Sobre a Renúncia do Papa – Ivone Gebara, Leonardo Boff, Hans King e Nancy Cardoso

A eleição de um novo papa e o Espírito Santo – Ivone Gebara

“Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece”, escreve Ivone Gebara, escritora, filósofa e teóloga, em artigo publicado por Adital, 13-02-2013.

Depois da louvável atitude do ancião Bento XVI renunciando ao governo da Igreja Católica Romana sucederam-se entrevistas com alguns bispos e sacerdotes nas rádios e televisões de todo o país. Sem dúvida, um acontecimento de tal importância para a Igreja Católica Romana é notícia e leva a previsões, elucubrações de variados tipos, sobretudo de suspeitas, intrigas e conflitos dentro dos muros do Vaticano que teriam apressado a decisão do papa.

No contexto das primeiras notícias, o que chamou a minha atenção foi algo à primeira vista pequeno e insignificante para os analistas que tratam dos assuntos do Vaticano. Trata-se da forma como alguns padres entrevistados ou padres liderando uma programação televisiva, quando perguntados sobre quem seria o novo papa saíssem pela tangente. Apelavam para a inspiração ou vontade do Espírito Santo como aquele do qual dependia a escolha do novo pontífice romano. Nada de pensar em pessoas concretas para responder a situações mundiais desafiantes, nada de suscitar uma reflexão na comunidade, nada de falar dos problemas atuais da Igreja que a tem levado a um significativo marasmo, nada de ouvir os clamores da comunidade católica por uma democratização significativa das estruturas anacrônicas de sustentação da Igreja institucional.

A formação teológica desses padres comunicadores não lhes permite sair de um discurso padrão trivial e abstrato bem conhecido, um discurso que continua fazendo apelo a forças ocultas e de certa forma confirmando seu próprio poder. A contínua referência ao Espírito Santo a partir de um misterioso modelo hierárquico é uma forma de camuflar os reais problemas da Igreja e uma forma de retórica religiosa para não desvendar os conflitos internos que a instituição tem vivido. A teologia do Espírito Santo continua para eles mágica e expressando explicações que já não conseguem mais falar aos corações e às consciências de muitas pessoas que têm apreço pelo legado do Movimento de Jesus de Nazaré. É uma teologia que continua igualmente a provocar a passividade do povo crente frente às muitas dominações inclusive as religiosas. Continuam repetindo fórmulas como se estas satisfizessem a maioria das pessoas.

Entristece-me o fato de verificar mais uma vez que os religiosos e alguns leigos atuando nos meios de comunicação não percebam que estamos num mundo em que os discursos precisam ser mais assertivos e marcados por referências filosóficas para além da tradicional escolástica. Um referencial humanista os tornaria bem mais compreensivos para o comum das pessoas incluindo-se aqui os não católicos e os não religiosos.

A responsabilidade da mídia religiosa é enorme e inclui a importância de mostrar o quanto a história da Igreja depende das relações e interferências de todas as histórias dos países e das pessoas individuais. Já é tempo de sairmos dessa linguagem metafísica abstrata como se um Deus iria se ocupar especialmente de eleger o novo papa prescindindo dos conflitos, desafios, iniqüidades e qualidades humanas. Já é tempo de enfrentarmos um cristianismo que admita o conflito das vontades humanas e que no final de um processo eletivo, nem sempre a escolha feita pode ser considerada a melhor para o conjunto. Enfrentar a história da Igreja como uma história construída por todos e todas nós é testemunhar respeito por nós mesmas/os e mostrar a responsabilidade que todas e todos que nos consideramos membros da comunidade católica romana temos.

A eleição de um novo papa é algo que tem a ver com o conjunto das comunidades católicas espalhadas pelo mundo e não apenas com uma elite idosa minoritária e masculina. Por isso, é preciso ir mais além de um discurso justificativo do poder papal e enfrentar-se aos problemas e desafios reais que estamos vivendo. Sem dúvida, para isso as dificuldades são muitas e enfrentá-las exige novas convicções e o desejo real de promover mudanças que favoreçam a convivência humana.

Preocupa-me mais uma vez que não se discuta de forma mais aberta o fato de o governo da Igreja institucional ser entregue a pessoas idosas que apesar de suas qualidades e sabedoria já não conseguem mais enfrentar com vigor e desenvoltura os desafios que estas funções representam. Até quando a gerontocracia masculina papal será o doublé da imagem de um Deus branco, idoso e de barbas brancas? Haveria alguma possibilidade de sair desse esquema ou de ao menos começar uma discussão em vista de uma organização futura diferente? Haveria alguma possibilidade de abrir essas discussões nas comunidades cristãs populares que têm o direito à informação e à formação cristã mais ajustada aos nossos tempos?

Sabemos o quanto a força das religiões depende de desafios e comportamentos frutos de convicções capazes de sustentar a vida de muitos grupos. Entretanto, as convicções religiosas não podem se reduzir a uma visão estática das tradições e nem a uma visão deliberadamente ingênua das relações humanas. As convicções religiosas igualmente não podem ser reduzidas a onda de devoções as mais variadas que se propagam através dos meios de comunicação. E mais, não podemos continuar tratando o povo como ignorante e incapaz de perguntas inteligentes e astutas em relação à Igreja. Entretanto, os padres comunicadores acreditam tratar com pessoas passivas e entre elas estão muitos jovens que desenvolvem um culto romântico em torno da figura do papa.

Os religiosos mantêm essa situação muitas vezes cômoda por ignorância ou por avidez de poder. Provar a interferência divina nas escolhas que a Igreja Católica hierárquica, prescindindo da vontade das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo é um exemplo flagrante dessa situação. É como se quisessem reafirmar erroneamente que a Igreja é em primeiro lugar o clero e as autoridades cardinalícias às quais é dado o poder de eleger o novo papa e que esta é a vontade de Deus. Aos milhares de fiéis cabe apenas rezar para que o Espírito Santo escolha o melhor e esperar até que a fumaça branca anuncie uma vez mais o “habemus papam”. De maneira hábil sempre estão tentando fazer os fiéis escapar da história real, de sua responsabilidade coletiva e apelar para forças superiores que dirijam a história e a Igreja.

É pena que esses formadores de opinião pública estejam ainda vivendo num mundo teologicamente e talvez até historicamente pré-moderno em que o sagrado parece se separar do mundo real e pousar numa esfera superior de poderes à qual apenas alguns poucos têm acesso quase direto. É desolador ver como a consciência crítica em relação às suas próprias crenças infantis não tenha sido acordada em beneficio próprio e em benefício da comunidade cristã. Parece até que acentuamos os muitos obscurantismos religiosos presentes em todas as épocas enquanto o Evangelho de Jesus continuamente convoca para a responsabilidade comum de uns em relação aos outros.

Sabendo das muitas dificuldades enfrentadas pelo papa Bento XVI durante seu curto ministério papal, as empresas de comunicação católica apenas ressaltam suas qualidades, sua doação à Igreja, sua inteligência teológica, seu pensamento vigoroso como se quisessem mais uma vez esconder os limites de sua personalidade e de sua postura política não apenas como pontífice, mas também por muitos anos, como presidente da Congregação da Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício. Não permitem que as contradições humanas do homem Joseph Ratzinger apareçam e que sua intransigência legalista e o tratamento punitivo que caracterizaram, em parte, sua pessoa sejam lembrados. Falam desde sua eleição, sobretudo de um papado de transição. Sem dúvida de transição, mas de transição para que?

Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece. Estes privilégios tanto do ponto de vista econômico quanto político e sócio cultural mantêm o papado e o Vaticano como um Estado masculino à parte. Mas um Estado masculino com representação diplomática influente e servido por milhares de mulheres através do mundo nas diferentes instâncias de sua organização. Esse fato nos convida igualmente a pensar sobre o tipo de relações sociais de gênero que esse Estado continua mantendo na história social e política da atualidade.

As estruturas pré-modernas que ainda mantém esse poder religioso precisam ser confrontadas com os anseios democráticos de nossos povos na busca de novas formas de organização que se coadunem melhor com os tempos e grupos plurais de hoje. Precisam ser confrontadas com as lutas das mulheres, das minorias e maiorias raciais, de pessoas de diferentes orientações sexuais e escolhas, de pensadores, de cientistas e de trabalhadores das mais distintas profissões. Precisam ser retrabalhadas na linha de um diálogo maior e mais profícuo com outros credos religiosos e sabedorias espalhadas pelo mundo.

E para terminar, quero voltar ao Espírito Santo, a esse vento que sopra em cada uma/um de nós, a esse sopro em nós e maior do que nós que nos aproxima e nos faz interdependentes de todos os viventes. Um sopro de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e ternura, sopro de igualdade e diferença. Este sopro não pode mais ser usado para justificar e manter estruturas privilegiadas de poder e tradições mais antigas ou medievais como se fossem uma lei ou uma norma indiscutível e imutável.

O vento, o ar, o espírito sopra onde quer e ninguém deve se atrever a querer ser ainda uma vez seu proprietário. O espírito é a força que nos aproxima uns dos outros, é a atração que permite que nos reconheçamos como semelhantes e diferentes, como amigas e amigos e que juntos/as busquemos caminhos de convivência, de paz e justiça.

Esses caminhos do espírito são os que nos permitem reagir às forças opressoras que nascem de nossa própria humanidade, os que nos levam a denunciar as forças que impedem a circulação da seiva da vida, os que nos levam a des-cobrir os segredos ocultos dos poderosos. Por isso, o espírito se mostra em ações de misericórdia, em pão partilhado, em poder partilhado, em cura das feridas, em reforma agrária, em comércio justo, em armas transformadas em arados, enfim, em vida em abundância para todas/os. Esse parece ser o poder do espírito em nós, poder que necessita ser acordado a cada novo momento de nossa história e ser acordado por nós, entre nós e para nós.

(Conheça o livro Terra – Eco Sagrado, de Ivone Gebara e Arno Kayser)

http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=8&noticiaId=3736

Boff: Como se formou o poder monárquico-absolutista dos papas

Terça-feira, 12 de fevereiro de 2013 – 18h21min

por CESEEP

Escrevíamos anteriormente neste espaço que a crise da Igreja-instituicão-hierarquia se radica na absoluta concentração de poder na pessoa do Papa, poder exercido de forma absolutista e distanciado de qualquer participação dos cristãos, criando obstáculos praticamente intransponíveis para o diálogo ecumênico com as outras Igrejas.

Não foi assim no começo. A Igreja era uma comunidade fraternal. Não havia ainda a figura do Papa. Quem comandava na Igreja era o Imperador pois ele era o Sumo Pontífice (Pontifex Maximus) e não o bispo de Roma ou de Constantinopla, as duas capitais do Império. Assim o imperador Constantino convocou o primeiro concílio ecumênico de Nicéia (325) para decidir a questão da divindade de Cristo. Ainda no século VI o imperador Justiniano que refez a união das duas partes do Império, a do Ocidente e a do Oriente, reclamou para si o primado de direito e não o do bispo de Roma. No entanto, pelo fato de em Roma estarem as sepulturas de Pedro e de Paulo, a Igreja romana gozava de especial prestígio, bem como o seu bispo que diante dos outros tinha a “presidência no amor” e o “exercia o serviço de Pedro” o de “confirmar na fé” e não a supremacia de Pedro no mando.

Tudo mudou com o Papa Leão I (440-461), grande jurista e homem de Estado. Ele copiou a forma romana de poder que é o absolutismo e o autoritarismo do Imperador. Começou a interpretar em termos estritamente jurídicos os três textos do Novo Testamento atinentes a Pedro: Pedro como pedra sobre a qual se construiria a Igreja (Mt 16,18), Pedro, o confirmador da fé (Lc 22,32) e Pedro como Pastor que deve tomar conta das ovelhas (Jo 21,15). O sentido bíblico e jesuânico vai numa linha totalmente contrária: do amor, do serviço e da renúncia a toda supremacia. Mas predominou a leitura do direito romano absolutista. Consequentemente Leão I assumiu o título de Sumo Pontífice e de Papa em sentido próprio. Logo após, os demais Papas começaram a usar as insígnias e a indumentária imperial (a púrpura), a mitra, o trono dourado, o báculo, as estolas, o pálio, a cobertura de ombros (mozeta), a formação dos palácios com sua corte e a introdução de hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje nos cardeais e nos bispos, coisa que escandaliza não poucos cristãos que leem nos Evangelhos que Jesus era um operário pobre e sem aparato. Então começou a ficar claro que os hierarcas estão mais próximos do palácio de Herodes do que da gruta de Belém.

Mas há um fenômeno para nós de difícil compreensão: no afã de legitimar esta transformação e de garantir o poder absoluto do Papa, forjou-se uma série de documentos falsos. Primeiro, uma pretensa carta do Papa Clemente (+96), sucessor de Pedro em Roma, dirigida a Tiago, irmão do Senhor, o grande pastor de Jerusalém. Nela se dizia que Pedro, antes de morrer, determinara que ele, Clemente, seria o único e legítimo sucessor. E evidentemente os demais que viriam depois. Falsificação maior foi ainda a famosa Doação de Constantino, um documento forjado na época de Leão I segundo o qual Constantino teria dado ao Papa de Roma como doação todo Império Romano. Mais tarde, nas disputas com os reis francos, se criou outra grande falsificação as Pseudodecretais de Isidoro que reuniam falsos documentos e cartas como se viessem dos primeiros séculos que reforçavam o primado jurídico do Papa de Roma. E tudo culminou com o Código de Graciano no século XIII tido como base do direito canônico, mas que se embasava em falsificações de leis e normas que reforçavam o poder central de Roma, não obstante, cânones verdadeiros que circulavam pelas igrejas.

Logicamente, tudo isso foi desmascarado mais tarde sem qualquer modificação no absolutismo dos Papas. Mas é lamentável e um cristão adulto deve conhecer os ardis usados e forjados para gestar um poder que está na contra-mão dos ideais de Jesus e que obscurece o fascínio pela mensagem cristã, portadora de um novo tipo de exercício do poder, serviçal e participativo.

Verificou-se posteriormente um crescendo no poder dos Papas: Gregório VII (+1085) em seu Dictatus Papae (“a ditadura do Papa”) se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo; Inocêncio III (+1216) se anunciou como vigário-representante de Cristo e por fim, Inocêncio IV(+1254) se arvorou em representante de Deus. Como tal, sob Pio IX em 1870, o Papa foi proclamado infalível em campo de doutrina e moral. Curiosamente, todos estes excessos nunca foram retratados e corrigidos pela Igreja hierárquica. Eles continuam valendo para escândalo dos que ainda creem no Nazareno pobre, humilde artesão e camponês mediterrâneo, perseguido, executado na cruz e ressuscitado para se insurgir contra toda busca de poder e mais poder mesmo dentro da Igreja. Essa compreensão comete um esquecimento imperdoável: os verdadeiros vigários-representantes de Cristo, segundo o Evangelho (Mt 25,45) são os pobres, os sedentos e os famintos.

http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=20&noticiaId=3728

‘Uma decisão quase revolucionária – Entrevista com Hans Küng

Terça-feira, 12 de fevereiro de 2013 – 21h43min

por A reportagem é de Walter Rauhe, publicada no jornal Il Messaggero. A tradução é de Moisés Sbardelotto

O telefone Hans Küng de tocou nessa segunda-feira quase ininterruptamente. Pouco depois das 11h46, quando a agência de notícias Ansa emitiu o seu primeiro comunicado sobre a renúncia de Bento XVI , redações de todo o mundo bombardearam com telefonemas todo mais conhecido entre os teólogos rebeldes e expoentes da dissidência dentro do catolicismo e que, há mais de 40 anos, está no centro de uma dura controvérsia teológica com Joseph Ratzinger.

Para Küng, hoje com 84 anos, a chocante renúncia de Bento XVI também poderia representar um pequeno triunfo. Ex-colega de Ratzinger na Faculdade de Teologia Católica de Tübingen, Küng foi suspenso em 1979 justamente pela Congregação para a Doutrina da Fé de Ratzinger, que lhe revogou a missio canonica, ou seja, a autorização para o ensino da teologia católica. E isso por causa das suas fortes críticas à rígida hierarquia do Vaticano, à autoridade do papa, ao seu questionamento da infalibilidade pontifícia e à sua luta em favor da admissão de mulheres e de leigos a todo ministério

“Eu já disse tudo à agência de notícias alemã DPA“, responde-nos em um tom quase irritado, quando – depois de infinitas tentativas – conseguimos finalmente contatá-lo ao telefone.

Mas, depois de alguns instantes de hesitação, o teólogo de origem suíça, acrescenta espontaneamente a algumas considerações.

“Não, eu não sinto uma sensação de triunfo ou mesmo de satisfação tardia. Por que deveria? Ao contrário. A decisão de Bento XVI merece grande respeito, é legítima, compreensível e também corajosa. Eu nunca esperaria que esse papa chegasse um dia a me surpreender de maneira positiva”.

Eis a entrevista.

Em que sentido?

Nem mesmo Jesus Cristo desceu da cruz – disse João Paulo II em seu tempo, explicando as razões da sua permanência à frente da Igreja Católica, mesmo depois que a sua doença já limitava de modo visível as suas atividades, roubando-lhe até mesmo a voz. Bento XVI, ao invés, tomou outra decisão, quase revolucionária e secular. Quase como se fosse um simples presidente da República ou um representante do mundo político. A renúncia ao seu cargo e a passagem de consignas a um novo pontífice. E isso pelo próprio bem da Igreja. Incrível! Eu nunca esperaria isso dele.

O severo professor de teologia e o representante do catolicismo mais ortodoxo e dogmático tão criticado pelo senhor, portanto, introduziu, com a sua renúncia, uma modernização e uma abertura da Igreja?

Ainda é cedo para dizer, e eu não sei até que ponto o pontífice está consciente dos efeitos e das consequências da sua escolha. Agora é preciso esperar que Joseph Ratzinger não exerça influência demais na escolha do seu sucessor.

Uma escolha que decidirá a linha futura da Igreja Católica. O senhor acha que o próximo pontífice irá abrir o caminho para as reformas e a modernização da Igreja que o senhor tanto deseja?

Com relação a isso, eu permaneceria cético. Durante o seu pontificado, Ratzinger nomeou muitos cardeais conservadores e ortodoxos, fidelíssimos seguidores das suas doutrinas. Portanto, será difícil encontrar justamente entre eles a pessoa certa que seja capaz de fazer com que a Igreja Católica saia da sua complexa e profunda crise que está vivendo há já muitos anos e que não foi provocada e agravada apenas por Bento XVI, mas também pelo seu antecessor.

* * *

Mas nas palavras ponderadas e prudentes do teólogo dissidente de Tübingen transparece igualmente um otimismo cauteloso e quase uma disponibilidade para a reconciliação com um histórico adversário. Além disso, foi o próprio Ratzinger que buscou o diálogo com o teólogo “herege” de Tübingen.

Em setembro de 2005, Bento XVI acolheu Hans Küng em Castel Gandolfo para discutir com ele por nada menos do que quatro horas as posições diametralmente opostas em questões teológicas. Um colóquio que ocorreu em um clima relação amigável e de recíproco respeito”, como dizia então o comunicado oficial emitido pela Santa Sé.

A tentativa de reconciliação entre os dois, porém, durou pouco. As polêmicas em torno da reintegração na Igreja oficial dos ultraortodoxos e negacionistas lefevrianos e o escândalo envolvendo os abusos sexuais ocorridos dentro de inúmeras instituições religiosas na Alemanha reabriram as velhas discordâncias, tanto que, ainda em 2010, Hans Küng definiu o pontificado de Bento XVI como um completo fracasso.

 http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=29&noticiaId=3730

A sopa de pedra do Papa: ficamos com mais fome!

by Nancy Cardoso Pereira on Thursday, February 14, 2013 at 11:15am

Um frade pobre, que andava em peregrinação, chegou a uma casa e, entre faminto e constrangido demais para simplesmente pedir comida, pediu aos donos da casa que lhe emprestassem uma panela para ele preparar uma sopa – de pedra… E tirou da sua bolsa uma bela pedra lisa e bem lavada. Os donos da casa ficaram curiosos e, de imediato, deixaram entrar o frade para a cozinha e deram-lhe a panela. O frade colocou a panela ao lume só com a pedra, mas logo disse que era preciso temperar a sopa… A dona da casa deu-lhe o sal, mas ele sugeriu que era melhor se fosse um bocado de chouriço ou toucinho. E assim foi! Então, o frade perguntou se não tinham qualquer coisa para engrossar a sopa , como batatas ou feijão que tivessem restado da refeição anterior… Assim se engrossou a sopa “de pedra”. Juntaram-se couves, cenouras, mais a carne que estava junta com o feijão e, evidentemente, resultou numa excelente sopa. Comeram juntos a sopa e, no final, o frade retirou cuidadosamente a pedra da panela, lavou-a e voltou a guardá-la na sua bolsa… para a sopa seguinte!

Todo mundo já ouviu esta história uma ou outra vez na vida. Existem variações…, mas, no final sempre acontece a refeição… Graça a Deus!

Entre a esperteza e a graça, a pedra no fundo da panela se encontra com os temperos, haveres e sobras da dona da casa que – acolhedora e curiosa – se deixa enganar com o truque sólido do visitante e sua pedra. A beleza da história é que os ingredientes da sopa já estavam lá! O visitante, o que sabe fazer, é motivar as possibilidades com sua pedra peregrina e nomear o que ele sabe existe na cozinha visitada e conhecer temperos novos. E o milagre acontece: ninguém fica com fome!

Imaginei assim a visita do Papa ao Brasil em 2007 – eu, na minha protestante convivência ecumênica! E retomo a imagem agora em 2013: um Frade e sua bolsa: ele traz a pedra… mas, os ingredientes, o tempero, a carne e o caldo já estavam aqui! O que a visita promove é o encontro da pedra com a carne, da pedra com o corpo, da permanência sem gosto com a transitoriedade substanciosa e gostosa. Palavra de Deus.

A pedra viaja o mundo e conhece diferentes maneiras de engrossar o caldo da teologia, de servir a sopa em pastorais amorosas e comprometidas com as fomes do mundo. Mas, o Frade/Papa não sabe e não quis saber o sabor da cozinha da fé de tanta gente…, a sua pedra ficou cada vez mais sozinha no fundo da panela.

O Frade/Papa não soube pedir e nomear os ingredientes e temperos da casa visitada desejosamente, sua pedra afundada e grave reinará absoluta e só no fundo da panela: nenhuma sopa, nenhum caldo…, nem comunhão. O importante na teologia é trazer sua Pedra…, mas, reconhecer sua Fome e a der tod@s. O Frade tem Fome… e precisa da cozinha do mundo.

As sopas não são feitas de Pedra!! As sopas são feitas de Fome e de Temperos, Haveres e Sobras de Deus na vida do Povo.

Na minha igreja também existem bispos e pastores que viajam com suas bolsas carregadas de Pedras… e nenhuma Fome. Entopem as panelas do povo com suas pedras e têm medo de tudo que é popular, que é cozinha, do que já estava lá quando o Evangelho chegou.

Triste mesmo é saber que estes Senhores e Suas Pedras não ousam visitar as cozinhas das mulheres, teólogas e leigas, militantes e feministas, benzedeiras e camponesas. Ah! Nossas panelas e suas funduras! Nossos temperos e frutos da terra! Nossas receitas e nossas pedras (também temos as nossas, lisas e redondas, pontiagudas e cortantes… dependendo da necessidade!!).

Teólog@s somos visitantes da fome do povo. Triste se o Visitante não tiver a graça e a sabedoria da velha história: a sopa de pedra vai ser só de pedra! Vamos ter que esperar ele ir embora pra continuar nossa paixão e fé: ninguém ficará com fome!! E agora… ele vai embora e deixa a pedra mais sozinha e insossa no fundo da panela do mundo.

Nancy Cardoso Pereira

Que tipo de Papa? As tensões internas da Igreja atual

Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013 – 15h07min

 

Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada Papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo?

Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.

Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo. O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.

Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade. O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia vive rem felizes no Reino dos libertos. A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.

O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos. Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de “Igreja” às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender.

O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e de Medellin e de Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus. O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.

O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão. Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos) e a espiritualidade (roubo de documentos secretos e problemas graves de transparência no Banco do Vaticano). Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.

 http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=29&noticiaId=3734

 

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