração. Cantamos o refrão de uma canção que compus sobre o Profeta:
“João Batista,eu sou, eu sou fogo, sou Jordão
No deserto estou gritando, ê: conversão!”
Cada pessoa pode lembrar nomes de pessoas amadas, cuja memória tornamos presentes. Juntos, num coro de palmas e vozes, entoamos o conhecido: “bate palmas, minha gente, bota fogo na fogueira, tá aberto o arraiá de São João nas Aroeiras…”
Aos poucos, o terreiro foi se enchendo de gente, na maioria jovens e crianças, vindos de Guassussê e Palestina. O Grupo de Capoeira Água de Beber, coordenado pelo nosso parceiro Francisco Machado de Prata, fez uma bela apresentação. No casamento, improvisado, um misto de teatro livre e bonecos. Até o jumento do compadre Aldecir veio vestido a rigor. Os noivos –Maria Gambá e Zé Preá- vieram, com seu cortejo, até a fogueira como pessoas humanas, ali, ao clarão do fogo, se transformaram em bonecos e deram um show de alegria. Maíra puxou uma ciranda, lembrando as danças circulares já trabalhadas no Projeto Sertão Vivo. A quadrilha já estava ensaiada e comandada pelos jovens Leandro, Thiago e Mônica. Na janela do oitão, a fila foi se formando e todos recebiam as comidas típicas: mungunzá salgado e doce, aluá, quentão, bolo, sucos naturais. A exceção para o único refrigerante de caju S. Geraldo, do Juazeiro do Padim Ciço. O forró pé-de-serra chamou os dançarinos para o terreiro. Pelas 22:00 horas a festa estava terminando sob uma chuva leve, que apagou a poeira, sem baixar o fogo da fogueira e dos corações mais afoitos.
No dia 24, juntamente com Eliane e Rafael, fomos tocar no encerramento da festa de São João Batista, na cidade do Cedro, que festejava os 90 anos de história.
O encerramento do Arraial é feito sempre com a celebração de algum compadrio e a circulação da casa, com as cinzas da fogueira, repetindo a expressão: “São João disse, São Pedro confirmou: nenhum mal entra nesta casa, que Jesus mandou!”. Alguns de nós trazemos de volta um pouco daquelas cinzas, temperadas com saudades, para nossas casas distantes.
A certeza de que, cultivando as tradições saudáveis, podemos alimentar nossas ações do presente e seguir mais firmes para o futuro que sonhamos construir no Sertão Vivo vai nos animando e fortalecendo nossa esperança.
Na festa de S. Pedro, 29 de junho de 2011.