Resumo
O autor explora o pensamento religioso de Kierkegaard, especialmente a maneira como ele entendeu a noção de fé. O salto da fé formulado por Kierkegaard envolve o irracional como componente da realização do risco paradoxal, escolha que se faz no interior da existência com todos os perigos que acarreta. O autor desenvolve os conceitos de ironia, pseudônimo e paradoxo. Conduz sua análise do pensamento de Kierkegaard para a conclusão de que era um poeta do desconhecido
Abstract
The author explores Kierkegaard´s religious thought, especially the way he understood the notion of faith. Kierkegaard´s leap of faith is the embrace of the irrational as a key component for the fulfilment of a paradoxal risk, a choice made within existence with all its dangers. The author works with the concepts of irony, pseudonymous and paradox. He leads his analysis of Kierkegard thought to the conclusion that he was a poet of the unknown.
Introdução
My song is love unknown
Samuel Crossman (1624-1683)
Há pessoas que não conseguem ter fé. São as que não receberam esse dom como a igreja o entende. A Bíblia afirma que a fé é dom de Deus embora nem todos sejam abençoados com tal dádiva [1]. Existem, entretanto, os que não podem crer mas que tampouco se consideram descrentes. Não são ateus nem crentes. Flutuam entre essas certezas como se fossem dois pólos radicais do mesmo eixo. Gostariam de acreditar mas não podem ou sem poder crer ainda se consideram, assim mesmo, acreditando de certa maneira em alguma coisa.
Como poderia a idéia de Deus e da fé segundo a tradição cristã ser entendida pelos que estão esquecidos no meio desse incerto terreno religioso, espécie de lamacento fundamento sem fundamento da fé? Poderia a religião ajudar esses estranhos fiéis? Este ensaio procura encontrar respostas para essas questões nos escritos de Kierkegaard.
Examino o pensamento religioso de Kierkegaard principalmente sobre a maneira como entendeu a noção de fé. Seu conceito de salto de fé representa o reconhecimento do irracional como chave para o cumprimento do risco paradoxal abrangendo a escolha existencial com seus perigos, alegrias, desastres e vazio. A fé para Kierkegaard não era objetiva, lógica, capaz de ser explicada. Por outro lado, também não era considerada ilógica ou resultado de mero fideísmo. Uma vez que a fé não podia ser comunicada objetivamente, ele criou a teoria da comunicação indireta para se falar a respeito de Deus, da fé e da existência. Escolhemos três de seus temas preferidos para analisar neste ensaio: ironia, pseudônimo e paradoxo.
Esses temas nos ajudam a perceber a maneira como ele constrói seu pensamento religioso. Ao se ler o que escreveu, percebe-se aos poucos que não estava interessado em teologia mas no pensamento religioso. A teologia é agora, e mais ainda em sua época, modo direto de comunicação com conteúdos fortemente objetivos e lógicos, capazes de explicação racional. Não obstante, ao conceber Deus como “diferença qualitativa infinita”, situava-se ainda na noção do “theos” cristão. Confessou a respeito de si mesmo: “O que eu verdadeiramente sou, como autor, relaciona-se com o cristianismo e com o problema de como se tornar cristão” [2]. Mas a maneira como ele pensa e fala a respeito de Deus , da fé e da existência humana, leva-o a se situar perto do que se poderia chamar de teo-poeta [3] em vez de teó-logo. Considerava-se poeta acima de qualquer outra coisa.
Na qualidade de teo-poeta ou, melhor, de poeta do desconhecido, sentia-se livre dos sistemas teológicos que tão asperamente criticava. Pode-se explicar porque deveria ser chamado de teo-poeta e não de teó-logo. Em geral os teólogos partem da razão no interior de redes lógicas específicas e de suas conseqüências, confiando em certa episteme fundamentada ainda nas noções de verdade como relação. O teo-poeta começa com sua existência e, conquanto se movimente nos domínios da razão, ela será sempre desviada, com o abandono de suas certezas e com o adiamento constante dos significados. Escreve com paixão, posto que a paixão e o desejo são as forças que lhe movem. Trata-se de paixão pelo desconhecido, com os ouvidos atentos aos sopros do vento sempre imprevisíveis e sacudidores em vez da estabilidade da Rocha Eterna. Os teólogos, por meio da razão, estão sempre inevitavelmente impondo seus pontos de vista aos outros. Até mesmo a tolerância, quando exercida pelos teólogos, será sempre imposta, uma vez que a clareza resultante de sua obra sempre fará parte do projeto incontido da compreensão da verdade. O teo-poeta, por sua vez, começa dos sinais que flutuam livremente sem qualquer preocupação com a verdade e com as certezas. Os teólogos falam com clareza a respeito do certo e do errado. O teo-poeta preserva a interioridade dos indivíduos no seu auto-julgamento e auto-exame e descreve o que vê sem utilizar necessariamente teorias, provas ou postulados. Os teólogos vivem pela mente. Os teo-poetas têm o corpo que funciona como episteme frágil e passageira. Os teólogos nos dizem quem somos e o que devemos pensar sobre nós, sobre o mundo e sobre Deus. Os teo-poetas não têm certezas mas continuam a escrever sobre o que desconhecem embora fazendo de conta que tudo sabem. Os teólogos procuram ser honestos e verdadeiros. Os teo-poetas, como dizia Fernando Pessoa, são fingidores [4]. Os teólogos estão comprometidos com seus fiéis pensamentos, construções racionais de suas mentes brilhantes. Os teo-poetas estão comprometidos apenas com os seus sentimentos:
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheira-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido. [5]
Os teólogos constróem barreiras para estabelecer quem está dentro ou fora de suas comunidades por meio de confissões de fé. Os teo-poetas também confessam a fé. Dessa forma, seguem o conselho de Mário Quintana: “Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão” [6]. Quando lemos as Confissões de Agostinho com cuidado, veremos que sua invenção literária tende para o lado dos teo-poetas.
Chamo Kierkegaard de teo-poeta porque sua fé baseava-se no amor, na paixão e na impossibilidade de se transformar em acontecimento pleno. A fé é o tema central de seu pensamento a ponto de considerá-la presente em todos os seres humanos. Não achava que fosse dom oferecido por Deus a alguns, como dádiva predestinada a escolhidos. Entendia a fé de maneira mais ampla vendo-a como criação humana, tecida nos absurdos e esperanças da vida. Tratava-se de paixão pelo desconhecido, desejo do impossível e como o escudeiro da fé desejava vencer o invencível para alcançar o inatingível. Fé é paixão: apetite pela vida na plenitude, ímpeto na direção do além e desejo pelo impossível. Localiza-se na religião. Aí está o lugar dos que querem alcançar o inalcançável sem a ajuda das certezas. É o caminho do impossível. Essa paixão é amor, talvez a mais intensa das paixões humanas. Assim, a fé se faz paixão e a religião o lugar dos amantes apaixonados. Em Temor e tremor, diz: “A fé é um assombro e, contudo, nenhum ser humano é excluído dela; pois a paixão reúne a vida humana e a fé é essa paixão” [7]
Somente a teo-poesia seria capaz de perceber a fé como paixão em vez de logos, de regula ou de lógica. Convém observar que a teo-poesia não evita o uso de logos como palavra porque não podemos viver sem a linguagem. Além disso, tal esforço seria inútil. Contudo, a teo-poesia não depende do logos nem de qualquer meta narrativa. Em vez disso é aspiração, busca ao acaso nos desertos e oceanos onde os traços apagados dos deuses talvez ainda possam ser vistos. A teo-poesia deseja conhecer o desconhecido, com o desejo ardente pelo que está além da transcendência e da imanência, nem aqui nem ali nem nas coisas que enganosamente pensávamos ter encontrado. A teo-poesia é essa arriscada e apaixonada tarefa, encarregada de alargar os limites de nossa humanidade e de produzir o que se encontra na paixão. Kierkeggard nos sugere na obra Concluding Unscientific Postscritp o que poderia ser essa teo-poesia.:
Se a infelicidade desta época consiste em ter se esquecido do significado
da interioridade, não se trata, naturalmente, de resolver o problema
escrevendo para os que gostam de ler, mas será preciso que os existentes
reais sejam representados em suas desilusões, quando tudo lhes parece
confuso. Trata-se de algo diferente de nos sentarmos confortavelmente
junto à lareira e recitar o omnibus dubitandum. Se nossa produção
quiser ter algum valor deverá sempre estar imbuída de paixão. [8]
Este ensaio pretende examinar brevemente a questão da im/possibilidade de Deus para Kierkegaard, tema que aparece também no centro de algumas preocupações teológicas. Para realizar essa tarefa vou dialogar com a obra de Steve Shakespeaare, Kierkegaard and the Reality of God. A genialidade e a liberdade de Kierkegaard transformou a teologia de lugar racional e dogmático na fé existencial dada aos amantes apaixonados até mesmo por Deus. Ele nos conduz do rígido projeto onto-teológico às inesgotáveis possibilidades da teo-poesia.
O salto da fé
Kierkegaard nasceu na sociedade dinamarquesa vitoriana quando o cristianismo era a religião automática de todos os seus habitantes. Sendo assim, competia a cada pessoa a tarefa de entender na vida adulta os conceitos e a lógica da fé cristã para, afinal, prestar-lhe homenagem. Esse tipo de cristianismo preocupava terrivelmente o jovem Soren Kierkegaard. Treinado para ser pastor na Igreja Luterana da Dinamarca e filho de um pastor atribulado da mesma igreja, logo sentiu que essa igreja havia transformado a fé cristã num conjunto de declarações e de modos de pensar filosóficos destinados a garantir o ingresso na cristandade. Fazia da fé algo demasiadamente fácil e sem problemas, longe do coração do cristianismo. Para Kierkegaard, “A cristandade é uma ilusão… As pessoas atentas e portadoras de certa clareza de visão ao considerar o que se chama de cristandade mostrar-se-ão, sem dúvida, seriamente desconfiadas.” [9] A igreja assumia a tarefa de revestir as afirmações cristãs com termos filosóficos adequados para tornar o cristianismo verdadeiro e confiável, vivendo assim o conceito hegeliano de cristianismo como se fosse a mais alta forma de consciência na história. Mark C. Taylor, declara, “de fato, Hegel se tornou o filósofo da cristandade. Em contraposição, Kierkegaard , constantemente entendia negativamente tanto o conceito de cristandade como a filosofia de Hegel.” [10]
O ponto de vista de Kierkegaard sobre o cristianismo opunha-se ao ensino da igreja. Criticava a religião fácil da igreja por ser mais intelectual do que existencial. Para ele, esse tipo de filosofia corrompia o cristianismo e afastava as pessoas da religião de Cristo. A filosofia hegeliana deformava a fé transformando-a em algo pobre e fácil. A fé cristã transformava-se numa religião sem dificuldades, sem temor, sem mysterium, sem decisão – constituía-se em sistema de crenças e em tipo de conhecimento em lugar de peregrinação cuidadosa e cheia de riscos. A fé tornava-se num tipo de viagem guiada sem qualquer relação com a existência real. Como escreveu John D. Caputo: “O hegelianismo é o outro lado da moeda de Johannes de Silentio, porque procura comprar a fé pelo menor preço possível, sem temor e tremor, com o mínimo de esforço e dificuldade, removendo o paradoxo e o terror, o momento da loucura.” [11]
A crítica de Kierkegaard ao hegelianismo tinha a intenção de ajudar as pessoas a se tornarem melhores cristãs. Achava que era essa a finalidade de seus escritos [12]. Contudo, essa “melhoria” significava a compreensão mais problemática, mais controvertida, mais complicada e mais dificultosa da fé. É que, entre outras coisas, Kierkegaard não acreditava em qualquer comunicação direta das pessoas com Deus ou entre a fé e Deus. A relação entre Deus e a humanidade era impossível e o dom da fé não envolvia nenhuma reciprocidade possível.
Por outro lado, aprendemos com Kierkegaard o paradoxo da fé, sua “loucura divina” capaz de superar qualquer outra loucura, a fé aberta para o desconhecido e o salto confiante no abismo. Em Temor e tremor, Kierkegaard recorda a história do mysterium tremendum perceptível em Abraão. Nessa história não se precisa de filosofia. Ao contrário, Abraão é guiado pela fé que não pode explicar. Ele a vive em seus próprios ossos. Quando lhe perguntaram onde estava o cordeiro para o sacrifício ele simplesmente respondeu: “Deus proverá”. A jornada de Abraão no caminho do sacrifício de seu filho foi a experiência do horror, da angústia do medo e do tremor. Em face disso, Kierkegaard não podia entender a ausência desses sentimentos na fé cristã da Dinamarca de seus dias. Utilizou assim essa experiência de fé para denunciar a fé segura, opaca e vazia vivida por seus contemporâneos.
Segundo Kierkegaard, a fé de Abraão teve dois movimentos: o da resignação infinita e o da fé. No primeiro caso, ele se rende totalmente a Deus. Buscou a verdade não no mundo mas em Deus. Abraão encontrou a verdade quando se ofereceu correndo o risco de tudo perder. Renunciou as exigências morais, tudo abandonando. Nesse momento, sacrificou Isaque e também se sacrificou. Nas palavras de Johannes de Silentio, esses atos foram cometidos “em virtude do absurdo” [13]. De Silentio chama esse fato de “coragem da fé” [14]. Ao se integrar plenamente com esse gesto de fé, Abraão torna-se o cavaleiro da resignação infinita.
O segundo movimento é o da fé quando Abraão recebe de volta das mãos de Deus o seu filho Isaque. O anjo segura sua mão, surge o cordeiro e Abraão volta para a casa com o filho. Aí está o paradoxo da fé: o cavaleiro da resignação infinita encontra o cavaleiro da fé no mesmo momento. Abraão é ao mesmo tempo o incrível cavaleiro da fé e o herói trágico, o assassino. Kierkegaard maravilha-se: “Não consigo entender Abraão; de certo modo nada posso aprender dele a não ser esse deslumbramento” [15]
Para Kierkegaard chega um momento em nossas vidas no qual encontramos esses dois cavaleiros vivendo dentro de nós. Somos chamados a abandonar nossos Isaques, porque esse nome significa tudo na vida de Abraão. Depois de tudo sacrificar, o cavaleiro da resignação infinita aguarda o cavaleiro da fé e seu futuro quando as coisas perdidas poderão ser retomadas. É o que Kierkegaard faz com Regina, o amor de sua vida. Dá-se completamente a ela mas, para provar esse amor para ela, ele a renuncia e não se casa com ela. Abraão abandona Isaque e fica esperando por sua ressurreição. Kierkegaard abandona Regina e fica esperando pelo dia em que a terá. Fé significa aceitar esse futuro incerto, com paixão mas também como promessa.
Segundo Kierkegaard, estamos na mesma situação de Abraão: somos chamados a responder a Deus com fé e não com a razão. Estamos também na mesma situação dos discípulos que viram Jesus e responderam com fé na jornada da felicidade na vida de Jesus. Para ele somos contemporâneos dos discípulos, na mesma jornada de felicidade em Jesus. No outro lado desse paradoxo, a razão sempre quer explicar porque deveríamos seguir Jesus e em que condições teríamos de aceitá-lo e de crer nele. O paradoxo exige a fé e não a compreensão, pela felicidade na vida de Jesus que não se relaciona com conhecimento mas com paixão. Para o cristão o que importa é a fé por meio do processo da interioridade. A fé é, portanto, escândalo e ofensa à razão.
Kierkegaard busca o desabrochar da interioridade da fé na sua “dialética da existência”. Desenvolve-se num processo de amadurecimento por meio de três estágios: estético, ético e religioso. O estético constitui-se de raciocínio, percepção e motivação, guiado pelo sensualismo. Os princípios do prazer operam para a superação do tédio da vida. O estágio ético é também constituído por raciocínio, percepção e motivação, mas vai ser guiado pela devoção à ética e à regra moral universal. Nesse estágio, nossos atos sempre consideram o outro. No estágio religioso, o raciocínio, a percepção e a motivação são orientados pela devoção ao divino. Kierkegaard define dois tipos de religiosidade: o primeiro que considera o que as religiões têm em comum e o outro, que á a religião apreendida por meio do paradoxo. Para ele, o paradoxo é a característica única do cristianismo. O estágio religioso tem dois lados, interrelacionados . Em primeiro lugar, a possibilidade socrática da verdade infinita e, depois, a possibilidade do encontro da felicidade no ser finito chamado Jesus Cristo. A encarnação da verdade infinita no ser finito de Jesus Cristo é a confluência da objetividade com a subjetividade.
O ponto central do projeto de Kierkegaard é a transição entre esses estágios. Ela não se dá automaticamente na forma de conseqüência lógica de eventos na vida humana mas por meio de escolha individual, de movimento interno de resolução pessoal destinada a definir o futuro. Não se trata de decisão fácil posto que será sempre cercada de ansiedade, temor, desespero e tédio. Essa transição marca a descoberta da verdade interna e é a única maneira para que alguém se torne um “eu”. Tal movimento de interiorização é assustador. Em qualquer transição, as verdades encontradas sempre serão subjetivas, pois a verdade objetiva não é jamais possível. Mas se a objetividade fosse possível seria sempre incerta e vivida com paixão. Segundo Kierkegaard, o domínio da esfera religiosa não é acessível a todos. Para se ingressar nesse estágio é preciso abandonar o mundo finito, viver em isolamento absoluto e resignação infinita no Monte Moriá (que significa Deus verá), esperando pela visita de Deus que transformará o seu servo num cavaleiro da fé. Mas quem será capaz de abandonar todas as coisas? Isso é o salto da fé.
Teoria da comunicação indireta
Para Kierkegaard o centro da mensagem cristã é o abandono absoluto perante Deus no contexto de um paradoxo sem solução. Ele não queria baratear o cristianismo como fazia igreja dinamarquesa. Queria intencionalmente complicar a religião. Mais ou menos como Jesus, nas parábolas, queria falar sem linguagem explícita. Não podia falar de outra forma. Na sua teoria da comunicação indireta, Kierkegaard desejava falar sem se preocupar com a compreensão direta. Ou melhor, nas palavras de Paul Ricoeur, suas palavras queriam ser uma “existência incomunicável” [16]
Essa filosofia individualista opunha-se à totalidade do conhecimento ensinada por Hegel e pelos idealistas alemães. Escrevia a partir de sua experiência individual. Para ele a existência era mais importante do que o Geist, o Espírito que Hegel achava presente no universo com sua capacidade de tudo abraçar, expressar e explicar a subjetividade e a objetividade, o infinito e o finito, o universal e o particular. Por causa dessa mudança de tonalidade e da tentativa de sondar mais profundamente o âmbito de sua própria existência, Kierkegaard foi considerado por alguns o pai do existencialismo.
A filosofia de Kierkegaard baseia-se na necessidade de se conhecer a existência do indivíduo mais do que a existência das coisas. Está primeiramente preocupado com as verdades existenciais – com a verdade interna do indivíduo moldada por revelações pessoais, escolhas individuais e valores singulares. A verdade para ele, ou melhor, a verdade subjetiva, não podia se submeter a critérios públicos nem a escrutínios objetivos. Era coisa profundamente íntima, pessoal e intransferível. Caputo comenta: “O que chamo de Deus, Deus em mim, me chama para que eu seja eu, o eu interior, que Kierkegaard chama de subjetividade” [17]. A natureza da verdade subjetiva exige maior ênfase na maneira como se diz a verdade do que no seu conteúdo. Diz Kierkegaard: “A ênfase objetiva está no que se diz; a subjetiva, no como se diz…Assim, o como da verdade é precisamente a verdade” [18] Para Kierkegaard a verdade não é objetiva nem dada ao indivíduo de modo objetivo. Em vez disso, qualquer verdade precisa atravessar os componentes internos da existência individual. Trata-se, então da escolha. Nos aspectos da vida a decisão pessoal é sempre necessária. Daí a conclusão de que todos somos responsáveis por nossa vida e destino.
Levando esta análise para leituras mais religiosas, diremos que é o como das verdades que afetam nossas vidas e atos. Agimos de acordo com nossas crenças; elas são motivadas por valores e não por fatos. Os fatos são interpretados na contingência de valores em contextos específicos. A fé, portanto, não é algo que se possa dar, receber e muito menos entender, mas é a chave que apaixonadamente nos ajuda a tomar decisões. O salto da fé é o reconhecimento de que somente a verdade subjetiva pode ser encontrada na subjetividade (onde acontecem as decisões) e não na objetividade. Para Kierkegaard, “a decisão é subjetividade… Somente na subjetividade está a decisão, ao passo que o desejo de objetividade leva à mentira.” [19]
A mudança filosófica que Kierkegaard propõe nasce da maneira como filosofa. Ela não depende dos conteúdos de seu pensamento mas da maneira como escreve e como vive sua vida. Vou me concentrar na maneira como ele escreve com algumas referências à sua vida. Sua teoria da comunicação indireta baseia-se no uso de pseudônimos, especulações, parábolas, paródias, recepção e expressão de elementos do corpo, ironia, paradoxos entre outros meios de comunicação [20]. Pode ser chamado de cético. Chama-se de poeta e dá mais importância à maneira como comunica a verdade ( no como) do que no conteúdo objetivo. Não acreditava em sistema de verdades objetivas. Nesse sentido, a teologia não lhe podia ajudar. Preferia a poesia. Posto que as verdades são subjetivas e experimentadas na existência, a poesia era capaz de ajudar os leitores para a apreensão de seus próprios seres. A poesia não busca certezas. A poesia move-se livremente no terreno cético onde as palavras são devoradas com paixão e não com conhecimento. Procura mostrar que o comunicável não é comunicável por meio de três canais de comunicação indireta: ironia, pseudônimos e paradoxo.
1. Ironia
Emprega a ironia para tornar as coisas confusas e difíceis de compreensão. Ironia é a tentativa de estabelecer não-relações entre a forma do discurso e o conteúdo de sua mensagem. É modo de jogar com os significados literários e ilusórios das palavras. Assim, joga não apenas com paródias, oxímoros, sarcasmo, sugestões, exageros e falsidades, mas também com significados previsíveis invertendo conteúdos óbvios. Para esse fim, utiliza-se de métodos usados por Sócrates e Jesus que recusam claridade total sobre temas particulares. Nem todas as pessoas entendiam imediatamente o que eles diziam. Em seu livro, O conceito de ironia, Kierkegaard estuda Sócrates como modelo de ironia. Chama-o de excêntrico e de “poeta cômico” [21]. Com o seu método da maiêutica, Sócrates nunca dizia realmente o que pensava. Ao contrário, propunha questões a seus discípulos até que não tivessem mais argumentos e, após, mandava-os embora vazios. O propósito desse método consistia em ensinar os estudantes a aprender a partir de seus próprios conteúdos e capacidades, sem confiar inteiramente na própria sabedoria. Semelhantemente, as parábolas de Jesus não eram para ser entendidas mas, talvez, para inspirar assombro. Como se lê no evangelho de Lucas: “… aos outros, eu falo em parábolas, para que vendo não percebam e ouvindo, não entendam” [22].
Em O conceito de ironia aparecem os principais conceitos que Kierkegaard desenvolverá mais tarde. Define ironia da seguinte maneira: “O elemento próprio do irônico é, de um lado, a enorme variedade dos acontecimentos. De outro, o fato de que sua passagem pelo real é etérea e flutuante. Está constantemente junto ao chão, e enquanto o verdadeiro reino da idealidade é-lhe estranho e, portanto, não chegou a ele, parece-lhe estar sempre partindo” [23]
A ironia tem a ver com a paródia e com o riso, com a contemplação e com a reflexão bem como com a excentricidade e com o real. Trata-se de infinito jogo de possibilidades, poderoso instrumento de crítica, de suspensão, de ampliação ou de redução da realidade na qual se vive e do lugar e condição no mundo. Joga com a presença e com a ausência do conteúdo e das múltiplas possibilidades do sujeito, desmanchando o real e criando novas maneiras de ver pela via da negatividade. Continua Kierkegaard:
A ironia é certa qualificação da subjetividade. Nela, o sujeito mostra-se negativamente livre, uma vez que a realidade que lhe daria conteúdo não está lá. Sente-se livre das obrigações que a realidade dada impõe sobre o sujeito. Por estar negativamente livre, sente-se suspenso. Não há nada que lhe amarre. Mas essa mesma liberdade, essa suspensão, dá-lhe certo entusiasmo por estar intoxicado, por assim dizer, pela infinidade de possibilidades. Se precisar de qualquer consolo por causa das coisas que destruiu, pode recorrer às enormes reservas encontradas na possibilidade. Contudo, não se abandona a esse entusiasmo: apenas nele se inspira e se alimenta para a tarefa da destruição [24]
Sua ironia também servia para criticar o seu tempo e lhe oferecer correções. Escreveu nos seus diários:
Minha tarefa consiste em prover corretivos existenciais por meio da apresentação poética das idéias despertando o povo para a ordem estabelecida, com a qual colaboro ao criticar todos os falsos reformadores e as oposições nocivas – que essas mesmas idéias podem interceptar [25].
A ironia, assim, era poderoso instrumento do trabalho de Kierkegaard. Esse método mais confundia do que esclarecia, buscando o imprevisível e jogando constantemente com os significantes. Procurava confundir os leitores para comunicar indiretamente verdades subjetivas. Nas obras de Kierkegaard, às vezes nos achamos; às vezes nos sentimos completamente perdidos.
2. Pseudônimos
Kierkegaard emprega pseudônimos para chamar os leitores ao diálogo, em estilo socrático. Trata-se do uso da maiêutica com a finalidade de suscitar idéias, réplicas e considerações. Por esse meio pretende levar os leitores a perceber suas idéias bem como as deles. Ricoeur entende que a “existência incomunicável” de Kierkegaard transparece em seus pseudônimos que são especulativos: “Ninguém jamais conseguiu transferir a autobiografia para mitos pessoais como ele… por meio de seus personagens elaborou certo tipo de personalidade fictícia para ocultar e dissimular sua existência real. Tal estilo poético… não pode se situar nos limites ou escopos da comunicação comum” [26]
Kierkegaard admitia que seus escritos eram mentirosos e que sua autoria não tinha autoridade:
Desde o começo tenho constantemente me divertido dizendo que nunca tive autoridade. Sempre me considerei mero leitor de livros: nunca autor. Assim, nas obras em que uso pseudônimos não existe nenhuma palavra de minha autoria. Não tenho opinião sobre essas obras a não ser como terceira pessoa. Não conheço seu significado a não ser como leitor nem a mais remota relação com elas, por que essas coisas são impossíveis quando se trata de comunicação duplamente refletida. Qualquer palavra que fosse aí pronunciada em meu nome seria bom exemplo de arrogância e se vista dialeticamente incorreria na culpa de estar destruindo o pseudônimo [27].
A noção de autoria na obra de Kierkegaard subentende que o autor permanece incógnito. Ele é aquele que ninguém conhece e que, por isso, não pode influenciar os leitores em suas decisões e orientações. Quando o leitor não conhece o autor, relaciona-se apenas com as diferentes representações do pseudônimo. Livra-se, assim, de se afetar de maneira específica, no caso, pela vida pessoal de Kierkegaard. Os leitores são deixados a sós com o pseudônimo, forçados a decidir a respeito de sua verdade subjetiva por meio dessa influência indireta. Por esse meio, o pseudônimo quer apresentar mundos ideais para o leitor, descrevendo diferentes egos em diferentes estágios da vida. Mark C. Taylor diz que Kierkegaard por meio de representações ideais de diferentes pontos de vista faz com que o leitor esclareça a compreensão de si mesmo [28]. Da mesma forma, os catorze escritos de Kierkegaard assinados com pseudônimos queriam expressar diferentes pontos de vista. Achava que “o pseudônimo era excelente para acentuar posições, situações e teses. Criava uma pessoa poética…” [29]
Com os pseudônimos pensava criar meios para dizer que a verdade objetiva era impossível uma vez que diferentes autores representavam várias expressões subjetivas do mundo e de si mesmos. Desafiava assim os leitores a ver o mundo por meio de particularidades, por meio de visões de autores irreconhecíveis, permitindo que o leitor também decida subjetivamente sobre o que lhe era oferecido e representado. Queria, assim, pulverizar a idéia monolítica do “Geist” hegeliano e da idéia totalizadora da cristandade, destruindo as bases das representações puras e abrindo brechas para novos modos de compreensão. Queria ressaltar também nossas feridas e oferecer significados indecidíveis, diferentes estágios de vida, meras contingências e inúmeras verdades interiores impossíveis de realização.
Kierkegaard era poeta e assim se considerava. Relembra o poeta português, Fernando Pessoa, que criou três pseudônimos além de seu nome próprio para produuzir sua vasta obra poética. Fernando Pessoa foi quatro poetas num só: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e ele mesmo, todos diferentes uns dos outros. Cada qual tinha habilidades, identidades, singularidades e interesses específicos. Por meio de modos divergentes ou receptivos cada um deles apreendia o mundo com sentidos diferentes, com vozes distintas e perspectivas dissonantes. Cada qual mostrava maneiras singulares de compreensão, análises próprias e respostas incongruentes para as mesmas questões. Conseguiam manter suas subjetividades e as próprias decisões sobre suas verdades. Representavam o esforço de Fernando Pessoa de demonstrar a existência de diferentes modos de apreensão, de entendimento e expressão do mundo.
3. Paradoxo
Segundo Kierkegaard não existe fé sem paradoxo. A fé capaz de ser entendida não é fé. Para Johannes de Silention, um de seus pseudônimos, Abraão foi o verdadeiro cavaleiro da fé. Entretanto, quando menciona Abraão, mostra-se também chocado com o que fez. Sua admiração é acompanhada de forte crítica. Como foi esse homem capaz de sacrificar o próprio filho e acreditar, ao mesmo tempo, que o recuperaria? E pior, como fora capaz de matar o próprio filho? Faz o seguinte comentário a respeito de Abraão: “Humanamente falando, ele era louco e podia ser compreendido por ninguém. Contudo, dizer que ele era louco é ainda pouco… Ele foi maior do que todos os outros por causa de seu poder reforçado pela impotência, por causa de sua sabedoria cujo secreto era a tolice, por causa de sua esperança baseada na insanidade, e por causa de seu amor que acabava sendo o ódio de si mesmo”. [30]
Kierkegaard chama a condição de Abraão de “loucura divina”. A insanidade de Abraão é salva por sua ligação com o divino, representada por sua fé impossível. Ele pode falar a linguagem divina compreensível apenas por Deus. Agia em favor do indivíduo em detrimento do universal, abandonando a ética em nome do fim teleológico. Não se pode entender o ato de Abraão nem validá-lo nem mesmo aturá-lo. Contudo, existe algo em sua ligação com o divino que insiste em mostrar que seu ato não é simples negação mas plenamente paradoxal. Para ser um cavaleiro da fé é preciso carregar o fardo das próprias escolhas e atos sempre envolvidos em paradoxos, ambigüidade, medo e tremor. Nada se pode esconder do assim chamado plano ou projeto racional e geral de Deus para a vida. Johannes diz: “A fé é esse paradoxo… o indivíduo não consegue se tornar inteligível aos outros. As pessoas imaginam que o indivíduo possa se tornar inteligível aos outros indivíduos no mesmo caso… Mas o cavaleiro da fé nada pode fazer pelos outros. O indivíduo só se torna um cavaleiro da fé quando assume o fardo do paradoxo. No seu caso não se pode pensar em companheirismo” [31].
A teologia tanto na época de Kierkegaard como na nossa procura explicar a fé para superar a ansiedade dos paradoxos e oferecer verdades racionais e relacionais. Até mesmo o que se chama mistério da fé deve ser decifrado. A teologia com sua ação performática, tanto por meio de livros como de liturgias, não pode deixar a fé insegura, vaga e cheia de paradoxos. Os sacramentos, por exemplo, considerados espaços privilegiados da habitação do sagrado, onde o paradoxo mais se manifesta com suas contradições, por meio de explicações racionais são dados aos crentes por meio de formas bem ordenadas e de conteúdos racionais. A teologia valoriza na relação entre os fiéis e os sacramentos o modo próprio, a celebração correta e as crenças adequadas a fim de que os participantes possa utilizá-los, entendê-los e deles fruir. Segundo Kierkegaard essa maneira de fazer teologia e de viver a fé é idólatra e nega o que a fé deveria ser. Para quebrar esse sistema codificado, Kierkegaard que sempre foi um inimigo dos sistemas [32] acentua o caráter paradoxal da fé, ensinando que ela não pode ser entendida, desafiadora, assustadora e completamente impossível de ser vivida em qualquer ato litúrgico. Ele vai tão longe em seu projeto que Paul Ricoeur chegou a dizer que seu cristianismo seria impossível de ser praticado: “Certamente, o cristianismo que ele descreve é tão extremo que ninguém poderia praticá-lo.” [33]
Para Kierkegaard a fé é condição existencial e não a conseqüência de pensamento racional ou de compreensão específica. Ela não pode ser demonstrada objetivamente. Como diz Richard Kerney: “A fé existencial é um projeto lançado com dúvida, ansiedade e desejo. Só pode ser assumida pelos indivíduos solitários quando acreditam no chamado divino mesmo sem qualquer evidência objetiva para apoiá-la. Será sempre absurda mas, assim mesmo, fé.” [34] Os fiéis podem expressar as razões de sua fé mas não podem testá-las objetivamente nem prová-las racionalmente. Ela só pode ser explicada às expensas de sua incerteza, inadequação e irracionalidade. A fé deve ser vivida. O crente encontra a verdade em sua interioridade e sente-se à vontade para dizer como Abraão, “Deus proverá”, sem saber exatamente de que maneira será a provisão divina. A fé não precisa de entendimentos racionais de conteúdos ou de fundamentação objetiva da verdade. Ela precisa de escolha apaixonada, da jornada interior da vida humana onde o fiel se dá inteiramente e depois tudo recebe de volta. O salto da fé é a paixão pelo desconhecido, desejo de se jogar no abismo, na eternidade e em Deus. A fé reconhece os perigos e a fragilidade de sua empresa mas, não obstante, se joga.
Richard Kerney assim se refere à razão e à fé em Kierkegaard: “para o ´cavaleiro da fé´ não há possibilidade de conhecimento não importando se a escolha religiosa tenha sido objetivamente verdadeira ou falsa. É por isso que a representação da fé desenhada por ele é o salto no escuro submetido ao risco e à incerteza.” [35] Abraão jogou-se no desconhecido por causa do absurdo e perdeu o equilíbrio: “Acreditava em virtude do absurdo; não estava em jogo nenhum cálculo humano. Foi absurdo que Deus depois de ter feito sua exigência tivesse voltado atrás. Ele subiu à montanha. Mesmo no momento em que a lâmina de sua faca brilhou ele ainda acreditava que Deus não exigiria, afinal, o sacrifício de Isaque… Acreditava em virtude do absurdo, pois qualquer cálculo humano já havia sido abandonado.” [36]
A fé vive em virtude do absurdo, e o absurdo não tem explicação. Carrega em si o irracional e a impossibilidade de ouvir. A partir de suas raízes, ab surdus significa tornar-se surdo. A fé deixa de lado as explicações racionais. Não as ouve. Vive pela capacidade de desafiar e de não entender. Vive de ter esperança contra a esperança.
Das profundezas e da superfície de nós mesmos, a fé (última esfera da existência) toma nossa vontade, corpo e desejos e nos ajuda a saltar no abismo de Deus. É compromisso existencial liberto de argumentos filosóficos e de verdades lógicas, situada no paradoxo sem solução da loucura e da divindade. Nesse fundamento movediço, ela é a afirmação do estranho e o salto apaixonado no desconhecido. O salto da fé é o paradoxo. É o que diz Kierkegaard: “O paradoxo exige fé, não compreensão. Quando a compreensão e o paradoxo se encontram no momento quando a compreensão se apaga e o paradoxo oferece o terceiro indeterminado, que é o lugar desse encontro… o que acontece aí é a paixão feliz para a qual daremos agora um nome, embora para nós não se trate de nome. Chamaremo-la de fé” [37].
Kierkegaard e a im/possibilidade de um Deus real
Minha interpretação tentou até aqui achar um lugar onde Kierkegaard não pudesse ser chamado nem de realista nem de anti-realista. Mas, na verdade, este ensaio pendeu mais para o caráter anti-realista do que para o outro, o realista. Ele podia acreditar na transcendência de Deus, embora sem expressá-la com clareza, porque não havia verdade objetiva para ser apreendida ou entendida. Também não havia qualquer comunicação direta da existência de Deus nem a respeito dela. Por outro lado, não nego a possibilidade da existência do Deus transcendente no pensamento religioso de Kierkegaard. Seus escritos são bastante ambíguos e dão lugar a diferentes interpretações principalmente a respeito de suas idéias sobre a realidade de Deus.
Steven Shakespeare, jovem filósofo britânico, tem se empenhado com muito interesse para entender a idéia de Kierkegaard a respeito de Deus, no meio dos debates antigos e atuais a respeito do realismo e do anti-realismo [38]. No escopo deste ensaio vamos nos limitar ao diálogo com os principais temas de seu pensamento. Brevemente, defino realismo como a interpretação teológica e filosófica de Deus na qual sua existência ou transcendência não cabem nos limites humanos. O anti-realismo é a interpretação teológica/ filosófica de Deus baseada na premissa de que ele é criação dos ideais humanos. Shakespeare leva cuidadosamente em consideração diversas perspectivas sobre realismo e anti-realismo em sua interpretação da posição de Kierkegaard a respeito dessas duas possibilidades. Nesse debate, propõe uma, “terceira posição, de certa forma entre as duas que chamaremos de realismo ético” [39]. O realismo ético depende do anti-realismo ao afirmar que “a fé religiosa não é questão de conhecimento nem de conceituação, e que não existe acesso imediato a Deus” [40]. Sobre o realismo, diz que Kierkegaard, “adotaria o argumento de que a fé religiosa não pode ser reduzida a simples lembrete de certos ideais humanos. A linguagem a respeito de Deus nos abre para a alteridade que não podemos eliminar ou usar segundo nossa vontade.” [41] Ao desenvolver seu argumento, Shakespeare corre sempre o risco de perder o equilíbrio que ele tanto anuncia entre as duas opções já mencionadas. Às vezes, Shakespeare supervaloriza o realismo, e perde o surd (irracionalidade) sempre necessário e presente no pensamento de Kierkegaard, deixando de lado a insustentável leveza de Deus.Shakespeare entende que não podemos, a nosso bel prazer, dispor da alteridade de Deus porque ele é insondável. Não podemos simplesmente reduzi-lo ao âmbito dos “ideais humanos”. Contudo, quando se leva em consideração a perspectiva realista, como Shakespeare, fica aberto o domínio das construções humanas. Não se trata meramente de “nossa vontade”, mas da linguagem. As limitações em relação para com Deus são sempre impostas por nós e não podemos escapar delas. Deus só será Deus se nós, humanos, abandonarmos as tentativas de categorizá-lo ou de entende-lo por meio de nossa linguagem ou de outras mediações. Sempre que juntamos a Deus qualquer palavra e a transformamos em fala, mesmo que paradoxal ou irônica, transformamos Deus num ídolo.
Ao final de seu livro, Shakespeare amplia os limites em ambos os lados, dizendo que seu “realismo ético” tenta limitar qualquer leitura direta de Deus, seja realista ou anti-realista. Parece retomar aqui a imponderável leveza do argumento e da impossibilidade do conhecimento de Deus. Por outro lado, e esse é seu problema, ainda acredita que Deus possa ser conhecido. Diz: “Deus é conhecido por meio dos paradoxos do pensamento e pela prática da comunicação libertadora representada pelo texto. Deus é conhecido nos modos do discipulado que a fé nele possibilita…” [42] Relaciona a possibilidade de Deus ( sua alteridade) com o que chama de “sinais libertadores”. Neste ponto perde também a sutileza do lugar onde Deus habita, fazendo com que ele esteja presente e, portanto, possível. Vai, assim, do terreno livre da desconstrução para o fundamento perigosamente estabelecido do dogmatismo. Acredito que chamaria isso de momento de decisão, de mudança, no desejo de captar o risco da decisão. Se for assim, não pode se esquecer de que qualquer decisão será sempre ética, baseada nas contingências humanas e jamais algo tomado da reificação de Deus. Quando isso acontece Deus se torna vítima do dogmatismo.
Creio que a existência de Deus não pode ser defendida nem pelo realismo nem pelo anti-realismo. Ao separarmos esses dois domínios, restaria ainda a tênue, apagada e deformada linha onde Deus habitaria em ausência. Essa linha é o testemunho não do Deus que Shakespeare sugere [43], mas da impossível possibilidade de Deus. Quando alguém afirma qualquer conhecimento de Deus, transforma-o em ídolo. Como diz Derrida, Deus é “o possível que se faz possível” [44]. Por causa disso vivemos com temor e tremor. Deus é sempre o futuro absoluto e, como o Messias no judaísmo, está sempre por vir. Kierkegaard nos mostra que estamos também sempre no processo ( heideggeriano) de vir a ser, como Deus. Mas quando trazemos Deus para o presente nós nos tornamos idólatras. Na qualidade de discípulos do Deus impossível, nos transformamos em nômades errantes em terra incógnita, procurando os fragmentos de Deus em nossas decompostas construções. O amor apaixonado pelo desconhecido sustenta nossa peregrinação.
Embora Shakespeare teologize sobre o Deus possível, consegue, assim mesmo, deixar aberto o círculo da interpretação. Nos faz lembrar do auto-desfiguramento de Deus e da necessária desconstrução das reflexões totalizadoras. Cita Mark C. Taylor que ao interpretar o Deus de Kierkegaard “nunca deixa claro se se trata de um outro nome para a différance moral ou se reconhece a possibilidade da graça e do amor transcendentes.” [45].
A consciência do totalmente outro deve vir de outra parte; da própria alteridade, `Deus`. Trata-se do nome impróprio para a exterioridade absoluta que resiste qualquer interiorização ou lembrança… Como a diferença que “precede” todas as diferenças, o Desconhecido, para sempre irreconhecível, é a condição tanto da possibilidade como da impossibilidade da razão [46]
O Deus de Kierkegaard é descrito acuradamente nesta passagem, sustentando a imponderável leveza de Deus bem como a linha tênue, apagada e constantemente desaparecendo na qual Deus realiza a possibilidade da impossibilidade. Não nos cabe conhecer o Deus no qual Kierkegaard acreditava. Mas seus escritos parecem nos dar o caminho perfeito para a fala (im)própria a respeito de Deus que estamos chamando de teo-poesia.
Kierkegaard e a poesia do desconhecido
Kierkegaard pode ser definido como teólogo e filósofo. Mas ele mesmo se definia como poeta: “Eu sou apenas um poeta… eia, somente um poeta… eu amo tanto esta vida terrena.” [47] Bem podemos chamá-lo de teo-poeta porque seus escritos são todos religiosos. Mas esta não será a única razão para assim classificá-lo. Chamamos de teo-poeta o que não se sente capaz de defender os mesmos significados por muito tempo e que mescla o divino com o humano por meio de palavras feridas, sem saber exatamente como definir esses termos e atmosfera. Nessa tarefa descentralizada de fazer poesia, às vezes o teo-poeta busca o duplo, às vezes convoca as sombras, os espelhos partidos e os fantasmas assombrosos. A teo-poesia é uma conexão perdida irresolvida, incapaz de realizar adequadamente o projeto religioso do religare. Ele se embate sem fim com esse religare, sabendo de antemão que jamais será capaz de realiza-lo.
Lemos no Diário de Kierkegaard: “O poético é a trama divina da existência puramente humana… é o cordão com o qual o divino se amarra à existência…” [48] O teo-poeta tenta entrar na existência em sua opacidade e na sua mistura de desastre e sublimidade, buscando o duplo. A teo-poesia é a exposição metonímica de nossos excessos e faltas, o olhar fraturado sobre o abismo, a realização de nossa tontura em face do vazio. É a dispersão de nossos tesouros sobre o semblante de nossos desgarrados corpos pulsantes, o terror da vida inevitável e deslumbrante com seu desespero e fascínio.
Kierkegaard, como teo-poeta, tenta superar a onto-teo-logia sem pretender preencher os possíveis vazios, sabendo que sempre vivemos entre eles. Não busca apreender a essência das coisas por meio de palavras, como se fazia antes de Adão e Eva ou antes do mito da caverna de Platão ou ainda entre o iluminismo e a modernidade. A teo-poesia supera ( ou pelo menos, tenta) a onto-teo-logia. Mas, como Kierkegaard, precisa utilizar palavras: quebradas, usadas, perdidas, impossíveis e repetidas. Palavras com vida própria sem relações esperadas nem significado. As palavras são também veículos de mudança, de transformação e das possibilidades das impossibilidades. As coisas são carregadas pelas palavras por meio do caleidoscópio de hermenêuticas arbitrariamente escolhidas. A conexão se faz possível em obscuros momentos revelatórios e em revelações imanentes. Tais momentos levam o teo-poeta, como Kierkegaard, a se opor ao que tenta unificar o pensamento, a perpetuar verdades, a estabilizar pontos de vista, com a finalidade de sacudir as assim chamadas evidências a serviço do controle que reificam crenças e interpretações. O teo-poeta procura no mundo sua paixão (fé) e brilho entre as sombras de nossas ruínas e das migalhas de nossa luz. Nesse sentido, o teo-poeta é exatamente a mesma coisa que Foucault disse certa vez a respeito dos intelectuais: “Sonho com o intelectual capaz de destruir evidências e universalismos, que nas inércias e limites do presente, situa e marca os pontos fracos, as aberturas e as linhas de força que incessantemente o abalam, que não sabe muito bem para onde está indo nem o que pensará amanhã porque encontra-se totalmente atento ao presente…” [49]
Peço permissão para fazer um jogo de palavras. O teo-poeta é como Calvino, não o famoso João Calvino, pregador moralista de Genebra, incapaz de ser poeta nem teo-poeta, mas do outro Calvino que foi amigo de Hobbes e que dizia: “Entendo que o propósito de escrever consiste em inflar idéias fracas, obscurecer o raciocínio pobre e inibir a clareza.” [50]
A teo-poesia não é poesia a respeito de Deus. Tem a ver com a poética dos deuses e de Deus ou, como dissemos no início, com o desconhecido. Ela nos relembra da fuga dos deuses e da permanência de sua ausência. Sente saudades dos deuses que fugiram da terra causando enorme hiato em nossa condição humana. Somente o poeta pode nos ajudar a viver nessa ruptura e nesse vazio, como Holderlin que conseguiu perceber a fuga dos deuses de nosso mundo. Somente eles podem ver o movimento dos deuses. Os teo-poetas poder ver através da fratura das águas as sombras dos deuses fugitivos pelos nossos céus vazios. Heidegger descreveu o papel do poeta e a situação humana nestes termos: “O poeta é um semi-deus, entre os deuses e seu povo, situando-se aí onde se decide quem é o homem e onde ele habita.” [51]
A teo-poética é uma forma de se fazer a/teologia. Essa teologia é feita com palavras, mas sem a lógica cartesiana. Não busca idéias claras, consistência, o cerne da questão nem momentos decisivos para o pensamento. Não porque não o queira mas porque conhece sua impossibilidade. Em vez disso, trata-se da busca sem fim pelo desconhecido que só aparece ocultando-se e só se oculta nesse aparecimento, surpreendendo-nos. É a busca da palavra impossível capaz de melhor traduzir a palavra indisível.
O Deus da teo-poética é limitado por suas palavras. Como disse T. S. Elliot, “Só posso dizer que fomos mas não posso dizer onde”, a teo-poética é a/teologia, sem Deus, arriscando-se nos domínios religiosos da existência, onde nos encontramos a sós com o Deus que não conseguimos ouvir, ver nem mesmo crer, mas sem qual não podemos viver. Essa relação será sempre amorosa e aterradora. Como disse Caputo brilhantemente: “Estamos nas mãos de Deus e não sabemos o que ele quer, qual é seu prazer, coisas que estão secretamente veladas em silêncio. Não vemos nem sabemos o que Deus quer, pois se o soubéssemos ele não seria Deus, isto é, o totalmente outro” [52]
O teo-poeta peregrina em terras desconhecidas com seu instrumento: sua paixão e amor pela vida. O lugar do teo-poeta é a religião considerada futuro absoluto, como diz Caputo:
Esse futuro é imprevisível e nos tomará de surpresa, vindo como um ladrão de noite… (1 Ts 5.2) abalando nossos horizontes tranqüilos com as expectativas que cercam o presente… Com o futuro absoluto, digo, aportamos pela primeira vez na praia do “religioso” entrando na esfera da paixão religiosa, alcançando uma categoria distintamente “religiosa”… Cruzamos a fronteira dos métodos racionais de planejamento, nos arriscando no tipo de coisa que deixa nervosos os gerentes das empresas, uma vez que nos arriscamos numa terra desconhecida. [53]
Kierkegaard abriu a porta para os teo-poetas. Esses não precisam estar a serviço do logos. Em
vez disso, podem jogar sem decidir com o logos ao acaso, e assim ajudarão o jogador a in/definir sua própria decisão e escolher o risco a tomar [54].
Kierkegaard é esse excessivo teo-poeta que não podia imaginar nada menos do que o impossível. Seu amor comandou seus escritos, sua paixão levou-o a equacionar o poder incontrolável da paixão com a fé. É dele que aprendemos que a religião é para os amantes! [55] O Deus excessivo de Kierkegaard torna possível ao poeta o Deus impossível.
Paul Ricoeur parece ter encontrado a melhor maneira de definir Kierkegaard. Escreve:
O pensador subjetivo diante de Deus, o puro contemporâneo de Cristo, sofrendo a crucifixão com ele, sem igreja, sem tradição, sem ritual, só pode existir fora da história. “Eu sou o poeta do religioso”, confessa, e me parece que devemos levá-lo a sério. Mas que será que realmente quer dizer? É provável que nunca o saberemos. Kierkegaard situa-se em algum espaço entre os estágios, nos interstícios e nas transições, como certo tipo de sinopse dos estágios estético e religioso, omitindo o estágio ético… Kierkegaard não se encaixa em nenhuma categoria. [56]
Com Kierkegaard chegamos ao domínio da religião sem qualquer necessidade de dogmas ou de aceitação de uma fé confessional. Aprendemos com ele que não é preciso relacionar Deus com crenças corretas, atitudes formais ou confissões de fé, mas ver e realizar a fé como paixão que nos leve ao desconhecido e nos ajude a contemplar epifanias da escuridão como cantou o salmista:
Certamente as trevas me cobrirão e a luz ao meu redor tornar-se-á noite [57].
Conclusão: religião é para amantes
Os que não acreditam no que diz a fé confessional a respeito de Deus compartilham com o evangelho de Tomé e estão sempre envergonhados de sua falta de fé. Mas esses, proibidos de entrar no reino de Deus por causa disso, tratam do assunto com paixões extravagantes e maneiras sem graça. Contudo, todos são incluídos por Kierkegaard no âmbito da fé. Ninguém vive sem ela. “A fé é uma maravilha e nenhum ser humano é excluído dela; a paixão reúne a vida humana e a fé é paixão ” [58] Volta-se para os eu não podem crer de maneira adequada, e desmancha o significado da fé, declarando que ela não é certeza nem conhecimento, mas paixão e amor que sustentam a vida. Nesse amor todos são incluídos: os paralíticos, os esmoleiros, os incrédulos, os sem igreja, os malditos, os abomináveis, os pecadores, os perdedores, os loucos e até mesmo os que amam em demasia. A religião é, na verdade, para os amantes, para os que busca ser impossivelmente cavaleiros da fé.
Os que desejam viver pela fé precisam estar no clima da mudança: “Enquanto o pensamento objetivo investe tudo nos resultados e ajuda a humanidade a se enganar copiando resultados e respostas, o pensamento subjetivo investe tudo no processo da transformação… os que existem estão sempre no processo de vir a ser.” [59] Não é a razão que nos faz ter fé. Como diz Mark C. Taylor, “Kierkegaard nos oferece uma fenomenologia do espírito alternativa, na qual examina a dinâmica do eu individual no movimento para a fé.” [60]
O maior paradoxo e a maior ironia da vida de Kierkegaard é que não conseguiu viver pelos próprios padrões. Diz Ricoeur: “Não foi suficientemente sedutor como Don Juan para ser esteta. Nem teve êxito na vida ética.: não se casou e não teve filhos nem manteve suas despesas exercendo uma profissão. Foi, assim, excluído da existência ética descrita pelo Juiz Wilhelm em Ou/ou”. [61]
Também falhou no estágio estético. Mesmo se entregando a Regina e a abandonando, confessou nos seus diários que não possuía suficiente fé para se casar com ela. Escreveu: “Se eu tivesse fé, teria permanecido com Regina”. Não obstante, assim mesmo foi um cavaleiro da fé. Não poderia ter vivido sem a fé que lhe permitiu dar o pulo na vida desconhecida sem ela. Abandonou sua amada Regina e ao contrário do que aconteceu com Abraão, nunca conseguiu tê-la de volta. Regina casou-se com outro e ele morreu antes dela se tornar viúva.
Nos domínios da fé, que são os mesmos dos que erram nos desertos, participamos todos na história de Abraão. Derrida chama a atenção para esta importante interpretação de Kierkegaard da história de Abraão: talvez não possamos ter a fé de Abraão mas podemos participar no mesmo “paradoxo da responsabilidade” [62]. Os infiéis, principalmente os amantes, buscam poesia e vão atrás dos teo-poetas: poemas sobre o desconhecido, indizível e sobre um certo sobre: palavras ardendo e flamejando em volta do sagrado, levando-nos para perto do fogo consumidor do Deus impossível. Nessa busca, vive-se no mundo livre de associações, de circunstâncias contingentes, de momentos fugidios de verdades frágeis e fragmentadas, provisórias e imaginadas. Dançamos na beira do abismo, balançando os nossos pés. Nas margens do abismo onde Deus talvez viva, arrumamos nossas camas e dormimos, pois temos consciência do risco. Contudo, não há outra saída além dessa. Como diz Kierkegaard, o estágio religioso nos leva a saltar e é isso que tentamos fazer porque temos fé apaixonada suficiente para acreditar que se cairmos, Deus, se tanto, talvez nos venha ao encontro.
Para finalizar este ensaio vou citar dois possíveis teo-poetas para juntá-los a Kierkegaard e a mim mesmo. Começo com Jaci Maraschin, poeta brasileiro:
Quoniam iniquitatem meam ego cognosco
ouço uma voz intermitente
que não se ouve e que me chama
no silêncio
percorre as minhas veias como fogo
e desarruma as vísceras
parece um canto de mulher
no fundo do oceano
essa inaudita voz que apenas sinto
é um calafrio
que vai escorregando devagar
pelos cabelos
até se transformar numa alameda
tapo os ouvidos com a escuridão
e a voz é apenas um zumbido
que vai subindo e vai descendo
por entre os decibéis da incompreensão [63]
E para terminar, este poema de Rainer Maria Rilke:
Quem, se eu gritar, me ouviria dentre a hierarquia dos anjos?
E se por acaso algum deles me tomasse de repente em seu coração,
eu pereceria diante de sua tremenda existência.
Pois a beleza não é senão o começo do terror que dificilmente suportamos,
e assim a admiramos porque calmamente nos desdenha
querendo nos destruir.
Todos os anjos são terríveis.
Assim me contenho e engulo o apelo enganoso dos escuros soluços.
Ah, quem então poderemos usar?
Não os anjos nem os homens,
e os animais astutos percebem que não nos sentimos muito bem
no mundo que tanto explicamos.
Talvez na ladeira da colina
algumas árvores ainda permaneçam para nós,
para que as vejamos dia após dia.
As alamedas do passado nos deixaram,
bem como a deformada fidelidade dos velhos hábitos
tão agradáveis para nós
que não queriam nos abandonar [64].
Bibliografia
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