Quero pensar aqui brevemente, na questão da linguagem teológica e liturgica que usamos em nossas igrejas. Pense: Você já prestou atenção ao fato de que sempre falamos da situação do “homem”, que Deus tem um plano para o “homem”, que o “homem” tem se direcionado para aqui ou ali, que a história do “homem” no mundo é isso ou aquilo e etc? Da mesma maneira, quando falamos de Deus, o tratamos sempre como a figura parental do Pai e nunca como mãe.
É fato que a linguagem biblica está permeada pela linguagem masculina e isso se manifesta nas igrejas, ao reproduzirmos essa linguagem sem nenhum cuidado ou precaução nos sermões, louvores e estudos bíblicos. Deus é sempre “Ele”, “Senhor”, “Rei”, “Principe”, “Homem de guerra”, “Pai da Eternidade”. Nesse sentido, a linguagem feminina nunca é usada e a mulher não existe enquanto gênero teológico/literário/linguistico. A mulher está sempre subentendida, incluída como mensagem secundária, adicionada, escondida, incluída em menções nunca feitas. Mesmo os exemplos biblicos das mulheres são sempre secundários ou negativos, sem força, usados como precaução na estruturação da fé cristã: Eva, Hagar, Tamar, Jezabel, Maria, a mulher adúltera, etc. Nem sequer prestamos atenção às imagens femininas para Deus na Bíblia. Somente para citar dois exemplos: a palavra em hebraico no Antigo Testamento para Espirito é feminina; e Jesus queria que Deus fosse uma galinha para acolher seu povo.
Ao longo da história da teologia, por exemplo, a incarnação de Cristo como homem nunca foi entendido como um “acidente” de gênero ou necessidade de seu tempo, mas sim como uma necessidade ontológica, isto é, uma necessidade absoluta, que via Deus como um ser necessariamente masculino.[1] Ao pensarmos assim, e ao afirmarmos a encarnação de Cristo como uma necessidade masculina, acabamos por negar a universalidade da ação Cristológica e sua redenção.
Raymond Brown, um conhecido estudioso do Novo Testamento disse o seguinte: “os termos Pai e filho parecem não traduzir completamente para algumas mulheres (e também alguns homens) a extensão do entendimento de Deus. A teologia clássica insiste corretamente em definir Deus como Pai e Filho como termos não sexistas, mas eles tem que concordar com o fato no qual, em função da extensão da experiência humana, esses termos acabam sendo vistos como exlusivamente masculinos.” [2]
Para além da preocupação do politicamente correto, é preciso saber que a linguagem cria mundos, imagens, estruturas, ênfases e forças que criam valores, hábitos, visão de mundo, comportamento e conseqüentemente formas de se entender e apreender a fé e a vida. Além do mais, a liguagem também pode nos fazer idólatras. Sempre que tratamos Deus somente como figura masculina, fixamos Deus numa estrutura totalitária que denuncia uma idolatria que deveríamos rejeitar. Em nossos antropomorfismos (jeitos humanos de se falar de alguma coisa), se concordamos que Deus não tem sexo mas usamos somente o sexo masculino para descrever Deus, acabamos negando a Deus a possibilidade de ser mulher, ou de não ser homem.
Deixem-me fazer uma proposta: sem negar a validade e a beleza de se chamar Deus de Pai, proponho que façamos um boicote temporário ao uso de Deus como Pai, Senhor e homem. Que tal começarmos a orar a Deus como “Mãe nossa que está nos céus…”? Isso pode nos ajudar em nosso relacionamento com Deus pois para muitos, a figura paterna compromete uma relação mais próximo com Deus em virtude de histórias pessoais carregadas de dor e dificuldades com a figura paterna. Como imaginar Deus em formas femininas? Será que é possível? Será que ficaremos assustados e temeremos perder o temor e o repsito a Deus e mesmo nossa fé se a chamarmos de mãe? Ao iniciarmos uma linguagem inclusiva, veremos que que Deus não é nem masculino nem feminino mas ambos!
Por que fazer isso? Para exercitarmos a imaginação junto com nossa fé, para sermos inclusivos, para fazermos das mulheres não submissas mas parceiras. Nossa fé se ampliará muito mais com a presença feminina de Deus. Se tivermos olhos para ver, talvez conseguiremos viver essa fé como algo mais carinhosa e menos bruta, mais bondosa e menos virulenta, e mais acolhedora e consequentemente menos julgadora.
Ao fazermos isso, moveremos o terreno não só de nossa fé e de nossas igrejas mas também os alicerces culturais de nossa sociedade. E poderemos servir de exemplo, de anúncio profético e de expansão da linguagem da fé para que futuras gerações sejam iluminadas por uma nova forma de lidar com a linguagem e conseqüentemente com o Evangelho. Criaremos novas e belas imagens de Deus, de Jesus e do mundo, e fomentaremos sonhos de justiça que alimentem novas referências que sejam mais inclusivas para a nossa sociedade, engajadas na luta por uma vida mais ampla e assim mais fiéis ao Evangelho abundante e não discriminador de Jesus Cristo.
[1] Raymond Brown, Sheffield Women’s Documents. Não publicado,
[2] Madeleine Boucher, Phyllis Trible and Janet Walton. God-Language. Update, Newsletter for Evangelical Womens Caucus. Spring 1988.,
Texto escrito em 2006.