Por MARCOS CAETANO*
Dois grandes amigos, que ainda não sabiam que se tornariam grandes amigos – apesar de que os grandes amigos agem como tal desde a primeira vez que se encontram –, conversam numa tradicional festa de final de ano da empresa. Depois das habituais divagações sobre o clima, um par de comentários ácidos sobre a politicagem corporativa e, mais do que tudo, por conta de alguns cálices de vinho, o diálogo torna-se franco e quase confessional. Ambos coincidiam na aversão ao Natal:
– E eu que pensei que era o único sujeito no mundo que odiava festas de fim de ano. Bem, ao menos eu tenho um motivo para isso. Não gosto de falar sobre o assunto, mas, como não sei se nos encontraremos de novo, aproveito para desabafar. Não odeio o Natal desde sempre. Meu pai era um festeiro incorrigível – e sempre dava um jeito, às vezes se endividando, de fazer uma celebração inesquecível. Os melhores presentes, a melhor comida, o melhor vinho, bem diferente desta porcaria que estamos tomando. Até que um dia, uma semana antes do Natal, o velho se foi. De repente. Sem mandar aviso. Dizem que foi um aneurisma. A cara garrafa de vinho que ele havia comprado para a festa está guardada, até hoje. Desde então, odeio o mês de dezembro. Rezo para que passe logo.
– Sua história é triste, amigo. Só não é mais triste do que a minha. A minha chega a ser ridícula, o que a torna ainda mais triste. Meu pai morreu vestido de Papai Noel. Dá para acreditar nisso? Morávamos na Zona Norte, onde, em dezembro, faz aquele calor insuportável. Todo ano, o velho cismava de se vestir de Papai Noel. Fatiota completa. Barriga com enchimento, roupa de cetim, barba postiça, botas, o diabo. No início, para agradar os filhos. Quando os filhos cresceram, para agradar netos e sobrinhos. O coração dele já não era bom. Com o calor de 40º, a emoção e dez quilos de roupa, ele desfaleceu logo depois da entrada triunfal, à meia-noite. Já chegou sem vida ao hospital. Há muitos anos que eu não sei o que é Natal. Amanhã mesmo viajo para me esconder do mundo. Nem minha mãe sabe para onde vou.
E foi nesse ponto da conversa que aconteceu o que alguns chamariam de milagre de Natal, mas que, na verdade, foi mesmo mais um milagre do futebol. Após perceberem a coincidência de seus padecimentos, um dos amigos comenta:
– Para fazer justiça e não dizer que dezembro é uma desgraça completa, recordo que foi neste mês, mais precisamente no dia XX, que vivi a última grande alegria ao lado do meu velho: o título brasileiro do Corinthians, em 1990. Fomos ao estádio naquela tarde maravilhosa. Dias depois, ele se foi.
– Corinthians e São Paulo? Aquela final do gol do Tupãzinho? Eu também estava lá! É incrível, mas também a última coisa que eu e o pai fizemos juntos.
Depois de constatada a extraordinária coincidência, os colegas se tornaram amigos para sempre. E para sempre, não na noite do dia 24, mas na tarde do dia 16 de dezembro, comemoraram juntos o seu Natal, relembrando os pais e o título do time do coração. Daquele dia em diante, por causa da comemoração das tardes do dia 16 de dezembro, ficou mais fácil comemorar no dia 24. E a vida dos amigos voltou a ser como era antes. Consta que um deles decidiu abrir a garrafa de vinho que o pai havia comprado. E que o outro honrou a tradição paterna e, desde então, vem se vestindo de Papai Noel nas noites de Natal.
*Publicado originalmente em “O Estado de S.Paulo”, em 28 de dezembro de 2008.