Estamos em Julho de 2006 e o povo de São Paulo anda alarmado, e não sem razão, pela onda de ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) que parece não ter alvos fixos nem prazo para terminar seus ataques. Numa onda brutal de contínuos ataques chocantes, eles matam policiais, agentes penitenciários e suas famílias e agora orientam seus alvos a zonas civis, atacando ônibus, supermercados, agências bancárias, restaurantes, cinemas, shopping centers, lojas de comércio, etc. Segundo os jornais, a polícia descobriu a poucos dias que eles também pretendem provocar blecautes em determinadas localidades com o intuito de alarmar toda a população.
Já da parte do governo, enquanto o governador do estado de São Paulo faz briga de braço com o governo federal para ver quem tem mais força e quem vai fazer melhor uso político da situação, o prefeito atual de São Paulo continua como figura muda e inoperante (prestem acurada atenção nos candidatos a vice) e a mídia faz a festa com manchetes estridentes que nos prendem à necessidade de informação, a população fica perdida, apavorada, atônita e sem saber o que fazer.
O PCC pretende desestabilizar o tecido social que sustenta a sociedade em geral, para poder forçar o governo a liberar seus movimentos e ações, coisa que já acontece dentro das cadeias a algum tempo. Hoje quem diz aos presos o que fazer ou como se comportar não são as autoridades “de fora” mas sim de dentro das celas. O que eles querem é que o governo “converse” com eles (como já foi feito logo após o primeiro ataque) e lhes dê benefícios suficientes para que eles continuem a operar no meio da sociedade. Há dez anos esse sistema foi se criando e se alastrando por todo o estado. A ineficiência e corrupção da nossa polícia, que não somente é conivente com tudo isso como ganha para que esse controle aconteça, permitiu que essa estrutura criasse sustentação e vultos tamanhos que só agora estamos tendo condições de medir e analisar.
Mas dizer que o PCC é somente problema de polícia corrupta é ser simplista demais. O sistema penitenciário do nosso país, na prática, é um sistema falido, que tem como único objetivo prender ladrões e mantê-los reclusos sem nenhum esforço de reorientá-los e capacitá-los na re-inserção da sociedade. Mas isso tudo ainda seria muito pouco para analisar a situação. De uma perspectiva mais ampla, o PCC é resultado das ruínas da tecitura da ordem social. O que vemos acontecer com nosso país é o desenvolvimento de uma economia neoliberal que vem acelerando drasticamente a divisão entre os ricos e os pobres e que produz um descuido enorme com a questão social do país. Ainda somos o pior país do mundo em distribuição de renda! Desde a muito tempo mas mais claramente com Fernando Henrique Cardoso, o crescimento da pobreza tem se tornado alarmante e insustentável. O favelamento do país tem se tornado notório, a classe média continua a apertar o cinto das finanças sem que esse cinto tenha mais buracos para prender. O desemprego continua grande, os salários cada vez valem menos e as dívidas continuam a aumentar na gaveta da sala. Entre jovens no interior de São Paulo, por exemplo, o desemprego é de mais de 70%, fazendo desses meninos e meninas vítimas perfeitas desses grupos que propõem um sentido na vida e um espaço de sociabilidade que lhes dá uma função no mundo. E outro dado alarmante, dados recentes mostraram que São Paulo foi um dos piores estados do país na avaliação de alunos do primeiro grau em Português e matemática.
Poderia continuar com a ladainha dos problemas sociais mas paro por aqui e pergunto: por onde andará o Brasil da alegria, da hospitabilidade e da paz que nos educou e que tanto amamos? Quais são as causas dessa “inviabilidade crônica” de nosso país que parece que nunca nos deixará ser mais do que um país do futuro? Será que a imensa frustração com os nossos jogadores na copa não é um sinal de que, pelo menos no futebol, projetamos uma esperança que não encontramos mais nos nossos políticos? Será que continuaremos a reclamar para sempre desses nossos políticos, eternamente corruptos, e nunca nos mobilizaremos para fazer parte de movimentos socias de mudança e transformação?
E a igreja, como a igreja se coloca diante dessa situação toda? Parece que tanto a igreja, quanto o estado, quanto a mídia precisam da desgraça para continuarem com algum sentido em sua missão. Será?
Porque nossas igrejas não conseguem ser mais do que um espaço espiritual que lidam com problemas pessoais e nunca um espaço de critica e mudança da conjuntura social? Não adianta só dizermos que é o diabo que cria essa situação toda e nos refugiarmos em nossas oraçãoes pedindo emprego pra Deus. É preciso desenvolvermos uma espiritualidade que nos permita nos refugiar em oração na medida em que lutamos por um país melhor. Uma espiritualidade que vincule os aspectos de nossa cultura na medida em que a celebra e a critica. Uma espiritualidade que tenha a ética, o outro, o próximo, como ponto de partida para assim entendermos Deus e nossa vida com Deus de maneira mais justa, honesta e melhor. Uma espiritualidade onde o Espírito não nos dê somente um crivo de moralidade pessoal mas também social, com crivos de justiça e alegria que perpassem não só a cultura mas a economia, a política e o social.
Pois vejamos, os números de igrejas evangélicas e de novos crentes não param de crescer. Mas ao que parece, esse crescimento não tem mudado nada os números da vida social brasileira. A violência e a injustiça social continuam a disparar no cenário nacional. O que me faz pensar que os evangélicos se parecem como papel de parede. Mudam a aparência da religiosidade brasileira mas não muda nada daquilo que a criou. Como desestruturar o que parece, entre outras coisas, dar razão a esse cresimento, a saber, o medo, o assombro e a desestrutura social?
Num certo sentido, a violência do PCC não se distingue da violência no campo, da morte de campesinos, nem da violência das crianças que nos pedem dinheiro nos faróis das ruas brasileiras. Estas não nos assombram mais pois já nos acostumamos. Elas estão socialmetne localizadas e de certa forma “controladas”. Já o PCC pode estar em qualquer lugar e nos tira o sentimento de estarmos “sob controle”.
A violência e a desigualdade social mudam os acentos da nossa cultura e se refletem na nossa espiritualidade e nas igrejas que vão sendo criadas a cada esquina. Desenvolvendo espiritualidades cada vez mais carentes de eventos milagrosos, visões estapafúrdias de líderes insanos e gestos loucos em nome de qualquer interpretação subjetiva do evangelho, igrejas funcionam como tampões sociais de uma estrutura desumada objetiva em muito pouco desafiada. Ainda não conseguimos professar um evangelho brasileiro, que seja comprometido com a justiça social, a busca pela ética e a proposição de uma vida melhor para o povo brasileiro. Estamos devendo irmãos e irmãs, estamos devendo esse evangelho de Jesus Cristo ao povo brasileiro!