Hoje vou falar um pouco sobre um teólogo alemão e pastor luterano chamado Paul Tillich, nascido no ano de 1886. Tillich influenciou intensamente o pensamento teológico do século XX. Ele trabalhou na 1ª Guerra Mundial como capelão, experiência que afetou profundamente seu pensamento pelo resto de sua vida. Já na segunda guerra mundial, nos tempos de Hitler e do Nazismo, teve que fugir para os Estados Unidos. Foi Reinhold Niehbur, um prominente teólogo que lecionava no Union Theological Seminary em Nova York que sugeriu aos professores daquela instituição trazerem esse teólogo que já havia ensinado nas universidades de Berlim, Marburg, Dresden e Frankfurt. O problema é que o seminário de Nova York não tinha dinheiro para empregar um novo professor. Foi preciso que todos os professores do Seminario Union abrissem mão de 5% de seu salário para formar o salário de Tillich e assim contratá-lo. Assim começa a vida de Tillich nos Estados Unidos com sua chegada em 1933. Durante a Segunda Guerra Mundial, já nos Estados Unidos, Tillich faz programas de rádio contra o regime de Hitler onde tenta consolar e despertar seus conterrâneos à luta contra aquele ditador. Depois de trabalhar 18 anos no Union, Tillich vai trabalhar na Universidade de Harvard e depois na Universidade de Chicago onde fica muito pouco tempo até sua morte em 1965. Foi casado com Hanna Tillich e tiveram dois filhos.[1] Tillich escreveu muito e sobre vários assuntos, como história da teologia, textos filósóficos, políticos, estéticos, etc. Seu texto maior, a Teologia Sistemática, ainda é referência teológica para nossos dias. Sua obra toda é de profundo impacto. Lembro-me de uma amiga minha dizendo que ao acabar de ler o livro “A Coragem de Ser”, teve que sair correndo pelo campus da sua universidade a força dessa leitura na sua vida. Tillich era filósofo e teólogo e sua leitura da teologia vai ser preponderantemente uma leitura filosófica. Talvez isso acabe afastando muitos possíveis leitores que necessitam de uma certa introdução filosófica, que não tem paciência para lidar com assuntos que demandam tempo, ou que não desenvolveram um espírito apurado para questões mais complexas.
O pensamento de Tilich era marcado por duas influências filósoficas fundamentais: o essencialismo e o existencialismo. Essencialismo: o essencialismo é uma forma de entender o mundo a partir de um fundamento, um dado a priori que orienta tudo o que há, houve e haverá, uma metafísica que impõe uma presença que se manifesta mesmo em sua ausência. O essencialismo assume uma essência universal que estrutura todas as coisas, precede e define a existência. O filósofo Aristóteles chamava essa essência daquilo que move sem se mover (unamovable mover) e a tradição Judaico-Cristã vai apropriar-se desse conceito filosófico para nomear um ser transcendental, ou seja, Deus. O essencialismo, ou metafísica, também é conhecido como ontologia ou onto-teo-logia. A ontoteologia é a forma como a filosofia e a teologia estruturaram o pensamento em geral no Ocidente cristão e determina o comportamento, as formas de racionalidade, pensamento e entendimento, dando conteúdos e limites à noções amplas como lei, democracia, justiça, ética, perdão, sexualidade, etc.[2] Assim, assumir Deus como essência é colocar Deus num lugar que está fora de qualquer dúvida ou questão, anterior a tudo e que determina todas as coisas da vida. A essência, nesse caso Deus, existe por sí só e produz, age ou reage por seus próprios desejos. No dizer filosófico, é uma entidade autônoma, isto é, independente e auto-referencializada, quer dizer, que se referencia somente a si mesmo.
Já o existencialismo, que nasce com Kierkegaard, vai assumir cores mais contundentes com a obra do pensador francês Jean Paul Sartre[3], que advogava a existência como aquilo que precedia a essência. Como ele não acreditava num ser superior, ele afirmava que a existência precedia a essência e a definia. Para ele, a existência não tem uma origem conhecida e muito menos se estrutura na essência cristã. Os cristãos saquearam esssa tradição filosófica para explicarem o seu Deus. Sartre afirmava elementos da existência humana que nunca foram contemplados pela teologia cristã. Ele nos lembrava que a existência é marcada pela ausência de sentido, pela náusea, por momentos sem saída, pelo horror, pela ansiedade e pela violência. Assim como falta à existência uma origem definida a priori, dada anteriormente, também ela não tem um fim definido, conhecido. O que sobra à existência são os projetos provisórios de vida que fazemos e que nos emprestam sentidos também provisórios. Por mais que possamos criticar a filosofia existencialista de Sartre, acredito não ser possível fazer teologia sem passar pelos seus escritos. Outro pensador fundamental que marcou esse tempo entre as décadas de 1940 e 1960 foi Albert Camus.[4]
[1] Para uma excelente e breve introdução da vida e obra de Tillich em Português veja o texto de Carlos Eduardo Brandão Calvani “Paul Tillich – Aspectos biográficos, referenciais teóricos e desafios teológicos”, in Paul Tillich, Trinta Anos Depois, Introdução à Teologia Sistemática, Estudos da Religião 10, (Rudge Ramos: Editora IMS-Edims, julho de 1995)
[2] Foi o filósofo alemão Heidegger que deselvonveu esse termo filosófico chamado onto-teologia. Toda metafísica (algo que existe além do que é empírico, testável) vai tomar a forma de onto-teologia. No dizer de Mark A. Wrathal: “… toda metafísica tenta entender o ser de todas as coisas que existem através da determinação simultânea da sua essência em seu traçado universal (o ‘onto’ da teologia), e a determinação do fundamento da totalidade de todos os seres em alguma entidade divina superior (o ‘teos’ da onto-teologia).” (Religion After Metaphysics, Cambridge, MA: Cambridge Univ. Press, 2003, p.2)
[3] Jean Paul Sartre é filósofo francês, escritor, e ativista, conhecido como o pai do existencialismo. Sua obra “O Ser e O Nada” é uma das principais obras da filosofia do século XX. Sartre escreveu romances e obras de teatro. Foi casado com Simone de Beauvoir, um dos nomes mais expressivos do feminismo europeu. Sua obra “O Terceiro Sexo” é uma das principais obras do pensamento feminista do século XX. Ela também escreveu romances.
[4] Veja suas obras obras O Estrangeiro, A Queda, O Homem Revoltado, Bodas em Tipasa, etc.
Escrito em 2006.