Exclamações da Alma – Sermão de Abival Pires da Silveira


* Sermão de um Abival Pires da Silveira, pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, um dos pastores que mais encantaram minha adolescência e juventude e me fizeram achar que ser pastor era uma profissão honrada, que poderia mudar o mundo, uma vocação de responsabilidade, de beleza e de honra. Eis um sermão dele.

Leitura Bíblica Lc.19.41-44 Mc 5.25-30

Ah! Se conheceras por ti mesmo, ainda hoje, o que te pode trazer a paz!

É chegada a Páscoa. Jerusalém agitada, prepara-se para a grande festa. Jesus também vem para as celebrações. O texto que lemos fala que quando ia chegando ao avistar a cidade Jesus chorou. É um lamento sobre Jerusalém. Jesus o expressa de uma forma dramática exclamando: Ah! Se conheceras por ti mesmo o que ainda hoje te pode trazer paz! Nesse lamento o que chama a atenção é a expressão inicial: “Ah! Se… Ah! Se…” essa é uma expressão muito rica em nossa língua. Ela é usada com e em diferentes conotações. Ela é uma exclamação que pode designar um estado de expectativa, de queixa, de culpa, de lamento, de alegria, de esperança.

Ah! Se eu soubesse…

Ah! Se eu pudesse…

Ah! Se eu conhecesse…

Ah! Se eu adivinhasse…

Ah! Se eu fosse rico…

Ah! Se eu tivesse estudado…

Ah! Se alguém me amasse…

Ah! Se alguém me ajudasse…

Ah! Se eu tivesse uma oportunidade…

Ah! Se eu não fosse tão teimoso…

Ah! Se realmente Deus me ajudasse.

Cada uma dessas exclamações esconde uma expectativa de vida. A grande maioria das pessoas vive procurando responsáveis pelos seus problemas, pelas dificuldades que enfrentam, pelas situações em que vivem, muitas vezes culpam a família, a sociedade, os amigos e o próprio Deus. Sentem pena de si mesmas achando que não merecem passar por tantas dificuldades. Que atitudes devemos ter quando enfrentamos lutas, problemas, tragédias, doenças, enfermidades, sofrimentos, injustiça, desesperança. Vamos explorar algumas dessas situações de vida, enunciadas na forma exclamativa de Ah! Se… daí o título que dei a essa mensagem:”exclamações da alma”.

  1. Ah! Se… da prisão do passado.

Ah! Se eu pudesse me libertar do meu passado. Todos nós sabemos quem é Marlon Brando- um famoso ator de cinema revelado em meados do século passado, já falecido. Aos 70 anos ele publicou um livro denominado: “Brando: canções que minha mãe me ensinou”. Nele ele conta como sua trágica família moldou na vida. Fala de seu pai como um caixeiro viajante promíscuo, alcoólatra, que tornou a vida de sua mãe insuportável. “minha mãe, escreve ele,também era alcoólatra. Eu a amava muito mas ela não me dava nenhuma atenção. Por outro lado eu era muito ligado as minhas outras duas irmãs, porque éramos todos chamuscados pela experiência de estar juntos naquela fornalha ardente que era nossa família. E conclui;”Se eu tivesse sido amado e criado de outro modo eu teria sido outra pessoa.” Ele fala de seu passado como uma prisão da qual nunca conseguiu se libertar. É como se o coração de sua vida tivesse sido congelado naquele passado. Há pessoas que transformam esse olhar para trás num estilo de vida, numa maneira de ser, contemplam a vida pelo espelho retrovisor talvez a ilustração bíblica mais significativa nesse sentido seja a que se encontra na advertência de Jesus: “ lembrai-vos da mulher de Ló.” Quando Deus estava para destruir Sodoma e Gomorra ele enviou mensageiros para darem um recado a Ló: “livra-te, salva tua vida, não olhes para trás, nem pares em toda campina.”Segue-se a história da fuga de Ló: a destruição das duas cidades e aquelas palavras fatais “e a mulher de Ló olhou para trás e converteu-se numa estátua de sal.” Deixar de olhar para trás, olhar sempre para frente, caso contrário nós também nos tornaremos prisioneiros do passado transformados em estátua de sal emocional e espiritual. Assim aconteceu também com o povo de Deus: todas as vezes que tiveram de enfrentar dificuldades voltavam ansiosos para o Egito. Haviam saído do Egito mas o Egito ainda morava neles. Qual o Egito que você carrega dentro de você e que vai sempre onde você vai?

  1. Ah! Se… Do inconformismo com o presente

Ah! Se tudo fosse diferente! São os eternos inconformados. Nunca estão contentes ou satisfeitos com a vida tal como ela é. Não aceitam e não enfrentam a realidade tal como ela é. E estão sempre encontrando razões e dando desculpas para isso. Uma jovem senhora casada, estava se sentindo muito infeliz no casamento, como era crente foi aconselhar-se com o seu pastor. Depois de algum tempo de conversa com o pastor ela disse: “acho que sei o que está errado comigo. Faz quase sete anos que nos casamos mas eu realmente,nunca desfiz as malas. O pastor achou que eles estavam sempre viajando. Não! Não! Explicou ela. Estou dizendo que nunca desfiz as malas, emocionais e espirituais. Nunca assumi o meu casamento, nunca assumi um compromisso para valer com meu esposo. Estou sempre sedenta de sonhos românticos. Meu esposo é um bom homem e eu não tenho sido justa com ele. Preciso parar com esses desejos irreais e com o auxílio de deus colocar as coisas em ordem para termos um casamento feliz. o Dr. Paulo Brand, médico missionário na Índia conta como restaurou as mãos deformadas de um leproso, e como ficou ao mesmo tempo profundamente chocado. É que depois de algum tempo o leproso com a mão nova veio para agradecer e para queixar-se. Agradecia pelas mãos praticamente novas mas lamentava: estas mãos não servem mais para mendigar. As pessoas não dão mais esmolas generosas. Era-lhe difícil aceitar a idéia de ter de ganhar a vida com dignidade e responsabilidade. Muitos preferem continuar escondidos atrás de seus aleijões emocionais e espirituais a enfrentarem as realidades da vida. A causa básica de muitos problemas emocionais e espirituais é a incapacidade de enfrentar a realidade.

  1. Ah! Se… Das dores e lembranças amargas

Ah! Se eu soubesse que ia doer tanto!

O filme Forrest Gump, um filme emblemático de nosso tempo, contem uma cena em que a menina Jenny, de cinco anos, amiga de Forrest, ora depois que os dois correm fugindo do pai dela que está bêbado.”querido Deus, transforme-me em um passarinho, assim posso voar para longe, muito longe daqui.”o pai abusou dela , e apesar de ser preso no dia seguinte e viver sua vida, ela gasta o resto de seus dias tentando se recuperar desse dano traumático. Anos mais tarde ela retorna à pequena cidade onde cresceu para visitar Forrest. Os dois agora adultos na casa dos trinta anos. Estão caminhando perto da cabana em que ela vivera. Quando ela fixa seus olhos na cabana, dolorosas lembranças que estavam submersas, emergem varrendo sua mente. Ela rompe em lágrimas e extravasa sua mágoa e sua dor, juntando pedras à sua volta tirando-as o mais forte possível contra a cabana. Quando não tinha mais pedras, ela tirou os sapatos e também os atirou. Por fim, cai aos prantos no chão. Quando Forrest reflete sobre a cena, apenas afirma: “às vezes, acho que simplesmente não há pedras suficientes.”há muitos que carregam tanta mágoa e tamanha dor que se identificam  com Forrest quando diz: “simplesmente não há pedras suficientes.” A mágoa, a dor, a raiva estão profundamente enraizadas. Uma jovem universitária procurou orientação espiritual para seus problemas emocionais, fora criada num lar desestruturado, numa família fragmentada. Acabara de passar por uma profunda desilusão amorosa, suas feridas eram vivas e profundas, assim como o seu ódio e rancor. Quando o pastor para iniciar a conversa indagou: “o que está acontecendo?”, ela respondeu de modo contundente:”eu estou doendo”, eu estou doendo, era um grito da alma, vinha das profundezas do seu se. Depois de uma longa conversa em que ela lutou com recordações dolorosas, o pastor a convidou para um momento de oração. Terminada a oração, depois de um breve silêncio, o pastor quis botar o fecho no encontro : “você precisa esquecer e começar tudo de novo”, ela levantou os olhos, fixou bem o pastor e disse em tom de tristeza: “não posso pastor, não posso pastor, sinto muito mas não posso . não posso largar meus ressentimentos. Não posso desistir deles, são tudo o que tenho.” Naquele momento arrancar-lhe aqueles sentimentos era arrancar-lhe a própria alma. É terrível mas isso é parte da vida também, vida é dor, vida é amargura, vida é mágoa,. Quanta gente doída, magoada, amargurada, ressentida,com a vida e que continuam gritando: “eu estou doendo.”

Um grupo de jovens médicos fazia residência num hospital. Certo dia foram levados pelo médico supervisor AA ala de psiquiatria do hospital. Antes de entrarem no quarto de um paciente o médico explicou: “ este paciente é um caso clínico de depressão existencial, nada químico, nenhuma enfermidade no cérebro. Ele estava noivo de uma moça muito bonita. A três semanas do casamento ela se apaixonou por outro rapaz com quem fugiu para se casar. Ele não suportou o golpe, caiu em depressão e está aqui há um bom tempo, mas está se recuperando e vai ficar bom. Entraram, observaram o paciente e saíram para continuar a rotina das visitas. Antes de entrar no quarto seguinte o médico deu novas explicações: “este caso que veremos, é outro exemplo de depressão causada pelo stress. Ele está profundamente deprimido, está tão incapacitado que não consegue levantar da cama, então, um dos residentes perguntou; que foi que aconteceu,? Perdeu a noiva de última hora também? Não, respondeu o médico. Ele é o moço que se casou com a noiva daquele outro que acabamos de visitar.”  Mágoas profundas os inutilizara para a vida.

  1. Ah! Se… Da espera do milagre.

Ah! Se Deus fizesse algo de espetacular. Houve uma grande inundação numa cidade dessas que estamos acostumados a ver. Toda a cidade ficou inundada. Quando as águas começaram a subir um grupo de defesa  civil passou pedindo que todos abandonassem suas casa. Uma jovem muito crente e muito confiante recusou-se a fazê-lo pois, disse ele, havia orado pedindo a Deus um milagre e que Deus viria salvá-lo. As águas continuaram a subir, já tinha água pelo peito quando um barco a motor passou para resgatá-lo, recusou se a fazê-lo, reafirmando: eu orei a Deus e ele virá me salvar. As águas subiram e ele foi parar no telhado. Um helicóptero veio para salvá-lo. Recusou o socorro com o mesmo argumento: Deus viria em seu socorro. Moral da história: morreu afogado. Quando chegou no céu foi tirar satisfação co Deus: porque não tinha feito nada para salvá-lo? Ao que Deus respondeu: quem você acha que mandou o aviso para você? Quem você acha que mandou o barco a motor? Quem você acha que mandou o helicóptero? Muitos são assim: incapazes de perceber o toque de Deus nas coisas menores, simples, corriqueiras da vida. Estão sempre esperando que Deus faça algo extraordinário, espetacular. Se Ele fizesse algo assim eu até creria Nele. Essa foi a tentação que o diabo jogou sobre Jesus: Ah! És filho de Deus? então transforma estas pedras em pães. Foi assim também na cruz. Os escribas e os principais dos sacerdotes também zombaram . Ah! Espírito de deus, então desce da cruz e creremos em ti. Foi assim também com o povo de Israel. Deus  acabara de realizar o grande milagre da libertação do Egito, mandara dez pragas espetaculares, mas não bastou. Deus abriu o mar, passaram a pés enxutos, mas não bastou, Deus enviou a coluna de nuvem durante o dia e a coluna de fogo durante a noite mas não bastou. Deus fez jorrar água da rocha , mas não bastou, Deus mandou o maná, mas não bastou. Deus mandou as codornizes, mas não bastou. E nada bastaria nunca porque o problema não era a quantidade por milagres, Deus poderia realizá-los “ad infinitum”. Não o problema não era os muitos milagres de deus. o problema era a falta de fé do povo. Que terrível! Deus tinha de realizar um novo milagre todo dia para provar que era Deus. o nosso Deus é o Deus dos milagres. Ele realizou muitos milagres, mas o seu maior milagre foi a dádiva do seu filho. Jesus é o maior milagre de Deus.

  1. Ah! Se… Do lamento de Jesus

Ah! Se vocês soubessem quem lhes pode dar a paz. Jesus não veio para fazer milagres. Ele os fez para mostrar que era o Senhor dos céus e da terra. Ele os fez para mostrar que era um com o pai. Ele os fez para mostrar que recebera todo poder, mas não veio para ser um milagreiro. O seu maior milagre não foi a multiplicação dos pães, o seu maior milagre não foi transformar a água em vinho, o seu maior milagre não foi a cura dos leprosos, dos paralíticos, dos surdos, dos mudos,. O seu maior milagre foi a nossa salvação. Ele veio para nos salvar. Foi por isso que ele lamentou quando viu Jerusalém- a cidade da Paz. Ah! Se soubesses quem realmente pode te dar a paz. Eu sou aquele que te pode dar a paz. Aliás, Eu sou o grande Eu sou. Antes que Abraão fosse Eu sou, Eu sou o caminho. Eu sou a verdade. Eu sou a vida. Eu sou a porta. Eu sou a luz do mundo. Eu sou o bom pastor. Eu sou a videira, Eu sou o mesmo ontem, hoje e eternamente. Eu sou o eterno presente. Ele está aqui hoje, Ele está entre nós Ele está conosco e a cada “Ah! Se…” de exclamação, de admiração de nossas vidas Ele responde com o seu “Ah! Se…”

Ah! Se vocês soubessem…quem pode libertá-los da prisão do passado!

Ah! Se vocês soubessem… quem pode dar alento para as mágoas do coração.

Ah! Se vocês soubessem… quem pode curar as doenças do corpo e da alma.

seja apenas a orla de tua s vestes Ah! Se vocês soubessem… quem pode realmente realizar sinais e maravilhas.

Ah! Se vocês soubessem  quem pode perdoara os pecados e fazer de cada um uma nova criatura.

Ah! Se vocês soubessem quem pode trazer paz ao coração.

Ah! Se vocês soubessem quem pode abençoar com todas as bênçãos espirituais.

Houve uma mulher doente que soube e descobriu que Jesus podia todas essas coisas e podia, portanto, curá-la e mudar a sua vida. Expressou essa convicção e essa fé de uma maneira simples e tocante. O seu “ah! se…” foi um Ah! Se… de esperança: Ah! Se eu apenas pudesse tocar a orla de suas vestes. Ela o tocou, ficou curada, começou uma nova vida. Ah! Se todos nós nesta manhã tivéssemos a humildade e determinação daquela mulher: Senhor nós também queremos tocar-te para recebermos as virtudes que vem de ti. Queremos tocar-te nem que seja apenas a orla de tuas vestes.

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