Corpoética, caleidoscópio e ensino, Zé Lima

O caleidoscópio nasceu na Inglaterra nos primeiros anos do século XIX, mais precisamente em 1816. Seu inventor, Sir David Brewster (1781-1868), conhecendo grego antigo, uniu as palavras kalos (belo), eidos (imagem) e scopeo (vejo). Assim, caleidoscópio quer dizer vejo belas imagens.

Já o ensino nasceu bem antes, muito antes. Nasceu com a cultura; é cultura. O ensino resulta de uma impressão de signos. É, sem dúvida,insigno, impregnação de marcas. Por conta do ensino também se forjaram políticas acadêmicas e pedagógicas com seus cursos, suas disciplinas, aulas, didáticas…
No contexto da corpoética talvez o caleidoscópio se preste como emblema para uma sistematização de signos. Com seu movimento a ecoar invento, fragmento, deslocamento, aproveitamento, espelhamento, ondeamento, evento etc., o caleidoscópio ilustra como a corporeidade faz girar signos em sua poiesis.
Na condição humana, a passagem da esfera natural para o âmbito da cultura não é automática. Ser humano não é necessário e nem preciso; é um caso confuso de liberdade. Sem linguagem e educação permaneceríamos bichos. Com elas, o melhor disfarce: parecemos gente. Valendo-nos do que a espécie possibilita e do que os signos representam, inventamos a nós mesmos.
A grandeza da linguagem e da educação é também seu limite: os signos e o insigno representam e repõem pedaços da condição humana. Assim, a realidade e a totalidade são invenções apressadas e precárias de fragmentos que nem sempre a linguagem e a educação esgotam. Por isso, pedagogia se faz com esboços de trejeitos e lascas de desejos.
Através da linguagem, a arte da educação é uma ciência; melhor ainda, uma sapiência. Haja vista que por certo, direto e reto só mesmo a morte, então a gente reinventa a vida deslocando fragmentos. Acima de tudo, pedagogia é excursão. Saída do curso.Teimosia rebelde. Desenho de um desvio. Curva ao sentido. Parábola. Distração que diz-trai a morte. Adiamento da chegada ao fim.
Na língua se sente o sabor. Na linguagem se sabe a educação. Desta faz bom proveito quem degusta leituras e experimentos como gomos de tangerina. Contudo, nem sempre a fruta é própria, acessível. Há que se recolher, pois, circunstâncias pra arranjar nacos de banana-terra, abacaxi-water, manga-feu, maçã-aire etc. Daí, um aproveitamento melhor: saladaula antropofágica.
A educação depende da imitação assim como narciso de sua imagem. O idioma da pedagogia se chama espelho. E pelas versatilidades das ópticas, são inúmeras as mímicas curriculares, inclusive as emancipadoras e instigantes. Afinal, sempre é bom lembrar que não há outro jeito da gente ser, conhecer e fazer senão pelos espelhamentos que nossas linguagens mediam.
Teorias surgem, teorias somem. Didáticas vêm, didáticas vão. Currículos se sustentam, currículos se esgotam.
Os ondeamentospedagógicos não cessam de cumprir descobertas fantásticas e desatinos assombrosos. Gira a história e linhas educacionais se tensionam e se negam e se superam e se repetem e se rejeitam e se renovam e se acabam e se reciclam e se tensionam…
Em meio a isso tudo…, ainda vemos belas imagens: uma aula como varanda arejada, quintal exposto, pátio aberto… Ainda vemos uma lição como leitura sedutora, escolha cordial, livre passeio de interrogações e reticências. Ainda vemos belos momentos de surpresas inesquecíveis, eventos pedagógicos preciosos, raros, gratificantes… Corpoética com insignamentos caleidoscópicos.
http://www.corpoetica.com/

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