interrompid@s venceremos! Nancy Cardoso Pereira

** nós não temos nada… mas nós possuimos tudo!**

E a teologia? Bem… esta anda cambaleando entre a paz da igreja, o conforto da universidade e o desassossego da luta popular. É hora de lembrar! De não esquecer: de onde viemos e com quem queremos ir! Os tempos são difíceis e uma teologia que observa os protestos de longe ou que vive somente de um passado de luta ainda vivo, mas não atualizado, não conhece os rigores e a paixão revolucionária do século XXI. Quem só faz teologia de “capes qualis scielo” já nem sabe mais o que fazer do clamor secular, crescente, inescutado, dos pobres da terra. Mas… e se? Qual teologia da libertação para esse tempo?

A história não tolera “se…”, eu sei! Não posso perguntar pelas coisas que não foram, pelas pessoas que não existiram, pelos livros que não foram escritos. Eis aqui a Realidade, soberana e vencedora, senhora do que é: diz controlar e disciplinar os fatos da história como um cortejo linear de obviedades. Mas a história não é repouso: é conflito! Não tem tempo de pretender contar tranqüilamente sobre si mesma. Pra quem olhar pra baixo, por baixo, embaixo… a história treme! gagueja! comete erros de concordância verbal, omite o sujeito com mãos torcidas e suadas. A história mente!

Por isso escrever uma história, uma panorâmica da Teologia da Libertação não pode ser um projeto dominado por uma temporalidade ordenada, linear, tratando de alinhavar bem sucedidas prosas teológicas. Não! não será pela lista pródiga de livros e escritos, nem pelo número de conferências e ouvintes. Parida na luta de classes dos terríveis anos de chumbo na América Latina, a história da Teologia da Libertação não pode ser uma montagem seletiva de autores, idéias e escritos.

Será uma história de “se!”… terá de incluir o que não pode ser dito: a censura! Terá de lidar com sons incompreensíveis e grunhidos: a tortura. Terá de ressuscitar os mortos – pessoas e comunidades. Porque elas estavam lá. Será uma história feita aos solavancos, soluços e arranques. Uma história de interrupções. Uma teologia interrompida. De libertação de interrompidas libertações. Interrompidas, mas sempre teologias. Quero contar da teologia da libertação a partir de suas interrupções:

 

Interromper vem do latim interruptio, onis, da raiz romp-, a mesma do verbo rumpo, is, ere, rupi, ruptum, que significa ‘romper, parar, interromper’, do substantivo ruptura, ae, ‘ruptura, fractura’, de corrumpo, is, ere, ‘destruir, estragar, corromper’ e, naturalmente, de interrumpo, is, ere, ‘interromper, quebrar a continuidade, romper pelo meio, cortar’. Não me parece que interrupção seja algo que se pode continuar depois: acto ou efeito de interromper(-se); descontinuação; suspensão; cessação…

 

Por isso fica sem sentido e bizarro que alguns senhores e senhoras insistam em medir à distância o grau de “sucesso”, “permanência”, “sobrevida”, “continuidade” da Teologia da Libertação. Está viva? Morreu? – perguntam. Um moço em Miami, responde ele mesmo de modo tão educado que: “morreu mas passa bem porque passou-se para teologia pública” ou o que valha.

Outros escondem suas burguesas trajetórias e se penduram nas escolhas do passado, fazendo triunfar um saudosismo exótico como se teologias de compromisso radical pudessem ser transformadas em relíquias que eles vendem em suas universidades de elite. Contam da Teologia da Libertação de concílio em concílio, de bispo em bispo, de documento em documento, de livro em livro, de teólogo em teólogo… uma história triunfalista e autoritária.

Os olhares burgueses e ávidos dos teólogos de aluguel perguntam:

  Morreu? Adoeceu? Enfraqueceu? Definhou? Definha?

Sempre esteve morta… e viva. Adoecida como os pobres do continente. Fraca e definhando: também. Porque sempre foi momento segundo de dizer a fé, do momento primeiro a vida absurda dos vencidos – homens e mulheres. Fazer teologia da libertação implica numa desconfiança da tradição de saber burguesa, uma relação de guerra de guerrilha com a universidade e seus bunkers e ditadores, uma relação difícil com as editoras e seus públicos… porque sempre encharcada de luta de classes… sempre encharcada de opção de classe. O pobre para si… nem para Deus, nem por mim.

A TdL sempre vive de elementos preteridos e esquecidos, faz do lugar dos vencidos seu lugar privilegiado de aprendizagem, escuta e escrita. Impossível estar aí neste lugar da fragilidade e do fracasso imposto pela rapina burguesa e não se deixar contaminar pela vulnerabilidade da opção.

Por isso querer ler a TdL por sua trajetória de sucessos e permanência, a partir de sua eficiência política e hegemonia discursiva mais do que um olhar equivocado se revela, e tem se revelado, como estratégia de cooptação e controle das práticas pastorais libertadoras e suas conexões políticas. O olhar triunfalista da história como disciplina pergunta pelos casos de sucessos da TdL que se esquiva e desaparece para não virar Parque Temático, nas palavras de Marcella Althaus-Reid. Deslembrança e silenciamento.

Assim as datas não querem dizer nada… a não ser que alguém queira.  Preparamos alguns estudos especiais para os 100 anos de Dom Helder Câmara e as datas foram mostrando outros nomes… até que chegamos em Camilo Torres. Camilo nasceu num 3 de fevereiro de 1929 e foi morto em fevereiro de 1965. Camilo é um dos nossos teólogos interrompidos mais querido! [1]

“Onde caiu Camilo nasceu uma cruz, porém não de madeira, e sim de luz”. (Victor Jara)

Hoje Camilo é nome de acampamento de sem teto e vive na luta do povo de Minas Gerais(http://picasaweb.google.com/brigadaspopulares/OcupaOCamiloTorres),

é nome de uma Unidade de Muralistas (http://www.fotolog.com/umct?locale=pt_BR),

identifica um Círculo Bolivariano de Cristãos de estudo e intervenção política no Rio de Janeiro(http://www.circulosbolivarianosbr.kit.net/nosso_circulos.htm)

e é nome de assentamento do MST e sempre lembrado nas jornadas socialistas do MST.

Vivíssimo! Presente…

 

E a teologia? Bem… esta anda cambaleando entre a paz da igreja, o conforto da universidade e o desassossego da luta popular. É hora de lembrar! De não esquecer de onde viemos e com quem queremos ir! Lembrar Camilo… a vertigem das escolhas e exercitar a subversiva memória nas palavras de Dom Pedro Casaldáliga (rogai por nos!):

 

“Vamos fazer verdade nossa memória, “e essa verdade será que não há esquecimento” (Mario Benedetti). Nem da vida, morte e ressurreição de Jesus, nem da história ambígua de sua Igreja, nem do clamor secular, crescente, inescutado, dos pobres da terra, nem de tantos e tantas testemunhas de sangue que nos convocam à fidelidade”.

 

Essa é a hora de reconhecer a luta das periferias urbanas e camponesas e sua radicalidade, que a juventude é muita coisa ao mesmo tempo e luta! que a religião fervilha nas estratégias do mercado e não cabe nos formatos experiência já sabida de comunidades de base. Homens e mulheres se amontoam nas ruas e enfrentam a polícia e desviam do spray de pimenta e das balas de borracha, e meninos e meninas são presos porque os acordos do lula-petismo já não respondem mais e não se aceita mais os direitos pela metade! Dignidade pela metade! Soberania pela metade! A gente quer inteiro e não pela metade! A violência policial é o que restou como a cara do passado autoritário que nunca foi embora.

Em algum momento vamos ter que discutir a questão do poder, as formas políticas de fazer valer a vida fora das sobras que o capitalismo distribui de forma desigual para jovens desiguais demais, comunidades desiguais demais. Tanto por fazer! Desmilitarizar a polícia. Controle social da mídia. Derrubar o capitalismo. Poder Popular.

Verdade há que não há esquecimento… esse tempo é outro mas é uma das pontas mais generosas e abusadas da nossa história e sua juventude. Qual a teologia pra esse tempo? Uma que desexplique! Uma impermanente! Ambiguidade, por favor! Feminista! Queer! Libertadora de deus e de si mesma! E “deus” o barulho! O rumor! … a gente toda junta!

 

o barulho engrossa

nem me vem com essa

de ficar no canto

tapando os ouvidos

 

tapar os ouvidos só faz com que

o barulho seja vc sozinho, todo o teu medo

o medo já temos bastante nesta cidade

 

vem, o barulho tá aqui dentro

sou eu, é vc

ouve, deixa que o barulho seja

a gente toda junta

 

– Ana Rusche

 

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