Posso escolher ser Marta, ou devo sempre ser Maria? O texto de Lucas 10, 38 a 42 representa bem o imaginário de disputa das mulheres seguidoras de Jesus, mas também a disputa entre modelos de fidelidade. O texto dobra as mulheres num binário fixo: a ativista e a piedosa, a prática e a contemplativa. De modo explícito o texto posiciona Marta numa postura de cobrança e rivalidade quando pede que Jesus avalie e se posicione em relação às duas irmãs. Quase não existe possibilidade de visualizar uma Marta contemplativa e uma Maria ativista. Colocadas uma contra a outra, as mulheres ainda precisam da aprovação de um homem para serem valorizadas.
A idéia de que o Evangelho faz o elogio da contemplação circula livremente entre nós afinal, “Maria escolheu a melhor parte” (v.42). Mas quem se dá bem mesmo nesta história e quem fica com “a melhor parte” é Jesus que reúne o melhor das duas discípulas, que convive sem excluir com uma e com outra. O amor e o companheirismo de Jesus (João 11, 5) se confirmam também em momento de crise e de tristeza em que Marta se adianta e Maria fica.
Se no primeiro caso da visita de Jesus o ativismo de Marta poderia ser exagerado, no segundo texto – da morte de Lázaro – não! Existe uma crise, uma perda, uma situação de emergência que tira Marta de casa, que aciona a pressa e encurta o caminho do clamor e da intervenção. Porque se apressa e se lança no grito, Marta antecipa também a boa nova de superação da crise: a morte não diz a última palavra: Lazaro quer dizer: “Deus é o meu auxílio”! A salvação vem.
A afirmação de fé de Marta: “eu tenho crido! ” e sua iniciativa de chamar a irmã Maria e também apressá-la faz com que a história de Lázaro corra mais depressa… do choro pela morte evidente ao clamor pela possibilidade de vida. Choro e lamentação que se resolvem em fé e esperança. Maria também corre. Todos se comovem. É hora de acreditar. Marta e Maria se igualam no pragmatismo e na esperança, na denúncia e no testemunho de fé, no que já “cheira mal” e no “tira essa pedra“.
“Lázaro, vem pra fora. Desatai-o, e deixai-o ir”. (João 11, 43 e 44)
Vivemos uma semana intensa nestes primeiros dias de inverno no Brasil: Rio +20, Cúpula dos Povos, conflito de terra no Pará, ameaça de golpe de direita no Paraguai… entre uma coisa e tantas outras a mídia golpista insiste no pragmatismo dos acordos ruins que protegem o capitalismo “tingido” de verde e ridiculariza as ações “radicais” dos/as ativistas, de manifestantes que não se contentam com os acordos entre governos porque sabem que “o papel é paciente… a história não é!”
No Belo Monte comunidades tradicionais e movimentos sociais se apressaram e na marra e na unha rasgaram a barragem que aprisiona o Xingu : tudo misturado, compromisso e mística, contemplação poética e intervenção política: “viva nossa luta”! (http://www.youtube.com/watch?v=ORXsACCjn8k&feature=player_embedded).
Nas ruas do Rio de Janeiro mais de 80 mil pessoas se organizaram e se mostraram comovidas e resolvidas, denunciaram a preguiça dos acordos governamentais e se afirmaram na impaciência do trabalho de base, da articulação de movimentos e agendas e na “fé cega faca amolada” de um outro mundo possível (http://www.youtube.com/watch?v=c2CLxeLNrLc_).
O papel é paciente, aceita tudo, aceita continuar destruindo vidas, comunidades e o planeta só mais um pouquinho pra salvar bancos, empresas e as elites mundiais. A história continua impaciente exigindo de nós tudo ao mesmo tempo: oração e luta, contemplação e intervenção. Nós, da leitura popular da Bíblia temos o desafio de não deixar a Bíblia ser um papel a mais, um documento preguiçoso e intimista. Desatamos os nós e vamos!
O documento final da Cúpula dos Povos vai juntando nossos compromissos e nossa oração:
Contra a militarização dos Estados e territórios;
Contra a criminalização das organizações e movimentos sociais;
Contra a violência contra as mulheres;
Contra as grandes corporações;
Contra a imposição do pagamento de dívidas econômicas injustas;
Pela garantia do direito dos povos à terra e território urbano e rural;
Pela soberania alimentar e alimentos sadios, contra agrotóxicos e transgênicos;
Pela garantia e conquista de direitos;
Pela solidariedade aos povos e países, principalmente os ameaçados por golpes militares ou institucionais, como está ocorrendo agora no Paraguai;
Pela soberania dos povos no controle dos bens comuns, contra as tentativas de mercantilização;
Pela democratização dos meios de comunicação;
Pelo reconhecimento da dívida histórica social e ecológica;
Pela construção do Dia Mundial de Greve Geral;
[1] Nancy Cardoso Pereira