Teologia da Cultura – Somos Todos Machistas – Teologia e o Lugar da Mulher

Os contornos da cultura brasileira são profundamente marcados pelo machismo e pelo sexismo. A mulher sempre foi subjugada, usada, interpretada e situada como apêndice da condição masculina, condição essa que vive somente a mediad em que mantém a mulher à parte ou à margem do centro masculino de ser. Pois somos nós homens que temos a condição da ampla humanidade. Já as mulheres, infelizmente, tem uma “quase condição” humana não é verdade? Pois tanto é assim que nossa cultura, quanto nossas teologias, sub-estimam e deploram a condição plena de mulher enquanto seres humanos plenos.

 

A inclusão da mulher é limitada em todas as posições de nossa sociedade. Desde a cozinha da nossa casa até as grandes companhias. Quem é que limpa, lava e faz a comida em casa? No Domingo, depois que a família toda come, quem lava a louça? São as mulheres, enquanto os homens, “naturalmente” vão para a sala papear e assistir o jogo da tarde. Na sociedade maior, as mulheres ganham salários menores e é muito mais difícil de se ver mulheres em posições de liderança. Os executivos e líderes de empresas e grandes instituições são homens, quase todos homens. Os políticos e os que dirigem nosso país são homens, quase todos homens. Pois vejam, nosso país é nossa pátria não é? Nunca tivemos uma “mátria”. “Ó Pátria amada, idolatrada salve salve…”. Vereadoras, deputadas, governadoras, onde estão elas? E presidente? Será que um dia teremos uma mulher presidente?

 

Nas artes o cenário é um pouco diferente. Mesmo assim se eu pedisse a você para me dar 10 nomes de escritores ou poetas e 10 de escritoras ou poetas brasileiros você conseguiria achar o nome dessas mulheres com a mesma  facilidade que você me diria os nomes dos homens? Quando é o caso de atores e atrizes, os homens são os inteligentes e interessantes e as mulheres são as sexys e que tem corpo bonito. E se falarmos da história do Brasil?

 

Quais são os nomes de mulheres que aprendemos na escola e que foram responsáveis pela luta e desenvolvimento do nosso país? Alguém pode me dar um nome sequer? As ruas de nosso país condecoram o nome de milhares de lugares e de homens que batalharam pela nossa história, mas quem sabe de nomes de mulheres que foram condecoradas por sua luta e valor? Quero fazer aqui um desafio a você leitor: me escreva e me diga nomes de mulheres que foram e são importantes na nossa história social brasileira.

 

Essa situação se reflete da mesma maneira dentro dos muros da igreja. A igreja católica romana só aceita mulheres se elas forem freiras. Padres, bispos, papa? Nem pensar. Algumas das igrejas protestantes chamadas históricas não são em nada diferentes. Veja a Igreja Presbiteriana do Brasil, até hoje não aceita mulher para nenhum cargo eletivo. Mesmo a igreja Espiscopal, uma igreja notadamente liberal, tem rarissimas pastoras e nenhuma bispa. As igrejas batistas em geral não aceitam mulher como líderes. Minha igreja, a Presbiteriana Independente do Brasil somente mudou sua cosntituição em 1999 para incluir mulheres como presbiteras e pastoras mas de lá para cá, a mudança de pensamento, de postura teológica e cultural e assim de oportunidades e de confiança ainda estão para acontecer. O que será que acontece com nós homens que teimamos em achar na Bíblia razões para manter nada mais do que um preconceito ácido e desumanizante? Por que ainda temos que dizer que Jesus somente teve discipúlos homens para poder nos desculpar e não deixarmos as mulheres botaram o nariz no nosso poder? Porque aceitamos o que Paulo fala sobre a submissão feminina para somente uma igreja e não aceitamos o que ele fala sobre igualdade entre homem e mulher para outra igreja? Pois é isso mesmo, meus amigos e amigas, a questão toda, eu acredito, é mais de cultura e de poder.

 

É questão de cultura porque ainda guardamos dentro de nós a idéia de que mulher não tem uma humanidade plena. Essa idéia vem desde de Platão que não achava nenhuma sentido na mulher ou em Agostinho que dizia que a mulher servia somente para a copulação porque se Deus quisesse ter dado a Adão uma companhia para pensar e usar a razão, Deus teria feito outro homem. De modo diferente hoje em dia, é assim que muitos de nós ainda vemos as mulheres, como companheiras para o sexo e para cuidar da casa. Pensar, liderar, usar a razão e fazer decisões não cabe a elas.

 

É questão de poder porque ao dizermos que a mulher não tem condições de exercer funções maiores dentro da igreja, não precisamos dividir o poder e sermos liderados por elas. Cá entre nós, não é fácil sermos liderados por mulheres em público não é? Assim, para mantermos o poder masculino, dizemos que elas são frágeis e que Deus tem resercado a elas outras atribuições no Reino de Deus, menos a de serem líderes do Reino de Deus. Em discursos mais requintados, dizemos que Deus ama as mulheres do mesmo jeito que os homens mas Deus tem funções diferentes para cada um. Em outras palavras, dizemos assim: “Deus ama você e a mim do mesmo jeito mas sou eu, homem, quem tem mais direitos do que você e isso porque Deus quer assim; você, mulher virtuosa, fique com as suas virtudes dentro do lar e obedeça tudo que seu marido lhe disser.”  Fomos ensinados que essa idéia de mulher, idéia distorcida e desumanizadora, tem a ver com a forma como Deus vê a mulher e as formas que Deus a quer na sua igreja e no mundo.

 

Esse preconceito com a mulher tem mais a ver com uma cultura maxista que a gente deu contornos teológicos. Assim, a cultura patriarcal que desprezava a mulher no primeiro século e foi alimentada em toda a nossa história, é entendida não como criação cultural e manutenção de homens que advogavam a palavra de Deus para si, fazendo da mulher massa de manobra para seus desejos e vontades. Tudo em nome de Deus. Ai ninguém pode fazer nada. Esse patriarcalismo é um sistema que divide o mundo em duas partes, ou seja, homem e mulher, bom e mal, capaz, e incapaz, bonito e feio, inteligente e emocional, claro e escuro, céu e terra, forte e fraco, branco e preto, corpo e alma, etc. Pois bem, esse sistema binário é hierárquico, ou seja, ele tem formas de valoração diferentes, onde um dos lados desse sistema acaba tendo mais valor/poder que o outro. Assim os homens ficam com a parte do forte, do inteligente, do capaz, do forte, do eterno, da alma. Já as mulheres ficam renegadas ao mal, ao desprezível, ao que é fraco, ao que tenta, ao que é somente metade ou parte de uma capacidade humana, ao emocional, ao prazer, ao transitório,  ao corpo. Quantos de nós ainda acredita que foi por causa de uma mulher, Eva, que o pecado entrou no mundo?

 

Nossas teologias refletem nossa cultura. O machismo no Brasil é o mesmo machismo que dá os instrumentos de análise bíblica para todos nós brasileiros “e” brasileiras. Mas deixem-me dizer uma coisa: não acredito em nenhum contorcionismo teológico ou bíblico que queira me dizer que a mulher tem uma humanidade plena se elas não podem exercer a plenitude das funções humanas, como pensar, resolver, liderar e guiar o Reino de Deus na terra. Acredito piamente que a história da igreja seria diferente se tivessemos tido mais mulheres cuidando da igreja de Cristo. Nisso, a gente precisa dar imenso crédito aos novos movimentos pentecostais que abriram espaços para mulheres serem líderes em exercício de pleno poder.

 

Mas vejam, não faço aqui uma apologia metafísica da mulher como se o fato de ser mulher trouxesse alguma autenticação automática de melhores formas de viver, de melhores decisões, de melhores formas de se entender o Cristianismo. Mas acredito sim que as mulheres tem muito para falar e para ensinar e nós homens precisamos ouvir. Sonho com o dia em que as mulheres liderarão nossas igrejas, não somente como aquelas mulheres desconhecidas que mantém nossas igrejas vivas mas que não podem assumir o poder. Não! Quero vê-las dirigindo os conselhos das igrejas, liderando as igrejas nacionais e liderando nossa nação, nos ajudando a pensar de outra maneira. Não queria mulher pensando como homem, como que simplesmente fazendo as mesmas coisas que os homens fazem. Queria sim ver o unvierso feminino amplificado e empliando nossas vidas. Nossa compaixão do mundo seria diferente, nossa razão seria mais aguda. As pregações nos trariam novas formas de vermos a Deus e o mundo, e nas ceias e eucaristias, ganhariamos novas perspectivas de Deus.

 

Está na hora de nós homens deixarmos nosso preconceito de lado e nosso medo de perder o poder. Arrisquemos! Porque Jesus disse que quem perde a vida ganha! Nos convertamos ao evangelho abundante de Jesus que não faz diferenciação de sexo. Nossa vida com Deus seria melhor se tivemos mulheres nos liderando e nos ajudando a viver melhor uns com os outros e com Deus.

 

Está na hora de vocês mulheres reinvindicarem o que é de vocês de direito. Simone de Beuvoir disse que uma mulher não nasce mulher, ela se torna mulher.[1] O Evangelho pertence a vocês também e não ao controle dos homens! Se vocês forem esperar os homens  dar a vocês o lugar que é de vocês de direito humano e divino, vocês nunca receberão. Lutem! Criem espaços de troca de idéias, façam seu pastor pensar no assunto, escrevam, façam leituras em grupo, se juntem a movimentos de mulheres que estão lutando pela causa da mulher. Mulheres não são menos do que os homens para Deus e são completamente capazes de liderar o povo de Deus no mundo. Paulo mesmo já havia nos dito que em Cristo não há homem ou mulher…  Talves, com mulheres nos liderando, teríamos ao invés de uma pátria, uma mátria, que nos levaria mais perto de vivermos uma fátria (fraternidade), como canta Caetano Veloso na sua música “Lingua”:

 

A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria

 

É Deus nossa Mãe? Cultura e a Linguagem Teológica e Litúrgica

 

Quero pensar aqui brevemente, na questão da linguagem teológica e liturgica que usamos em nossas igrejas. Pense: Você já prestou atenção ao fato de que sempre falamos da situação do “homem”, que Deus tem um plano para o “homem”, que o “homem” tem se direcionado para aqui ou ali, que a história do “homem” no mundo é isso ou aquilo e etc? Da mesma maneira, quando falamos de Deus, o tratamos sempre como a figura parental do Pai e nunca como mãe.

 

É fato que a linguagem biblica está permeada pela linguagem masculina e isso se manifesta nas igrejas, ao reproduzirmos essa linguagem sem nenhum cuidado ou precaução nos sermões, louvores e estudos bíblicos. Deus é sempre “Ele”, “Senhor”, “Rei”, “Principe”, “Homem de guerra”, “Pai da Eternidade”. Nesse sentido, a linguagem feminina nunca é usada e a mulher não existe enquanto gênero teológico/literário/linguistico. A mulher está sempre subentendida, incluída como mensagem secundária, adicionada, escondida, incluída em menções nunca feitas. Mesmo os exemplos biblicos das mulheres são sempre secundários ou negativos, sem força, usados como precaução na estruturação da fé cristã: Eva, Hagar, Tamar, Jezabel, Maria, a mulher adúltera, etc. Nem sequer prestamos atenção às imagens femininas para Deus na Bíblia. Somente para citar dois exemplos: a palavra em hebraico no Antigo Testamento para Espirito é feminina; e Jesus queria que Deus fosse uma galinha para acolher seu povo.

 

Ao longo da história da teologia, por exemplo, a incarnação de Cristo como homem nunca foi entendido como um “acidente” de gênero ou necessidade de seu tempo, mas sim como uma necessidade ontológica, isto é, uma necessidade absoluta, que via Deus como um ser necessariamente masculino.[2] Ao pensarmos assim, e ao afirmarmos a encarnação de Cristo como uma necessidade masculina, acabamos por negar a universalidade da ação Cristológica e sua redenção.

 

Raymond Brown, um conhecido estudioso do Novo Testamento disse o seguinte: “os termos Pai e filho parecem não traduzir completamente para algumas mulheres (e também alguns homens) a extensão do entendimento de Deus. A teologia clássica insiste corretamente em definir Deus como Pai e Filho como termos não sexistas, mas eles tem que concordar com o fato no qual, em função da extensão da experiência humana, esses termos acabam sendo vistos como exlusivamente masculinos.” [3]

 

Para além da preocupação do politicamente correto, é preciso saber que a linguagem cria mundos, imagens, estruturas, ênfases e forças que criam valores, hábitos, visão de mundo, comportamento e conseqüentemente formas de se entender e apreender a fé e a vida. Além do mais, a liguagem também pode nos fazer idólatras. Sempre que tratamos Deus somente como figura masculina, fixamos Deus numa estrutura totalitária que denuncia uma idolatria que deveríamos rejeitar. Em nossos antropomorfismos (jeitos humanos de se falar de alguma coisa), se concordamos que Deus não tem sexo mas usamos somente o sexo masculino para descrever Deus, acabamos negando a Deus a possibilidade de ser mulher, ou de não ser homem.

 

Deixem-me fazer uma proposta: sem negar a validade e a beleza de se chamar Deus de Pai, proponho que façamos um boicote temporário ao uso de Deus como Pai, Senhor e homem. Que tal começarmos a orar a Deus como “Mãe nossa que está nos céus…”? Isso pode nos ajudar em nosso relacionamento com Deus pois para muitos, a figura paterna compromete uma relação mais próximo com Deus em virtude de histórias pessoais carregadas de dor e dificuldades com a figura paterna. Como imaginar Deus em formas femininas? Será que é possível? Será que ficaremos assustados e temeremos perder o temor e o repsito a Deus e mesmo nossa fé se a chamarmos de mãe? Ao iniciarmos uma linguagem inclusiva, veremos que que Deus não é nem masculino nem feminino mas ambos!

 

Por que fazer isso? Para exercitarmos a imaginação junto com nossa fé, para sermos inclusivos, para fazermos das mulheres não submissas mas parceiras. Nossa fé se ampliará muito mais com a presença feminina de Deus. Se tivermos olhos para ver, talvez conseguiremos viver essa fé como algo mais carinhosa e menos bruta, mais bondosa e menos virulenta, e mais acolhedora e consequentemente menos julgadora.

 

Ao fazermos isso, moveremos o terreno não só de nossa fé e de nossas igrejas mas também os alicerces culturais de nossa sociedade. E poderemos servir de exemplo, de anúncio profético e de expansão da linguagem da fé para que futuras gerações sejam iluminadas por uma nova forma de lidar com a linguagem e conseqüentemente com o Evangelho. Criaremos novas e belas imagens de Deus, de Jesus e do mundo, e fomentaremos sonhos de justiça que alimentem novas referências que sejam mais inclusivas para a nossa sociedade, engajadas na luta por uma vida mais ampla e assim mais fiéis ao Evangelho abundante e não discriminador de Jesus Cristo.

 

 



[1] Leiam o livro de Simone de Beauvoir chamado “O Segundo Sexo”, Dois Volumes da Editora Nova Fronteira de 1980.

[2] Raymond Brown, Sheffield Women’s Documents. Não publicado,

[3] Madeleine Boucher, Phyllis Trible and Janet Walton. God-Language. Update, Newsletter for Evangelical Womens Caucus. Spring 1988.,

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