Trabalho doméstico e trabalho sexual de mulheres migrantes, Nancy Cardoso Pereira

9 de dezembro de 2013

Soy un montón de cosas santas mezcladas con cosas humanas como te explico . . . cosas mundanas.

As latino-americanas: pão, água, casa, planta… ummontón de cosas santas mescladas com cosas humanas… como te explico? cosas mundanas! Qual a diferença entre as coisas humanas e as coisas mundanas? niño, cuña, teta, techo, miedo, cuco, grito, llanto, raza. Cosas demasiadas mundanas – como te explico? cosas humanas. Empregadas domésticas, babás e trabalhadoras sexuais: yo soy! Duas realidades incômodas: a maioria das mulheres migrantes trabalham especialmente com duas questões econômicas vitais da vida: o trabalho doméstico e o trabalho  sexual. São trabalhos árduos, repetidos, não necessariamente criativos, de forte demanda, baixa remuneração podendo se diferenciar; o senso comum diz que para estas tarefas não é preciso qualificação, treinamento, formação ou coisa do tipo. Basta ser mulher. Que lugar social é esse? soy pan soy paz soy más. As coisas, as pessoas, os lugares impregnadas de uso se desgastam, envelhecem e ficam sujas. As roupas, os copos e as janelas. As crianças, os idosos e os doentes. O quarto, o escritório, a estação, a praça, a rua, a igreja. De estar vivo e de estar em uso, as coisas repetidamente estão necessitadas de cuidado, limpeza, consertos. De novo e de novo, viver produz lixo, produz cansaço, produz poeira, produz manchas, restos, cheiros. Qualquer que seja a forma social de produção ela tem de ser contínua, deve repetir rotineiramente as mesmas atividade criando as condições para continuar existindo. As casas que sempre se sujam. As camas sempre reviradas, o banheiro com cheiro mal, a louça acumulada na pia… as roupas que nunca ficam em paz! Sempre em trânsito entre as gavetas, os corpos e o tanque ou a máquina, o varal, o ferro a gaveta, o corpo e tudo de novo. Repetidíssimo. As coisas no armário, vindas do mercado, vindas das fábricas e plantações: se ajogam nas panelas, se encontram com facas, temperos e se esgotam nas fomes de novo e de novo. Cozinhar é tarefa sem fim! E os pratos sujos, a gordura agarrada nas panelas, a transparência embaçada dos copos! Fazer de novo e refazer.O trabalho doméstico é rotina necessária, a vida girando e se fazendo possível de novo. Demanda trabalho, demanda tecnologias de cuidado e mecanismos de continuidade. E não tem valor algum!

O cotidiano seria um ventre estéril, um encadeamento de repetições que organiza as relações, as necessidades e as resoluções na vida prática das comunidades…. O cotidiano, entendido como a vida ordinária – em todos os sentidos – seria o topos, a necessária e irremediável rotina que se oporia ao utópico, por isso mesmo, incapaz de expressar e ser permeado pelo valor ou pelo sagrado. O cotidiano, entendido como mesmice histórica, repetição incansável do mesmo; incapaz de fazer história. Nesta compreensão o cotidiano tem tempo igualado; o tempo se divide em parcelas de horas que se repetem marcando as necessidades e rotinas.  O cotidiano, então, teria sua linguagem: também ordinária, lida com um horizonte de sentido ordinário da palavra. No cotidiano as palavras seriam instrumentos corriqueiros de troca, sempre mantendo a relação entre palavra e coisa. O trabalho doméstico não tem dignidade nem valor. Historicamente e culturalmente feito por mulheres gratuitamente ou em situação de submissão… as mulheres migrantes estão aí neste lugar.

Fui niño, cuna , teta, techo, manta, más miedo, cuco, grito, llanto, raza, después mezclaron las palabras o se escapabanlas miradas algo pasó . . . no entendí nada. E o sexo. Também! Mesmice. Tudo igual. O mesmo desejo não resolvido, a mesma miséria sensual, erótica e sexual. A rotina do sexo legalizado em meios aos pequenos dramas do cotidiano cria o imaginário do sexo inesperado, pagado, rotineiramente sem rotina. O que falta? Ou o que sobra? “Todos nós, fazemos dinheiro com o uso de nosso corpo. Professores, operários, advogados, cantores de ópera, prostitutas, médicos, legisladores – todos nós fazemos coisas com partes do nosso corpo e recebemos um salário em troca. Algumas pessoas recebem um bom salário e outros não, alguns têm um grau relativamente alto de controle sobre seu trabalho e alguns têm pouco controle, alguns têm muitas opções de emprego e alguns têm muito pouco. E alguns são socialmente estigmatizadas e outros não.” A prostituição tem muitas características em comum com outras atividades que impliquem serviço corporal. Eledifere estas atividades em muitas maneiras sutis, mas a maior diferença consiste no fato de que é, hoje, mais amplamente estigmatizada. O estigma vem de um julgamento moral: historicamente,prostituição tem sido visto como imoral porque o sexo extraconjugal não reprodutivo foi vistocomo imoral. Mas em termos econômicos a prostituição é apenas uma expressão específica da exploração da força de trabalho geralo trabalhador. Defensores do trabalho sexual estão a favor de uma legislação protetora que iria melhorar as condições de trabalho das prostitutas e diminuir o estigma social associado com a prostituição vinculado com experiências de violência. Os abolicionistas argumentam que a prostituição é realizada principalmente por mulherese, portanto, deve ser visto como parte da perpetuação dos papéis tradicionais de poder dos homens sobremulheres, e ser abolido. A prostituição é uma indústria transnacional de vários milhões que mobiliza internacionalmente milhões de trabalhadoras, regulado de forma muito diferentes, é altamente fragmentado em diferentes mercados, em que diferentes tipos de intermediários estão presentes. Uma prostituta vende sexo não- reprodutivo, enquanto uma mulher-esposa “vende” sexo reprodutivo associado ao trabalho doméstico. Soy um montón de cosas santas Mezcladas con cosas humanas como te explico . . . cosas mundanas.

O sexo: sexualidade é energia vital instintiva direcionada para o prazer, passível de variações quantitativas e qualitativas, vinculada à homeostase/ mecanismos de regulação da composição corporal, à afetividade, às relações sociais, às fases do desenvolvimento da libido infantil, ao erotismo, à genitalidade, à relação sexual, à procriação e à sublimação. Uau!</P> <P>Os estudiosos e estudiosas nos mostram que a sexualidade, longe de ser um fenômeno natural, é, ao contrário, profundamente suscetível às influências sociais e culturais. É produto de forças sociais e históricas. Os seres humanos são indivíduos sexualizados, portadores de um caráter sexual incluindo sentimentos sexuais harmônicos ou desarmônicos, condutas e fantasias sexuais, dificuldades e resoluções dos problemas sexuais.Culturalmente se reconhece o sexo convencional como sendo heterossexual, coital, com finalidade prazerosa e/ou procriativa, regularmente monogâmico, mediado pelo casamento. A sociedade e a cultura apontam se determinadas práticas sexuais são apropriadas ou não, morais ou imorais, saudáveis ou doentias. A atividade sexual sempre foi objeto de preocupação moral e, como tal, submetida a dispositivos de controle das práticas e comportamentos sexuais. Pornografia, prostituição, bares, saunas, casas de show, bordéis, casa de festas, e todo um conjunto de atividades e possibilidades flexionam o que é considerado como normativa sócio-cultural criando os espaços instituídos e precários que se afastam do modelo estabelecido familiar e monogâmico entendido como forma dominante de vivência da sexualidade na sociedade. (Eliana Calligaris (2006: 60), em Prostituição: O Eterno Feminino. Fora do contrato sexual institucionalizado, fora dos acordos sociais expressos nas unidades familiares a prostituição resiste teimosamente nos espaço paralelos. Necessidade? A demanda existe. Pensar políticas sociais, defesa de direitos e cidadania como também pastorais junto a e com trabalhadoras domésticas e trabalhadoras sexuais imigrantes não pode se reduzir ao enfrentamento dos problemas imediatos do mundo da imigração. É preciso pensar todo o sistema que gera e sustenta, que precisado trabalho doméstico e a prostituição como espaço complementar fundamental. Não se reduz a pensar a sexualidade prostituída das mulheres da zona, mas pensar a miséria sexual de homens e mulheres. Não se reduz a pensar os direitos das trabalhadoras domésticas mas desvelar a crise profunda com a economia do cuidado, e a necessidade de terceirizar e precarizar estas formas de trabalho. hay que sacarlo todo afuera, como la primavera nadiequiere que adentro algo se muera ablarmirándose a losojos sacarlo que se puede afuera para que adentro nazcan cosas nuevas.

Pe. Alfredo J. Gonçalves num texto de avaliação e retrospectiva de 20 anos da Pastoral dos Migrantes no Brasil aponta algumas características e desafios vitais para o trabalho pastoral com migrantes: a acolhida; a constante análise do fenômeno migratório; o desenvolvimento de uma espiritualidade, linguagem / comunicação com @s migrantes e entre eles e elas; a afirmação da cidadania universal e o protagonismo d@s migrantes em todos as dimensões do trabalho pastoral.  A acolhida constitui o DNA da Pastoral dos Migrantes. Evidente que o SPM não descobriu a acolhida…

A acolhida é, antes de tudo, uma lição d@s migrantes. São eles e elas que, em suas idas e vindas, e devido ao sofrimento que encontram pelo caminho, melhor se predispõem à solidariedade uns com os outr@s. @s migrantes se abrem à acolhida porque experimentam deslocamentos constantes e porque são obrigad@s a passar, e sabem a necessidade de um teto amigo. Deslocamentos e caminhos. Idas e vindas traçam um roteiro de sofrimento e de obrigação mas, abrem possibilidades de solidariedade e tornam possível que “tetos” sejam considerados “amigos”, “fraternos” e “seguros”.   Não basta aguardar que o migrante venha até nós, é preciso marcar presença nos lugares onde ele e elas estão: nas ruas, nas casas, nos alojamentos, nas oficinas de costura, nos locais de trabalho escravo, nas casas de show, nos bordéis, nos lugares degradantes e informais, nas fronteiras entre regiões e países, e assim por diante. Por motivos de tempo esta reflexão não tratará de todos os desafios de percurso, as trajetórias de muitas mulheres pelas fronteiras e a exasperação dos mecanismos sexistas de subordinação, exploração e violência.

A acolhida e a hospitalidade podem ser atitudes de risco! A migração revela desequilíbrios nas relações de poder, desigualdades de acesso às condições de vida e/ou modos de vida distintos. A presença do/da migrante deixa evidente estas desigualdades e desequilíbrios e/ou revela possibilidades diversas de “estar no mundo” (como por exemplo, os ciganos). Neste sentido, acolher migrantes pode trazer problemas para quem recebe, pode gerar conflitos com quem quer fazer a presença do/da migrante desaparecer para que o grupo social não tenha que lidar com suas desigualdades e dessemelhanças. Acolher e ir ao encontro do/da migrante é um aprendizado, é abrir-se para aprender com homens e mulheres que migram mais sobre o mundo, sobre os países e suas relações econômicas… em seu deslocamento os/as migrantes fazem uma análise de conjuntura vivencial sobre possibilidades e expectativas de vida, visibilizam as estruturas sociais e tornam evidentes os tetos “amigos”, capazes da acolhida. Quem se abre e acolhe o/a migrante é modificado/a pela presença do outro/a. A migração é assim oportunidade de aprendizagem, oportunidade de entender melhor o mundo e um desafio de avaliação do teto que se tem sobre a cabeça. A hospitalidade expressa esta participação nos processos de mobilidade… peregrinos e estrangeiros eram e foram muitos, os motivos para as andanças e migrações eram todas tão conhecidas. Acolher o migrante faz de quem oferece a hospitalidade um participante da trajetória do/a outro/a, refaz seu próprio caminho, faz a memória de seus deslocamentos.

Nas memórias bíblicas estas situações de mobilidade humana e acolhimento estão sempre marcadas por situações de risco e de conflito. Receber alguém em casa pode ser acolher problemas… mas também acolher a oportunidade de tornar os “tetos” e as estruturas sociais amigáveis e seguras.  A acolhida implica também em receber as narrativas migrantes, os porquês da trajetória não podem ser pre-julgados e condicionarem a acolhida. Em especial na situação das trabalhadoras sexuais, as narrativas são ambíguas e precisam ser ouvidas com atenção. Nem todo trabalho sexual migrante é fruto de tráfico ou de situação de violência. As narrativas da trabalhadoras sexuais podem ser de afirmação da liberdade de escolha da atividade e de reivindicação de direitos sem o abandono da prática. É fundamental se manter críticos em relação a programas governamentais e de ongs que tomam a parte pelo todo e não escutam as vozes de mulheres migrantes trabalhadoras seuxais na afirmação de seu protagonismo e direito de organizar seu corpo e  trabalho com liberdade e dignidade.

O desafio radical de Jesus continua: E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? Ou num bordel e nos acercamos? … ou lavando o chão em terra estranha e te ajudamos com o pano de chão? Em verdade vos digo que quando o fizestes a uma destas irmãs, a mim o fizestes.  (conversando com Mateus 25, 38 e 40…)

Que lugar social é esse? soy pan soy paz soy más

[1] [Martha Nussbaum, Sex and Social Justice, 1999]</P> <P>[2]http://www.scielo.br/pdf/anp/v52n1/24.pdf  http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?pid=S0873-65612013000100007&script=sci_arttext

 

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