A linguagem masculina fomenta a mentalidade machista e sexista de vermos a Bíblia. Corremos sempre o risco de tomarmos fatores culturais próprios de épocas e culturas estrangeiras e impô-las como verdade universal do evangelho. Dessa forma, achamos fundamentos bíblicos para colocar a mulher sempre em posição de submissão a nós, homens, e tê-las sempre como ouvintes de nossos conselhos e sabedoria, e nunca como participantes ou detentoras de sabedoria própria a qual deveríamos também nos curvar. Não! O poder masculino associado a idéia de submissão da mulher criam uma condição perfeita de controle sobre a mulher. À elas resta somente o papel de ajudadoras, no serviço e na obediência. Somente assim elas se tornam mulheres virtuosas. Já ouviram falar de alguma mulher virtuosa que ousou ir contra alguma decisão do marido??
Uma leitura dos evangelhos que expôe esse dualismo (homem com mais valor e mulher com menos valor) nos mostra que essa leitura não é somente inspirada pelo Espirito Santo e pelo desejo de ver a única verdade do texto biblico mas sim, é parte da perpetuação de uma estrutura cultural mais abrangente que mantém as mulheres longe das decisões, dos circulos de poder, e do desenvolvimento da fé cristã. Uma teologia que quer ser “pura” e fiel a Deus acaba por trair os princípios bíblicos da igualdade e da inclusividade.
Baseadas nessa leitura bíblica que se arvora como única e fiel, ainda hoje várias igrejas cristãs negam o acesso da mulher à cargos de poder, como diaconisas, presbíteras e pastoras. Alegam esses homens que o evangelho de Jesus Cristo foi dado a homens somente, os 12 discípulos, e não às mulheres. Ao fazerem essa leitura e interpretação, acometem na imensa injustiça e no preconceito religioso e social de banir as mulheres ao afirmarem, sem quase nunca deixarem explícito, que as mulhere não tem condições de dirigir a igreja de Cristo. Como se as mulheres fossem seres mais caídos e impróprios que os homens.
Não é novidade que a história de achatamento do valor e papel das mulheres e tão antiga quanto o mundo. São poucos os mitos de criação que conhecemos que valorizam o papel da mulher. Quem já ouviu falar do mito de Lilite? A história nos é dada, em sua maioria, como feita por “homens” de Deus, e quase nunca por mulheres. Quantas mulheres em nosso país escrevem teologia? Quantos de nós pode citar ao menos cinco mulheres importantes na história do nosso país? Ou cinco teólogas brasileiras que falam da mulher e tentam restituir seu valor? Ivone Gebara, para mim, a teóloga brasileira de maior importância em nosso país atualmente não é lida por ninguém e nem mesmo emprego ela tem.
O que faz a mulher não ter capacidade de liderar a igreja, de escrever teologia e mudar os rumos da igreja? De certa forma, vivemos algo parecido com o que acontecia no Antigo Testamento, que prevenia qualquer pessoa de chegar perto das mulheres quando elas estavam menstruadas e eram afastadas para fora das cidades. Se hoje “deixamos” as mulheres andarem no meio de nós mesmo no tempo da “impureza” delas, ainda as achamos impuras, pecadoras, fracas, sem capacidade de liderar, sem força, vistas sempre como sexo frágil e pior que tudo, como aquelas que podem nos seduzir e nos fazer perder o caminho de Deus.
Essa negação da mulher é tão intensa e tão longa que mesmo mulheres concordam com essa situação e com esse tipo de leitura dos evangelhos. Os homens que recusam usar uma linguagem inclusiva e abrir espaços para as mulheres participarem de cargos de liderança não conseguem enxergar que vivem neles uma opressão milenar internalizada que os impede de ver a arrogância de seu discurso que quer mantém o seu mundo patriarcal seguro.
Como missionário, encontrei dezenas de outros casais missionários e a história é sempre a mesma. Os homens se ampliaram e desenvolveram grandes projetos ministeriais. Já as mulheres cuidaram dos filhos e ficaram em casa. Ajudaram muito na obra missionária mas sempre como “apoio” nunca como iniciadoras. Encontrei um missionário que trabalhou no Brasil por anos. Ele era desenvolto em suas expressões e em sua teologia. Falava Português fluente. Já sua mulher, sempre recostada, não falaba Português tão bem pois havia ficado em casa cuidando dos filhos, ouvia com atenção seu marido que nunca perguntava o que ela achava dos assuntos que ele descorria com tanta facilidade.
A igreja é tanto resultado como mantenedora das estruturas de opressão à mulher. Como disse a pensadora francesa Simone de Beauvoir no livro “O Segundo Sexo”, “a mulher não nasce mulher, ela se torna mulher.” É somente com luta que as mulheres vão conseguir achar suas vozes e revelar sua sabedoria. Na maioria das igrejas evangélicas, a presença feminina é muito maior que a masculina e são elas que sustentam a vida de suas congregações. Contudo, elas servem somente de apoio aos homens que dominam o cenário político religioso. Como sempre, elas não servem como pastoras e líderes, capazes de promover e cuidar das coisas de Deus.
É preciso ouvirmos o clamor de mulheres fortes na Bíblia e reinterpretarmos a vida delas para além dos preconceitos machistas. È também preciso ouvirmos as histórias das Evas, Tamars, Esthers, Marias e Marias Madalenas de nosso tempo e que vivem no meio de nós. Qual é a história delas? O que elas tem para nos ensinar?
Acredito que a presença das mulheres em todas as esferas da igreja nos iluminará, nos ajudará a corrigir muitos de nossos erros e nos levará por caminhos mais saudáveis e mesmo necessários. Precisamos de mulheres para nos ensinar a vida e nos dirigir na vida da fé. Simples, porque como homens não temos condições de entender a vida de maneira abundante se não ouvirmos e aprendermos com as mulheres. É preciso nos converter, homens e também mulheres, do machismo que assolapa a nossa sociedade e nossa igreja e nos reunir em torno de um Evangelho que não faz diferença entre homem nem mulher. (Gálatas 3:28) Ver a mulher nas esferas de poder e liderança da sociedade e particularmente da igreja é viver a vida abundante, a vida rara que Jesus afirmou ter para nos dar.
Leiam as mulheres teólogas de nosso país. Comecem lendo Nancy Cardoso Pereira e Ivone Gebara. A gente tem tanto pra aprender com elas.
Texto escrito em 2006