Em memória dos mortos de Santa Maria, Leonardo Boff + Oração

20 Janeiro de 2013

Os antigos já diziam:”vivere navigare est” quer dizer, “viver é fazer uma viagem”, curta para alguns, longa para outros. Toda viagem comporta riscos, temores e esperanças. Mas o barco é sempre atraído por um porto que o espera lá no outro lado.

Parte o barco mar adentro. Os familiares e amigos da praia acenam e o acompanham. E ele vai lentamente se distanciando. No começo é bem visível. Mas na medida em que segue seu rumo parece aos olhos cada vez menor. No fim é apenas  um ponto. Um pouco mais e mais um pouco desaparece no horizonte. Todos dizem: Pronto! Partiu!

Não  foi tragado pelo mar. Ele está lá, embora não seja mais visível. E segue seu rumo.

O barco não foi feito para ficar ancorado e seguro na praia. Mas para navegar, enfrentar ondas, vencê-las e chegar ao destino.

Os que ficaram na praia não rezam: Senhor, livra-os das ondas perigosas, mas dê-lhe, Senhor, coragem para enfrenta-las e ser mais forte que elas.

 

O importante é saber que do outro lado há um porto seguro. Ele está sendo esperado. O barco está se aproximando. No começo  é apenas um ponto levemente acima do mar. Na medida em que se aproxima é visto cada vez maior. E quando chega, é admirado em toda a sua dimensão.

Os do porto dizem: Pronto! Chegou! E vão ao encontro do passageiro, o abraçam e o beijam. E se alegram porque fez uma travessia feliz. Não perguntam pelos temores que teve nem pelos riscos que quase o afogaram. O importante é que chegou apesar de todas as aflições. Chegou ao porto feliz.

 Assim é com todos os que morrem.  O decisivo não é sob que condições partiram e saíram deste mar da vida, mas como chegaram e o fato de que finalmente chegaram. E quando chegam, caem, bem-aventurados, nos braços de Deus-Pai-e-Mãe de infinita bondade para o abraço infinito da paz. Ele os esperava com saudades, pois são seus filhos e filhas queridos  navegando fora de casa.

 Tudo passou. Já não precisam mais navegar, enfrentar ondas e vencê-las.  Alegram-se por estarem em casa,  no Reino da vida sem fim. E assim viverão para sempre pelos séculos dos séculos.

LEonardo Boff

Oração

Deus de todas os nomes e de todas as coisas

Nos achegamos diante de ti

Com nossos corações pesados

Cansados

Quase mudos

Arrebentados pelos acontecimentos em santa Maria

Nada parece nos aquietar

Nossa alma conhece o peso inapelável da morte  e o gosto amargo do luto

Nada parece ter a força de arrancar a nossa dor diante dessa tragédia

Absurda como toda tragédia

Onde tantas de nossas irmãs e irmãos morreram antes do tempo

Gente que estava feliz, andando pela vida como quem sorri e canta e dança…

E que de repente

se vão

para sempre

E nos deixaram aqui sem saber o que fazer, o que dizer

e agora

Sem saber como viver…

Em nossa fraqueza e aflição, dá-nos algo

algo que nossa mão consiga segurar

algo que nosso olhar consiga se fixar

algo que consiga entrar em nossos corações

agora feitos de pedra.

Dá-nos algo que se assemelhe a paz

que se pareça com alguma força

quiça uma alegria de lembranças que ficaram

e

se num for pedir demais

que traga um pouco de vida

que hoje parece não haver em lugar nenhum.

Tem pena de nós!

Não pedimos explicação

Não te cobramos nada

Porque o absurdo da vida também faz parte da vida plena que tu nos prometeste

Não entendemos!

Mas a gente queria tanto…

Como é que isso pode acontecer?

Não entenderemos, sim sabemos,

mas entre a dor, o luto e o espanto

pedimos alguma forma de vida a nos visitar

Que os paramédicos, os médicos, e os bombeiros

e os agentes sociais, acompanhantes terapêuticos, e os psicólogos,

e todos que ali foram e que se colocam a disposição

junto com toda a solidariedade oferecida

sejam sinal da vida que vivemos juntos

e que juntos,  lado a outro,

cuidando um dos outros

nos enfileiremos em busca do aconchego e do calor que a gente precisa

pra não morrermos sozinhos em nossa indignação, frustração e desassossego

Que nessa estrada que não cabe onde termina

Onde a luz que cega quanto  ilumina

E a pergunta que emudece o coração

Que Tu venhas em nosso socorro.

Com o Salmista gritamos e gritaremos com o resto de voz que ainda nos foi guardada:

“Elevo meus olhos para os montes, de onde me virá o socorro?”

E no meio de um aos outros, segurando as mãos uns dos outros

a gente responde ainda com o salmista:

“O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra.”

 Tem piedade de nós Senhor

 Tem piedade de nós.

Cláudio Carvalhaes

27 Janeiro de 2013

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